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A CET não pode multar!

Irene Patrícia Nohara

Irene Patrícia Nohara

04/11/2015

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Uma temática que tem relação estreita com o Direito Administrativo diz respeito à aplicação de multas de trânsito. A cada três segundos um motorista é multado em São Paulo.

Observa-se na atualidade a “denúncia” de inúmeros veículos de informação acerca da presença de uma indústria de multas. Segundo, por exemplo, reportagem investigativa da Rede Tv News, agentes de trânsito da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) confirmam que a empresa determina metas na aplicação de multas.

Após uma reunião com os agentes da CET houve, com sigilo da fonte da informação, ordens para que houvesse ‘canetada’, sobretudo em carros estacionados em local proibido, tendo sido mencionado que se objetivava arrecadar fundos para a celebração de contrato entre a CET e uma empresa de veículos guinchados (terceirizada).

Uma agente de trânsito foi promovida ao aplicar mais de 150 multas de trânsito em uma semana, aplicando multas o dia inteiro. Segundo a Rede TV, houve o acesso a um documento assinado pela coordenação da CET que orienta os agentes a ficarem escondidos para aplicar a multa.

Em resposta, a CET nega haver indústria de multas ou mesmo premiação em função de metas de multas. Contudo, os motoristas ficam desconfiados, sobretudo quando se constata as multas irrazoáveis que são aplicadas em diversos Municípios, por exemplo: um carro foi multado por dirigir a 4800 km/h ou, ainda, um caso de um motociclista multado por “não usar o cinto de segurança”.

No caso do motociclista, constata-se que obteve reversão da situação em recurso administrativo deferido. Mas também se suspeita que os recursos analisados pelas Jaris e pelo Detran não são apreciados adequadamente do ponto de vista jurídico, sendo até levantada a suspeita, relatada no blog Papo de Homem, conforme declaração de um diretor da Jari, que teria dado entrevista dizendo que “o índice de deferimento de recursos contra multas é de 10%, e a meta é baixar para 5%”.

Trata-se de situação a ser apurada de forma mais detida pelas instituições, mas se houver a confirmação destas informações, daí estamos vivenciando a situação ironizada na charge: “sorria, você está sendo multado”, de Gilmar.

Quais os problemas do ponto de vista da aplicação do Direito Administrativo? Podem ser sintetizados, dentre muitos, dois problemas graves:

  1. Quando a empresa responsável pela operação do sistema viário, que foi criada em 1976 com o fito de garantir maior segurança e fluidez ao trânsito se volta para o fim de arrecadar por meio das multas, há desvio de poder ou desvio de finalidade (uma ilegalidade, conforme dispõe o art. 2?, parágrafo único, alínea e, da Lei 4.717/65: “o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência”, pois a multa se volta a garantir a segurança no trânsito (tem caráter educativo), não sendo estabelecida para fins arrecadatórios (como os tributos, por exemplo, que não têm essa dimensão disciplinar); e
  2. Não está ainda clara a competência da CET, sociedade de economia mista, cujo capital majoritário é da Prefeitura, para esse múnus fiscalizatório/sancionatório, sobretudo diante da decisão da Segunda Turma do STJ, no REsp 817.534, de relatoria de Mauro Campbell Marques (que foi acompanhado na tese por todos os demais ministros), em novembro de 2009, na qual se veda a transferência de poder de polícia à sociedade de economia mista, tendo sido reconhecido que a BHTrans, Empresa de Trânsito de Belo Horizonte, não teria poder para aplicar multas de trânsito na capital mineira. Esse assunto também possui precedentes no STF, a exemplo da histórica ADI 1717 – que propugna a indelegabilidade, a uma entidade privada, de atividade típica do Estado.

Em suma, o Direito Administrativo não ampara a pretensão de se arrecadar por meio de multas, sendo ainda problemática tal competência por parte da CET, pelos motivos expostos acima.


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