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Novo CPC: 10 aspectos quanto às provas (documental, testemunhal e pericial)
Luiz Dellore
19/10/2015
Para abrir este texto, destaco que esta é a oitava coluna semanal a respeito do Novo CPC, sendo a segunda de minha autoria. Agradeço aos leitores pelos comentários, curtidas, compartilhamentos, retuítes e sugestões de temas para análise nas próximas vezes. Foi muito interessante verificar que a nossa coluna não atinge apenas o profissional, mas também o estudante e até mesmo alguns leigos. Viva a capacidade de difusão das ideias que a internet permite. O bom retorno que recebemos é prova de que estamos no caminho certo.
Por falar em “prova”, este é o assunto que tratarei nesta coluna. Perde-se ou se ganha um processo por causa da prova. A tese do autor pode ser ótima, mas se não for possível provar os fatos alegados, o pedido não será acolhido. Muitas vezes, a frustração do cliente é “saber” que algo aconteceu, mas a realidade não se refletir no processo e, com isso, a sentença entender que aquilo “não aconteceu”. E é, também, uma frustração para o advogado.
E o NCPC traz uma série de inovações quanto à prova. Há, por exemplo, o “ônus dinâmico da prova” (mencionado como umas principais inovações na coluna anterior) e a mudança do “princípio do livre convencimento motivado” (CPC/73, art. 131) para o “princípio do convencimento motivado” (NCPC, art. 371) e quais as consequências dessa alteração (se é que há alguma).
Mas pretendo tratar de questões mais prosaicas e menos teóricas, mas relevantes para o advogado militante,quando busca demonstrar a verdade dos fatos. Tratarei de 10 aspectos relacionados às provas documental, testemunhal e pericial (há outros, que podem ser tratados em próxima coluna). Não são 10 inovações, pois em alguns casos há apenas repetição do CPC/73. Analisemos juntos:
1) O NCPC, repetindo em grande parte o CPC/73, inicia a seção destinada à prova documental com o título “da força probante dos documentos”, discorrendo em diversos artigos a respeito da força do documento público versus a força do documento privado. Há artigo que afirma ser “autêntico o documento, quando o tabelião reconhecer a firma do signatário”. No século XXI, com certificação digital e livre convencimento motivado do juiz, tem sentido (e necessidade) regular tanto a dicotomia documento público e privado?
2) Mas, especialmente, causa muita surpresa o NCPC reproduzir dispositivo do CPC/73 que fala da força probante do telegrama e do radiograma, com a mesma “força probatória do documento particular, se o original constante da estação expedidora foi assinado pelo remetente”
Prezado leitor que utiliza telegrama (e não são muitos…), qual foi a última vez que você foi aos Correios para assinar um telegrama? Ora, quem envia telegrama o faz pela internet.
E, ainda pior, segundo consulta aos Correios, não existe mais o radiograma[1] no Brasil, já há algum tempo (como bem destacou o colega de coluna Prof. Marcelo Machado, temos um museu de grandes novidades…).
3) Enquanto isso, nenhuma menção específica à força probante do fax (já superado, mas não extinto como o radiograma) ou do e-mail (fala-se em correio eletrônico no art. 422, § 3o, mas não sob a perspectiva da força probante). No momento em que o NCPC regula a força do telegrama assinado nos correios, resta à doutrina e jurisprudência (esta última, casuisticamente) tratar da recepção do mail como prova documental. Ou seja, sem o norte dado pelo NCPC, cada juiz pode entender de determinada maneira.
4) Mas, felizmente, há boas inovações. Em tempos de smartphone, a prova multimídia ganha muita força. Melhor mostrar em juízo o vídeo da batida do carro ou a testemunha ser ouvida, meses depois, em juízo? Assim, há previsão de como o áudio ou vídeo devem ser levados ao processo. Como prova documental que é, deve ser juntada aos autos na inicial ou na contestação, sendo que sua apresentação somente será na audiência de instrução. Um problema que ocorria na prática é regulado, de forma clara e simples. É essa a finalidade do Código.
5) Quando à prova testemunhal, excelente previsão diz respeito à possibilidade de oitiva da testemunha via videoconferência – que inclusive poderá ocorrer na própria audiência de instrução, com as demais testemunhas. No âmbito do TRF4 isso já é comum, mas não havia previsão no Código. E é importante que haja, para evitar resistências de magistrados mais refratários a mudanças. Em síntese, há base legal para se requerer que a oitiva da testemunha seja feita pela internet, de qualquer lugar do mundo.
6) De modo a desburocratizar e agilizar o processo, a testemunha será intimada pelo advogado para comparecer à audiência de instrução. Isso será feito por meio de carta com aviso de recebimento. Se não houver o envio do AR pelo advogado e a testemunha não comparecer, presume-se a desistência de oitiva. Se frustrada a intimação via AR, cabe a intimação via Judiciário. Parece-me uma boa inovação, resta verificar como será a realidade no cotidiano forense.
7) A arguição da testemunha passa por sensível alteração. Saem as reperguntas (em que o advogado pergunta ao juiz, que então formula a repergunta para a testemunha) entram as perguntas do advogado diretamente para o depoente. Pode o juiz interferir se a perguntas forem impertinentes ou quiserem induzir a resposta. Ou seja, é o modelo norte-americano, que vemos em filmes (cross examination). Será que é uma boa inovação? Pode ser. Resta verificar como, na prática, juízes e advogados se adaptarão à novidade (que já ingressou no processo penal em reforma realizada em 2008). A chave para a boa aplicação da novidade é a boa-fé de partes, advogados e testemunhas.
8) A ordem de oitiva das testemunhas segue, em regra, a mesma (primeiro do autor, depois do réu). Contudo, considerando o caso concreto, é possível que o juiz, com o consentimento das partes, altere a ordem de oitiva das testemunhas (para qualquer ordem). Isso pode ser interessante em situações nas quais a prova testemunhal tem bastante relevo (como no direito de família) E a situação pode ser inserida no contexto da flexibilização procedimental e, diante da vontade das partes, do negócio jurídico processual (este último tema apontado na minha coluna anterior como um dos destaques do NCPC[2]).
9) Ponto negativo quanto à prova testemunhal fica por conta da oitiva das autoridades. Há um sensível aumento de pessoas que não precisam depor no fórum e que podem ser ouvidas em lugar que designarem (ao invés de igualar as pessoas, há mais distinção). Além dos diginitários que já constavam do CPC/73, há inclusão de Conselheiros do CNJ e CNMP, advogado-geral da União, procuradores-gerais dos Estados e Municípios, defensores-públicos gerais Federal e Estaduais, prefeito e procurador-geral de justiça[3]. Mas, convenhamos, isso não é algo que interfira no andamento dos processos do ponto de vista macro.
10) Encerro com a prova pericial. Há inovação que me parece muito positiva. A criação de um cadastro, pelos tribunais, com profissionais habilitados e certificados para atuar em determinada área. Ou seja, um “banco de peritos”, semelhante ao que existe em relação aos tradutores juramentados. Assim, se nesse banco houver médicos especializados em geriatria, o juiz escolherá o perito dentre esses profissionais para realizar uma perícia em caso de interdição de idoso. É uma iniciativa simples, muito boa para dar transparência, qualificar melhor os peritos e garantir que a escolha recairá no profissional mais adequado. Além disso, a OAB e corporações profissionais poderão exercer fiscalização de maneira mais fácil e isso estimulará que profissionais capacitados possam se habilitar a atuar como peritos – sem ter de conhecer pessoalmente o juiz ou escrivão.
Assim, se o leitor conhece alguém com capacidade técnica para atuar como perito judicial, já vale informá-lo dessa novidade. Mas não precisa ser por telegrama ou radiograma…
Fonte: JOTA
[1] Segundo o dicionário Houaiss, radiograma é o telegrama transmitido por rádio. Pesquisando brevemente na internet, parece que apenas no âmbito das forças armadas o radiograma é ainda utilizado (“Radiograma: Documento formal utilizado pelo Exército de rápida difusão no âmbito das Organizações Militares”, em http://www.centropaulasouza.sp.gov.br/pos-graduacao/workshop-de-pos-graduacao-e-pesquisa/008-workshop-2013/trabalhos/educacao_corporativa/120563_180_192_FINAL.pdf, acesso em 29/1/2014)
[2] Inclusive, o texto anterior rendeu interessante debate acadêmico via internet, com diversos colegas processualistas. O Prof. Antonio Cabral, um entusiasta da inovação, trouxe exemplos em que ele acredita haver muito espaço para sua utilização. A respeito da minha afirmação anterior de que o NCPC “criava” o negócio jurídico processual, o Prof. Leonardo Carneiro Cunha destacou inúmeras situações que, para ele, demonstram já existir o negócio processal no CPC/73. De seu turno, o Prof. Alexandre Câmara disse que não admite nenhuma situação de negócio processual no CPC/73. De minha parte, filio-me à corrente intermediária, entendendo que a eleição de foro é típico exemplo de negócio processual no CPC/73.
[3] E considerando as respectivas leis orgânicas, todos os juízes, promotores e defensores públicos da União tem a mesma prerrogativa. Assim, tendo em vista o art. 6º da L. 8.906/1994 (não hã hierarquia nem subordinação entre advogados, juízes e membros do MP), por isonomia também os advogados deveriam ter sido incluídos no rol (ou, ao menos, no NCPC, haver menção ao presidente da OAB). Ou então – e aqui é um chiste – também os professores de direito (ou, ao menos, os de direito processual…)
Veja também:
- Novo CPC: o Lado B da Justiça Gratuita (aquilo que não gostaríamos de ouvir)
- Justiça gratuita no Novo CPC: Lado A
- Informativo de Legislação Federal: resumo diário das principais movimentações legislativas.
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