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Sobre o julgamento de civis na Justiça Militar: o que o Pacto não diz…

DECRETO Nº 678/92

MILITAR

PACTO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA

PENAL MILITAR

Adriano Alves-Marreiros

Adriano Alves-Marreiros

28/08/2015

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O presente artigo não tem qualquer pretensão de esgotar o assunto, mas de levantar uma discussão a partir de argumentos por vezes olvidados. O Ministro Celso de Mello, do STF, comentou recentemente em seu voto que o Pacto de San José da Costa Rica não permitiria o julgamento de civis pela Justiça Militar.  Com todo respeito que o grande cabedal jurídico do Ministro exige, devemos indagar: em que artigo? O que mais se aproxima do assunto dispõe:

Artigo 8º – Garantias judiciais:

  1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

As peças processuais, no Brasil, comumente apresentam, data vênia, um problema que temos questionado: utilizam a parte dispositiva, a simples decisão dos litígios sem utilizar os fundamentos que envolveram aquela decisão.  Neste caso, iremos analisar algumas decisões de cortes internacionais e demonstrar que independentemente do que decidiram, seus fundamentos demonstram que não são decisões aplicáveis ao Brasil.

No Brasil, a Justiça Militar da União tem previsão constitucional dentro do poder judiciário, assim sendo, qualquer pessoa a ela submetida e será ouvida por juiz ou tribunal competente, estabelecido anteriormente, sendo independente e imparcial como parte do Poder Judiciário e será processada pelo Ministério Público Militar, composto por membros do Ministério Público da União, todos civis, vitalícios e com ingresso mediante concurso público de provas e títulos. Aliás, já que o Pacto menciona, a Justiça Militar da União observa prazos muito mais razoáveis que outras justiças, isto é, é muito mais célere. Em todo caso, isto versa sobre competência para julgamento. Mesmo um entendimento contrário não modifica a natureza de crime militar de uma conduta, ainda que fosse julgada em outra Justiça.  Mas pela natureza da Justiça Militar brasileira e do Ministério Público Militar brasileiro, não são aplicáveis ao Brasil entendimentos como o expressado pela Alta-Comissária para os Direitos Humanos da ONU, Navi Pillay, que revelou estar “profundamente preocupada” com as detenções contínuas de manifestantes no Bahrein, as perseguições a profissionais de saúde e as condenações à morte de quatro manifestantes em julgamentos militares, feitos à porta fechada[1]:

“O julgamento de civis por tribunais militares é sempre motivo de preocupação. A aplicação da pena de morte sem recurso a um processo que respeite os príncipios do Direito e resultante de um julgamento feito à porta fechada é ilegal e absolutamente inaceitável” (grifei), refere Navi Pillay.

A alta-comissária da ONU sublinha que “todos os acusados têm direito a um julgamento justo em tribunais civis, de acordo com o direito internacional e com os próprias obrigações internacionais que o Bahrein tem de cumprir no que respeita aos direitos humanos”, pode ler-se no comunicado das Nações Unidas.

O processo penal brasileiro, além do que foi dito acima, faz instrução e julgamento públicos, observando as garantias individuais prevista na Constituição e tratados.  Assim sendo, não existe a violação a que ela se refere ao tratar do Bahrein. É justamente a inobservância do Princípio da Publicidade, de garantias e independência para juízes e promotores e de garantias individuais em alguns países que embasa certos entendimentos.  Mas o Brasil não está entre eles. Assim sendo, manifestações como as do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas de 2006[2], da Corte Europeia de Direitos Humanos sobre a Turquia[3], da Corte Interamericana[4] e da Comissão de Direitos do Homem e dos Povos Africanos não possuem qualquer sentido se aplicadas ao Brasil. Vale dizer, inclusive, que a Justiça Militar da União, além de observar direitos e garantias é extremamente branda com réus civis, havendo inúmeras absolvições, condenações quase todas apenas fixada no mínimo legal e que, mesmo durante o regime militar, mostrou independência, com várias decisões contrárias ao governo militar, sendo a primeira Justiça do Brasil a conceder liminar em habeas corpus[5] e, quando estes foram proibidos, as petições[6], que surtiam o mesmo efeito. Ah, e nunca devemos olvidar que as decisões do próprio STM estão sujeitas a revisão pelo STF e frequëntemente são levadas àquela suprema corte, até porque para a defesa é um trâmite com poucas restrições, ao contrário de recursos do MP na área penal.Quase todas as justiças militares do mundo que são tão questionadas, não fazem parte do Poder Judiciário. São na verdade estruturadas como cortes marciais. Nelas, juízes e promotores não possuem garantias constitucionais de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos, são subordinados às autoridades que determinam o curso da investigação, as sessões não são públicas, não há liberdade de escolha de advogado,etc. Aliás se o problema for ter algum militar julgando civil, bastaria restringir tais julgamentos aos juízes togados e o civil continuaria tendo o julgamento rápido, cortês e justo que tem hoje na Justiça Militar.Voltando ao Pacto de San Jose da Costa Rica, além de não fazer restrição ao nosso sistema judiciário, é preciso fazer uma crítica sobre a interpretação que vem sendo dada a convenções e tratados. O Subprocurador-geral de Justiça Militar Mário Soares, afirmou em parecer[7]:

“Espera a DPU que o Pacto de San Jose da Costa Rica tenha caráter supralegal, mas isto não é correto, eis que o mencionado Pacto restringiu a prisão civil por dívidas à hipótese de não pagamento de pensão alimentícia, havendo diversos causídicos questionado a prisão do depositário infiel por contrariar o Pacto de San Jose. No início tiveram algum sucesso nos juízos inferiores e até mesmo no STJ. Entretanto o STF sentenciou definitivamente que o Pacto de San Jose da Costa Rica tinha caráter infra constitucional, como lei ordinária, não derrogando dispositivos de leis especiais, observando-se, portanto, o princípio da especialidade em que se enquadra a legislação adjetiva militar.

Fica claro que este era o entendimento antes da Emenda Constitucional n. 45, isto é, antes dela não tinha natureza equivalente a Emenda Constitucional, evitando-se que se possa afirmar que por não se admitir inconstitucionalidade formal superveniente. Naquela peça, Soares destaca que o Relator, Ministro Moreira Alves traduziu a dúvida nos seguintes termos:

Tratando-se de alienação fiduciária, é constitucional a possibilidade de decretar-se a prisão civil do depositário infiel, uma vez que as disposições contidas no Pacto de São José da Costa Rica, além de não poderem contrapor-se à permissão do art. 5.º, LXVII, da CF, não derrogaram, por serem normas infraconstitucionais gerais, as normas infraconstitucionais especiais que regem a matéria.[8]”

Prossegue o douto Subprocurador-Geral destacando que se havia dúvida na época, a emenda Constitucional n.45 a dirimiu:

“§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.”

E conclui magistralmente:

Portanto, para que dispositivos do Pacto de San Jose da Costa Rica tenham caráter supra legal, como norma constitucional, devem dispor sobre direitos humanos e terem sido aprovados em cada uma das Casas do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, processo legislativo que se exige às normas constitucionais.

Como curial, o Pacto de San Jose da Costa Rica foi aprovado através do Decreto nº 678/92, por maioria simples, como lei ordinária, não podendo, portanto, se contrapor a leis especiais que disciplinem a matéria de modo diverso.”

O Pacto de San Jose foi aprovado por maioria simples do Congresso em votação única e por Decreto Legislativo. Assim sendo, entendemos ser difícil concordar com posições do STF[9] no sentido de que  tratados de direitos humanos e, em especial,  o Pacto de San José da Costa Rica estariam em posição superior à ordinária, mais, superior a toda a legislação infraconstitucional como defende o Ministro Gilmar Mendes no famoso voto no RECURSO EXTRAORDINÁRIO 466.343-1 SP, se não foram submetidos ao rito constitucionalmente previsto e considerando que o posicionamento anterior do STF não consagra tal entendimento. Aceitar que estaria abaixo das emendas constitucionais e acima da legislação em geral seria aceitar uma solução meramente irônica: evita dar status de emenda, para não Confrontar a emenda 45, mas atribui o mesmo efeito, pois só poderia ser revogado por emenda constitucional, dando com maioria simples um efeito que só pode ser dado com três quintos.

Em todo caso, esta não é a discussão: como vimos supra, o próprio Pacto de San José da Costa Rica não impede o julgamento de civis pela Justiça Militar brasileira, diante de suas peculiaridades já elencadas.


REFERÊNCIAS

[1] www.ionline.pt

[2] U.N. Draft Principles Governing the Administration of Justice Through Military Tribunals

[3] Incal v. Turkey, Çiraklar v. Turkey, Gerger v. Turkey, Karatas v. Turkey, etc.

[4] Palamara-Iribarne v. Chile

[5] ROMEIRO, Jorge Alberto. Curso de Direito Penal Militar (Parte Geral). Editora Saraiva, São Paulo, 1994.

[6] Que segundo Romeiro foi o nome com que ficaram conhecidos os pedidos de habeas corpus na época em que foram proibidos pelo AI-5. ROMEIRO, Jorge Alberto. Curso de Direito Penal Militar (Parte Geral). Editora Saraiva, São Paulo, 1994

[7] Parecer na apelação 0000054-45.2009.7.07.0007/PE do STM. Relator: Ministro Marcos Martins 29 de junho de 2011.

[8] Supremo Tribunal Federal. RE 225.386-3-GO

[9] v.g. RE nº 349.701-1/RS e RE 466.343/SP. STF.


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