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Motivar é preciso, escolher não é preciso…

Marcelo Ribeiro

Marcelo Ribeiro

28/07/2015

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A consolidação do Estado de Direito trouxe importantes garantias para a afirmação da segurança jurídica, isso em razão de nossa constituição ter abraçado a ideia de controle da atuação estatal, uma vez que o exercício do poder deve observar os limites do ordenamento jurídico. Em vista deste princípio, dispara o legislador constituinte no artigo 93, IX, CF/88: todo ato judicial tem que ser motivado.

A motivação é princípio fundante do Estado Democrático de Direito, pois sem ele a sociedade não tem como fiscalizar a atuação da atividade jurisdicional. Evidente, portanto, que de nada adiantaria garantir o contraditório e a ampla defesa se às partes não fossem declinadas as razões do convencimento. Sem isso, não haveria como avaliar se provas e alegações foram eficientes ou determinantes para o provimento final e retornaríamos aos tempos do absolutismo, ferindo de morte o controle da atuação judiciária e a promoção da segurança jurídica.

Sobre o tema, dispõe o NCPC em seu artigo 489, que: “o juiz deve enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador”.

Deve-se, no entanto, sem desconsiderar a necessária fundamentação, verificar as influências da atualização legislativa, que no ordenamento contemporâneo emprega princípios, termos vagos e conceitos indeterminados para o alcance da finalidade constitucional. Sob essa perspectiva, indagamos: como fundamentar decisões e adequadamente declinar as razões do convencimento, se para tanto, muitas vezes a decisão esta embasada em textos com baixa carga de percepção semântica? Há nessa exigência, algum traço de utopia totalitária?

No Estado Liberal, de influências positivo-exegéticas, a interpretação gramatical lastreava-se pela subsunção do fato à regra jurídica, em total descompasso com a diversidade da vida e a peculiaridade do caso concreto. Assim, por exemplo, já se estabeleceu antecipadamente que diante do descumprimento contratual, e aqui se consideram as obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa; estaria o titular do direito fadado a deduzir, ainda que implicitamente, uma pretensão de reparação por perdas e danos. Com essa redação, a resposta foi supostamente padronizada, entregando ao jurisdicionado, seja qual fosse a peculiaridade do caso, sempre uma compensação, como se a expressão econômica fosse a resposta para todas as perguntas. Essa pretensão legislativa, entretanto, demonstra evidente  incompatibilidade com a isonomia material,  e justifica, no momento seguinte, o emprego de tutelas preventivas.

Atualmente, o ordenamento brasileiro apresenta uma reestruturação no conjunto das técnicas legislativas empregadas para o desiderato constitucional. Basta observar a redação utilizada pelo do NCPC, que nos apresenta termos na ordem do: prazo razoável, multas proporcionais, medidas adequadas, interesse público e dignidade da pessoa humana; para perceber que decisões pautadas nestas ideias não são capazes de assegurar o real cumprimento da motivação.

De fato, não se pode admitir que a simples referência ao primado da dignidade humana ou aos termos da proporcionalidade, seja capaz, por si, de apresentar às partes os fundamentos da decisão. Antes, é imperioso que se mensure e delimite a vagueza do texto, de sorte a identificar, por exemplo: qual o conceito de dignidade adotado para o caso, qual a relação entre o percentual da multa e a capacidade contributiva da parte, ou ainda, qual a percepção de interesse público foi aduzida para a especificidade da causa.

Há, nesse processo decisório, uma responsabilidade hermenêutica que já antes e acima do NCPC, se justifica pela compreensão atual da motivação constitucional. Dito de outro modo: o sentido emprestado à exigência das fundamentações, dentro do Estado Democrático de Direito, se impõe ao judiciário como direito fundamental do cidadão, e isto, já pela tradição jurídica decorrente da interpretação.

A toda evidência, o que não se pode admitir, sob as diretrizes do Estado brasileiro, são decisões pautadas pela subjetividade assujeitadora do homem. Dito de outra forma: sentenças entregues com amparos em termos vagos, tais como: extingo o processo por falta dos pressupostos, indefiro o pedido por falta de amparo legal ou ainda, encaminhe-se o feito para a extinção por inépcia da inicial, não atendem ao mandamento constitucional da motivação e por isso, devem ser consideradas nulas. Observe-se, em função da oportunidade, que para além da eloquência vocabular, não há sequer a indicação do erro ensejador da extinção ou menção ao pressuposto supostamente desconsiderado pela parte.

É dizer: fundamentando-se a sentença em conceitos juridicamente indeterminados, cláusulas gerais ou princípios jurídicos, o intérprete/julgador deve expor, analiticamente, o sentido em que as normas foram compreendidas, demonstrando as razões pelas quais, ponderando os valores em questão e à luz das peculiaridades do caso concreto, tal resultado se faz adequado à constituição.

A decisão, portanto, reclama descrição detalhada acerca das percepções judiciais, a fim de garantir às partes, uma condição de possibilidade para verificar que todos os argumentos deduzidos foram considerados na decisão. Afinal, a descrição de uma fato, ao tempo em que revela nossas impressões de mundo, submetendo-as ao necessário constrangimento epistemológico, também nos permite constatar uma serie de evocações, feitas para aproximar o texto da realidade descrita[1].

A motivação, conclui-se, é fundamental para garantir o acesso a uma ordem jurídica justa, imparcial e democrática, e deve ser feita pelo controle da subjetividade do intérprete, que no Estado Democrático de Direito, precisa considerar as delimitações de sentidos feitas à linguagem, no espaço público, pela doutrina, jurisprudência, lei e toda a nossa tradição constitucional. Do contrário, sentidos passam a ser atribuídos aleatoriamente, sem compromisso com os limites semânticos do caso concreto e isso, evidentemente, potencializa a insegurança judicial. Prova disso?

Peço a você, meu caro leitor, que por qualquer motivo nós deu a honra de completar a leitura do texto: retorne ao título! Lá, depois de todas as considerações, será possível identificar, mais adequadamente, que embora tenha empregado o mesmo vocábulo (preciso), eles tem percepções diferentes, pois ao tempo em que denotam a necessária fundamentação, também sinalizam a falta de delimitação das escolhas judicias, proferidas sem compromissos hermenêuticos.


[1] HEIDGGER, Martin. A caminho da linguagem; tradução de Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis, Ed Vozes; Bragança Paulista, Editora Universitária São Francisco, 5 ed, 2011, p. 15.

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