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Da ação de prestação de contas de alimentos. Lei 13.508/14 e Novo CPC
Flávio Tartuce
30/06/2015
A viabilidade jurídica da ação de prestação de contas de alimentos é tema que sempre foi muito debatido nos âmbitos doutrinário e jurisprudencial. Como bem demonstra Rolf Madaleno, “tratando-se de alimentos, reiteradamente a jurisprudência tem decidido não ser exigível a prestação de contas do guardião de filho credor de pensão alimentícia, em razão da irrepetibilidade dos alimentos, não havendo como o alimentante pretender a eventual restituição de alimentos desviados ou mal empregados”.[1]
De fato, podem ser encontrados vários julgados entendendo por sua impossibilidade, por ilegitimidade ativa do alimentante e pela falta de interesse processual, entre outros argumentos (ver: TJ/SP, Apelação 0003673-49.2010.8.26.0099, Acórdão 8.044.325, Bragança Paulista, 9ª câmara de Direito Privado, Rel. Des. Alexandre Bucci, julgado em 25/11/14, DJESP 20/01/15; TJ/DF, Recurso 2013.01.1.033648-0, Acórdão 766.021, 4ª turma Cível, Rel. Des. Arnoldo Camanho de Assis, DJDFTE 12/03/14, p. 280; TJ/MG, Apelação cível 1.0518.13.016606-0/001, Rel. Des. Washington Ferreira, julgado em 19/08/14, DJEMG 22/08/14; TJ/MG, Apelação cível 1.0643.11.000295-0/001, Relª Desª Áurea Brasil, julgado em 10/07/14, DJEMG 22/07/14; TJ/PR, Apelação cível 1204895-0, Palmas, 12ª câmara Cível, Rel. Juiz Convocado Luciano Carrasco Falavinha Souza, DJPR 12/09/14, pág. 330). Na mesma linha, conforme se retira de decisium do STJ, “segundo a jurisprudência desta Corte, o alimentante não detém interesse de agir quanto a pedido de prestação de contas formulado em face da mãe do alimentando, filho de ambos, sendo irrelevante, a esse fim, que a ação tenha sido proposta com base no art. 1.589 do Código Civil, uma vez que esse dispositivo autoriza a possibilidade de o genitor que não detém a guarda do filho fiscalizar a sua manutenção e educação, sem, contudo, permitir a sua ingerência na forma como os alimentos prestados são administrados pela genitora” (STJ, AgRg. no REsp. 1.378.928/PR, Rel. Ministro Sidnei Beneti, 3ª turma, julgado em 13/08/2013, DJe 06/09/13). Além dessa argumentação, a ação de prestação de contas das verbas em estudo vinha sendo rejeitada com base na premissa da irrepetibilidade dos alimentos.
Esse era o entendimento majoritário, que foi substancialmente alterado pela lei 13.508, de dezembro de 2014; dispositivo que trouxe modificações substanciais em matéria de guarda. Uma dessas alterações diz respeito à introdução do § 5º no art. 1.583 do CC, com a seguinte dicção: “a guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos”. A menção à supervisão e à prestação de contas, sem dúvidas, pode estar relacionada aos alimentos.
Esclareça-se, por oportuno, que a fixação da guarda compartilhada (ou alternada) não gera, por si só, a extinção da obrigação alimentar em relação aos filhos, devendo a fixação dos alimentos sempre ser analisada de acordo com o binômio ou trinômio alimentar. Em complemento, quanto à prestação das contas alimentares, passa ela a ser plenamente possível, afastando-se os argumentos processuais anteriores em contrário, especialmente a ilegitimidade ativa e a ausência de interesse processual. Igualmente, não deve mais prosperar a premissa da irrepetibilidade como corolário da inviabilidade dessa prestação de contas.
De toda sorte, acreditamos que a exigência da prestação deve ser analisada mais objetiva do que subjetivamente, deixando-se de lado pequenas diferenças de valores e excessos de detalhes na exigência da prestação, o que poderia torná-la inviável ou até aumentar o conflito entre as partes. Essa também é a percepção de João Ricardo Brandão Aguirre, em palestra recentemente ministrada em evento do IBDFAM.[2]
Interessante observar que o texto legal faz referência tanto à prestação de contas objetiva quanto à subjetiva, devendo a primeira prevalecer. Para esta proposta que se faz, entram em cena o princípio da boa-fé objetiva processual e o dever de cooperação imposto às partes da demanda, regramentos que passam a ter um tratamento mais aprofundado no novo CPC, em especial pelos seus arts. 5º e 6º.[3] Consigne-se que a boa-fé objetiva já é o norte interpretativo para a conversão da mora em inadimplemento absoluto, a preencher o critério da utilidade da obrigação ao credor, nos termos do art. 395, parágrafo único, do CC.[4] Conforme o Enunciado 162, aprovado na III Jornada de Direito Civil (2004), “a inutilidade da prestação que autoriza a recusa da prestação por parte do credor deverá ser aferida objetivamente, consoante o princípio da boa-fé e a manutenção do sinalagma, e não de acordo com o mero interesse subjetivo do credor”. Pensamos que esses parâmetros também devem valer para a ação de prestação de contas.
A esse propósito, para a prestação de contas dos alimentos, igualmente servem como guia as precisas palavras de Rolf Madaleno, para quem “sabido quão fértil se presta o Direito de Família para a prática do abuso do direito, vedado pela legislação civil (CC, art. 187), inclusive no instituto dos alimentos, quando os filhos são prejudicados pelos desvios ou pela má gestão do seu crédito alimentar, e se existe a intenção de prejudicar, pelo exercício abusivo do genitor administrador da pensão dos filhos, atenta este ascendente contra os interesses superiores das crianças e dos adolescentes, ao encontrar no desvio dos recursos da prole um meio propício às suas vantagens pessoais, e a prestação de contas exigida pelo alimentante não destituído do poder familiar é a grande reserva a favor dos interesses superiores do alimentante. Mas também pode existir abuso por parte do devedor de alimentos ao encontrar na prestação de contas uma maneira de incomodar o ex-cônjuge com reiteradas admoestações processuais, por suspeitas inconsistentes de malversação dos alimentos, devendo ser bem dosada a rendição das contas, cuja solução também pode passar por uma demanda alternativa de inspeção judicial, realizada por assistentes sociais em visita à residência do alimentando, e sua escola, escutando outros familiares, amigos e vizinhos, até onde for possível e discreto, para apurar e avaliar a realidade e dimensão da pretensão processual de rendição de contas, correndo os custos desta diligência pela parte devedora”.[5]
Como nota derradeira, é preciso fazer uma última atualização do tema frente ao Novo CPC. Isso porque os arts. 914 a 919 do CPC/73 tratavam do rito especial da ação de prestação de contas, tanto em relação àquele que teria o direito de exigi-las quanto para o obrigado a prestá-las. No Estatuto Processual emergente, o rito especial foi mantido somente no que concerne a quem tem o direito de exigi-las, nos termos dos seus arts. 550 a 553 (ação de exigir contas). Parece-nos que, para aqueles que são obrigados à sua prestação, a ação deve seguir o procedimento comum, e não mais o especial.
[1] MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 4. ed. Rio de Janeiro: GEN/Forense. 2010, p. 897.
[2] Conforme exposição realizada no Seminário “Os Novos Paradigmas do Direito de Família”, promovido em João Pessoa, pelo Ministério Público do Estado da Paraíba e pelo IBDFAM, entre os dias 28 e 30 de maio de 2015, na sede da Procuradoria-Geral local.
[3] Novo CPC. “Art. 5º. Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé”. “Art. 6º. Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.
[4] CC/2002. “Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado. Parágrafo único. Se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e danos”.
[5] MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 4. ed. Rio de Janeiro: GEN/Forense, 2010, p. 899-900.
Veja também:
- Do tratamento da união estável no novo CPC e algumas repercussões para o Direito Material. Parte II.
- Do tratamento da união estável no Novo CPC e algumas repercussões para o Direito Material. Parte I.
- Informativo de Legislação Federal: resumo diário das principais movimentações legislativas
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