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Anistia aos Crimes de Evasão de Divisas: uma Questão Democrática?
Fausto Martin De Sanctis
26/06/2015
O projeto de Lei em discussão no Congresso Nacional permite a repatriação de valores existentes no exterior, mediante o benevolente pagamento de 10 a 15% à título de tributação, anistiando o crime de evasão de divisas e de sonegação fiscal, com a observação de que tal medida não se aplicaria aos valores fruto de tráfico de drogas, terrorismo, pornografia infantil, corrupção, e outros crimes. Além disso, prevê que os recursos deverão ser objeto de registro na Receita Federal, com a “garantia” do anonimato.
Inicialmente, não se pode deixar de rememorar que qualquer medida do porte do referido projeto de Lei exigiria, no mínimo, intensa discussão junto à sociedade brasileira.
Constituindo, a anistia, de verdadeiro “esquecimento jurídico” de uma ou mais infrações penais, apenas deveria ser admitida em casos absolutamente excepcionais e quando visar o apaziguamento das paixões sociais, os ânimos que tocam a sociedade como um todo.
Ora, a justificativa econômica apresentada, ou seja, o benefício com a vinda de milhões ou bilhões de dólares ao país de um dinheiro que já existe, em hipótese alguma legitimaria a medida, antes a censura porquanto subverte valores indispensáveis à comunidade que, sem se aperceber, permitirá a seus filhos menos probos a oportunidade de contribuir com valores ilícitos dela própria confiscados e de maneira desigual. A questão econômica ganha realce num país que historicamente vem defendendo preceitos universais, até mesmo em oposição a países tidos por imperialistas.
A anistia, dado o seu alcance, opera ex tunc, isto é, retroage, para apagar inclusive o crime cometido no passado, extinguindo sua punibilidade, ainda que exista sentença penal condenatória irrecorrível. Assim, mesmo que alguém esteja condenado definitivamente, caso em que é cunhada de “anistia imprópria” (dada sua projeção), será alcançado pela medida.
Sua importância é tal que a Constituição Federal brasileira no artigo 48, inciso VIII, determina que somente o Congresso Nacional possui atribuição para sua concessão.
Ora, dizer-se que ela não se destinaria a valores decorrentes de graves crimes, parece constituir, data vênia, mera desculpa diante do evidente ultraje aos homens de bem. Com o máximo respeito, sopro de vampiro para suavizar a mordedura?
Como poderá a autoridade prever que tais quantias não são fruto de delitos hediondos, tráfico, latrocínio, corrupção, extorsão mediante sequestro, falsificação de produtos medicinais, o que fulminaria sua concessão nos termos do artigo 5º, XLIII, da Constituição Federal, e do artigo 2º, I, da Lei n.º 8.072, de 25.07.1990?
Surpreende a tentativa de aprovação, sem real debate e discussão pelos cidadãos, que não investiram no exterior suas economias, apostando sempre no nosso país, pagando os tributos por acreditar que estes realmente configuram a contrapartida, o custo de viver em uma sociedade civilizada.
Garante-se, até mesmo, o anonimato perante o fisco, tamanho é a preocupação com tais “pessoas de bem”.
A não legitimidade da medida parece indiscutível porquanto não iguala, antes privilegia os mais abastados que, por motivo exclusivamente pessoal e de risco, aplicaram seus recursos fora do Brasil, ocultando-os das autoridades brasileiras, justamente para não pagar o fisco. E agora permite-se o tal pagamento diferenciado com a garantia de anonimato e extinção de ações penais, presentes e passadas.
Em outras palavras, o que foi retirado da sociedade e lhe era absolutamente devido, agora, num passa-moleque, retorna de forma “legitimada”. Aplicação inconteste do princípio da desigualdade. Ou, então, “jeitinho” brasileiro oficializado?
Que dizer a nossos filhos que este país, que se diz absolutamente democrático, faz com que os honestos sintam-se humilhados e envergonhados porque os “espertos” e abonados, que driblam sistematicamente a lei, sempre obtêm os beneplácitos estatais, cujo aparato parece estar constituído, paradoxalmente, para assegurar apenas o direito das minorias.
A propósito, lembremo-nos que a anistia não se caracterizaria pela generalidade, abrangendo fatos, e não pessoas?
A medida se justificaria se ela não teve a adequada discussão, senão em poucas antessalas, sem que fosse resultado de consenso da maioria das pessoas?
Que bom poder dizer a si e ao mundo que se vive em pleno exercício das liberdades de um Estado verdadeiramente de Direito, no qual valores supremos como bem-estar, igualdade e justiça inserem-se numa sociedade fraterna e pluralista.
Será que a anistia não resultará em sentimento negativo naqueles que sempre respeitaram a lei, a correção e a obediência cívica, atributos que, aparentemente, nada valeriam ou não dignificariam, estimulando todo tipo de repulsa às instituições, em detrimento aos indispensáveis valores democráticos?
Será que o ganho que justificaria a aprovação da anistia, não significará em perda no futuro, até mesmo econômico, com o descrédito no país e em seus Poderes constituídos?
Não se pode mais desejar que se nutram no brasileiro sentimentos de que, antes, num período sombrio, haveria mais segurança, mais honestidade, mais credibilidade, mais moralidade e justiça social.
Esta terra abençoada há de merecer de seus representantes conduta que corresponda à nobreza de seu povo, que repudia a felicidade fictícia e construída a partir da desgraça ou menosprezo alheio.
A adoção, sopesada, de determinados institutos, é exigência dos valores supremos da sociedade, como forma de resgate da sua própria confiança, jamais devendo ser utilizada para a salvaguarda de um momento ou de um grupo pequeno e seleto, para que não seja comprometida a própria existência do modelo social eleito.
Viver numa sociedade livre requer posturas que não rivalizem com as pessoas de bem.
Não se pode, s.m.j., tratar abrupta medida com a naturalidade como vem sendo apresentada para a sociedade, como mais um mecanismo legítimo quando, em verdade, não resiste a uma análise percuciente uma vez que se apresenta com embasamento puramente econômico, quiçá, insuficiente, até porque a lei, a expressão real de um povo, deve se constituir em medida que aperfeiçoe a sociedade em que vivemos.
A anistia sugerida não beneficiaria, não qualificaria, não enalteceria a não ser somente aos que apostaram num caminho fácil e covarde, que não poderia ter volta, a não ser com a aplicação das regras vigentes.
Os que realmente desejam regularizar situação ilícita bastariam proceder espontaneamente o retorno de seus valores, admitindo erros do passado, caso em que não faltará boa vontade dos órgãos estatais para equacionar de melhor forma sua situação.
O direito ao arrependimento não estaria, nunca, inviabilizado.
Nenhuma ordem jurídica pode se sustentar se confiscados direitos democráticos básicos como igualdade e justiça social.
O projeto de Lei em discussão no Congresso Nacional permite a repatriação de valores existentes no exterior, mediante o benevolente pagamento de 10 a 15% à título de tributação, anistiando o crime de evasão de divisas e de sonegação fiscal, com a observação de que tal medida não se aplicaria aos valores fruto de tráfico de drogas, terrorismo, pornografia infantil corrupção, e outros crimes. Além disso, prevê que os recursos deverão ser objeto de registro na Receita Federal, com a “garantia” do anonimato.
Inicialmente, não se pode deixar de rememorar que qualquer medida do porte do referido projeto de Lei exigiria, no mínimo, intensa discussão junto à sociedade brasileira.
Constituindo, a anistia, de verdadeiro “esquecimento jurídico” de uma ou mais infrações penais, apenas deveria ser admitida em casos absolutamente excepcionais e quando visar o apaziguamento das paixões sociais, os ânimos que tocam a sociedade como um todo.
Ora, a justificativa econômica apresentada, ou seja, o benefício com a vinda de milhões ou bilhões de dólares ao país de um dinheiro que já existe, em hipótese alguma legitimaria a medida, antes a censura porquanto subverte valores indispensáveis à comunidade que, sem se aperceber, permitirá a seus filhos menos probos a oportunidade de contribuir com valores ilícitos dela própria confiscados e de maneira desigual. A questão econômica ganha realce num país que historicamente vem defendendo preceitos universais, até mesmo em oposição a países tidos por imperialistas.
A anistia, dado o seu alcance, opera ex tunc, isto é, retroage, para apagar inclusive o crime cometido no passado, extinguindo sua punibilidade, ainda que exista sentença penal condenatória irrecorrível. Assim, mesmo que alguém esteja condenado definitivamente, caso em que é cunhada de “anistia imprópria” (dada sua projeção), será alcançado pela medida.
Sua importância é tal que a Constituição Federal brasileira no artigo 48, inciso VIII, determina que somente o Congresso Nacional possui atribuição para sua concessão.
Ora, dizer-se que ela não se destinaria a valores decorrentes de graves crimes, parece constituir, data vênia, mera desculpa diante do evidente ultraje aos homens de bem. Com o máximo respeito, sopro de vampiro para suavizar a mordedura?
Como poderá a autoridade prever que tais quantias não são fruto de delitos hediondos, tráfico, latrocínio, corrupção, extorsão mediante sequestro, falsificação de produtos medicinais, o que fulminaria sua concessão nos termos do artigo 5º, XLIII, da Constituição Federal, e do artigo 2º, I, da Lei n.º 8.072, de 25.07.1990?
Surpreende a tentativa de aprovação, sem real debate e discussão pelos cidadãos, que não investiram no exterior suas economias, apostando sempre no nosso país, pagando os tributos por acreditar que estes realmente configuram a contrapartida, o custo de viver em uma sociedade civilizada.
Garante-se, até mesmo, o anonimato perante o fisco, tamanho é a preocupação com tais “pessoas de bem”.
A não legitimidade da medida parece indiscutível porquanto não iguala, antes privilegia os mais abastados que, por motivo exclusivamente pessoal e de risco, aplicaram seus recursos fora do Brasil, ocultando-os das autoridades brasileiras, justamente para não pagar o fisco. E agora permite-se o tal pagamento diferenciado com a garantia de anonimato e extinção de ações penais, presentes e passadas.
Em outras palavras, o que foi retirado da sociedade e lhe era absolutamente devido, agora, num passa-moleque, retorna de forma “legitimada”. Aplicação inconteste do princípio da desigualdade. Ou, então, “jeitinho” brasileiro oficializado?
Que dizer a nossos filhos que este país, que se diz absolutamente democrático, faz com que os honestos sintam-se humilhados e envergonhados porque os “espertos” e abonados, que driblam sistematicamente a lei, sempre obtêm os beneplácitos estatais, cujo aparato parece estar constituído, paradoxalmente, para assegurar apenas o direito das minorias.
A propósito, lembremo-nos que a anistia não se caracterizaria pela generalidade, abrangendo fatos, e não pessoas?
A medida se justificaria se ela não teve a adequada discussão, senão em poucas antessalas, sem que fosse resultado de consenso da maioria das pessoas?
Que bom poder dizer a si e ao mundo que se vive em pleno exercício das liberdades de um Estado verdadeiramente de Direito, no qual valores supremos como bem-estar, igualdade e justiça inserem-se numa sociedade fraterna e pluralista.
Será que a anistia não resultará em sentimento negativo naqueles que sempre respeitaram a lei, a correção e a obediência cívica, atributos que, aparentemente, nada valeriam ou não dignificariam, estimulando todo tipo de repulsa às instituições, em detrimento aos indispensáveis valores democráticos?
Será que o ganho que justificaria a aprovação da anistia, não significará em perda no futuro, até mesmo econômico, com o descrédito no país e em seus Poderes constituídos?
Não se pode mais desejar que se nutram no brasileiro sentimentos de que, antes, num período sombrio, haveria mais segurança, mais honestidade, mais credibilidade, mais moralidade e justiça social.
Esta terra abençoada há de merecer de seus representantes conduta que corresponda à nobreza de seu povo, que repudia a felicidade fictícia e construída a partir da desgraça ou menosprezo alheio.
A adoção, sopesada, de determinados institutos, é exigência dos valores supremos da sociedade, como forma de resgate da sua própria confiança, jamais devendo ser utilizada para a salvaguarda de um momento ou de um grupo pequeno e seleto, para que não seja comprometida a própria existência do modelo social eleito.
Viver numa sociedade livre requer posturas que não rivalizem com as pessoas de bem.
Não se pode, s.m.j., tratar abrupta medida com a naturalidade como vem sendo apresentada para a sociedade, como mais um mecanismo legítimo quando, em verdade, não resiste a uma análise percuciente uma vez que se apresenta com embasamento puramente econômico, quiçá, insuficiente, até porque a lei, a expressão real de um povo, deve se constituir em medida que aperfeiçoe a sociedade em que vivemos.
A anistia sugerida não beneficiaria, não qualificaria, não enalteceria a não ser somente aos que apostaram num caminho fácil e covarde, que não poderia ter volta, a não ser com a aplicação das regras vigentes.
Os que realmente desejam regularizar situação ilícita bastariam proceder espontaneamente o retorno de seus valores, admitindo erros do passado, caso em que não faltará boa vontade dos órgãos estatais para equacionar de melhor forma sua situação.
O direito ao arrependimento não estaria, nunca, inviabilizado.
Nenhuma ordem jurídica pode se sustentar se confiscados direitos democráticos básicos como igualdade e justiça social.
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