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Direito Internacional dos Direitos Humanos X Direito interno
Valerio Mazzuoli
20/02/2015
O tema que trago hoje à reflexão dos leitores é inédito e visa propor uma nova solução monista para o problema das relações entre o Direito Internacional dos Direitos Humanos e o Direito interno. Eu o tenho desenvolvido em vários de meus livros. Segue, aqui, uma breve introdução do tema.
Como se sabe, é bem conhecida a chamada doutrina monista internacionalista das relações entre o Direito Internacional e o Direito interno. Em síntese, o que ela apregoa é a unicidade da ordem jurídica sob o primado do direito externo, a que se ajustariam todas as ordens internas (posição que teve em Kelsen o seu maior expoente). Segundo essa concepção, o Direito interno deriva do Direito Internacional, que representa uma ordem jurídica hierarquicamente superior. No ápice da pirâmide das normas encontra-se, então, o Direito Internacional (norma fundamental: pacta sunt servanda), de onde provém o Direito interno, que lhe é subordinado. Em outras palavras, o Direito Internacional passa a ser hierarquicamente superior a todo o Direito interno do Estado, da mesma forma que as normas constitucionais o são sobre as leis ordinárias e assim por diante. E isso porque o seu fundamento de validade repousa sobre o princípio pacta sunt servanda, que é a norma mais elevada (norma máxima) da ordem jurídica mundial e da qual todas as demais normas derivam, representando o dever dos Estados em cumprirem as suas obrigações. Ademais, se as normas do Direito Internacional regem a conduta da sociedade internacional, não podem elas ser revogadas unilateralmente por nenhum dos seus atores, sejam eles Estados ou organizações internacionais.
Como se vê, a solução monista internacionalista para o problema da hierarquia entre o Direito Internacional e o Direito interno é relativamente simples: um ato internacional sempre prevalece sobre uma disposição normativa interna que lhe contradiz. Ou seja, a ordem jurídica interna deve sempre ceder, em caso de conflito, em favor da ordem internacional, que traça e regula os limites da competência da jurisdição doméstica estatal. Nesse caso, é o Direito Internacional que determina tanto o fundamento de validade, como o domínio territorial, pessoal e temporal de validade das ordens jurídicas internas de cada Estado. É dizer, não há duas ordens jurídicas coordenadas como na concepção dualista, mas duas ordens jurídicas, uma das quais (o Direito interno) é subordinada à outra (o Direito Internacional), que lhe é superior.
Esta solução monista internacionalista tem bem servido ao Direito Internacional tradicional, contando com o apoio da melhor doutrina (tanto no Brasil, como no resto do mundo). Ocorre que, quando em jogo o tema “direitos humanos”, uma solução mais fluida pode ser adotada, posição essa que não deixa de ser monista, tampouco internacionalista, mas refinada com dialogismo (que é a possibilidade de um “diálogo” entre as fontes internacional e interna, a fim de escolher qual a “melhor norma” a ser aplicada no caso concreto).
Assim, no que tange ao tema dos direitos humanos é possível falar na existência de um monismo internacionalista dialógico. Ou seja, se é certo que à luz da ordem jurídica internacional os tratados internacionais sempre prevalecem à ordem jurídica interna (concepção monista internacionalista clássica), não é menos certo que em se tratando dos instrumentos que versam direitos humanos pode haver coexistência e diálogo entre essas mesmas fontes. Perceba-se que a prevalência da norma internacional sobre a interna continua a existir, mesmo quando os instrumentos internacionais de proteção autorizam a aplicação da norma interna mais benéfica, visto que, nesse caso, a aplicação da norma interna no caso concreto é concessão da própria norma internacional que lhe é superior, o que estaria a demonstrar a existência sim de uma hierarquia, típica do monismo internacionalista, contudo muito mais fluida e totalmente diferenciada da existente no Direito Internacional tradicional (v.g., como está a prever o art. 27 da Convenção de Viena de 1969). Ou seja, o monismo internacionalista ainda continua a prevalecer aqui, mas com dialogismo. Daí a nossa proposta de um “monismo internacionalista dialógico” quando o conflito entre as normas internacionais e internas diz respeito ao tema “direitos humanos”.