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MEDIAÇÃO E ARBITRAGEM

PUBLIEDITORIAL

Vinte e seis anos de vigência da Lei de Arbitragem

ARBITRAGEM E PROCESSO

LEI DE ARBITRAGEM

LIVRO ARBITRAGEM E PROCESSO

Carlos Alberto Carmona

Carlos Alberto Carmona

08/08/2023

Quando lancei a primeira edição destes comentários, há mais de duas décadas, minha primeira preocupação foi vencer a resistência daqueles que, dada a falta de tradição no uso da arbitragem, não confiavam no desenvolvimento de um sistema eficaz de múltiplas possibilidades voltado à solução adequada de controvérsias no Brasil[1].

A resistência histórica à arbitragem, por conta dos empecilhos criados pelo antigo Código Civil, que maltratava o compromisso arbitral, seguido pelo Código de Processo Civil de 1939 (que não avançava muito em termos de juízo arbitral), culminando com o Código de Processo de 1973 (monumento jurídico, sem dúvida, mas que ficou devendo um tratamento vanguardeiro ao juízo arbitral), era justificável, criando-se entre nós a sensação de que a falta de tradição no manejo da arbitragem como meio adequado de solução de controvérsias fadaria o juízo arbitral ao total abandono.

Pontes de Miranda, sem favor algum um dos maiores juristas que nosso país já teve, chegou a asseverar, sem cerimônia, que o juízo arbitral “é primitivo, regressivo mesmo, a que pretendem volver, por atração psíquica a momentos pré-estatais, os anarquistas de esquerda e os de alto capitalismo”. E mais: “é arma eficacíssima do capitalismo tardio, eliminador da concorrência e da segurança extrínseca (da certeza sobre qual a lei que regeu e rege os negócios de cada um)”.[2] Como ele, muitos outros mostraram-se agressivamente céticos (ou, pior, preconceituosos) acerca dos benefícios da solução arbitral dos conflitos, acreditando sempre que o instituto prestar-se-ia à proteção do capital e interesse estrangeiros em detrimento dos nacionais, numa associação totalmente atécnica entre arbitragem e transnacionalidade. Como detectou Stephen D. McCreary,[3] nas nações latino-americanas de modo geral a arbitragem desenvolvia-se no início da década de 1990 de forma lenta, especialmente porque muitos países da região continuavam presos à “Doutrina Calvo”, particularmente hostil à arbitragem internacional, em especial no que se refere a disputas entre investidores estrangeiros e o Estado: tais disputas acabam sendo submetidas às cortes domésticas, o que obviamente não satisfazia os investidores estrangeiros, que prefeririam resolver o conflito perante um tribunal arbitral.

Não foi necessário muito tempo para que essas opiniões pessimistas fossem totalmente destroçadas pela realidade: a arbitragem não se revelou método selvagem e abusivo de resolver litígios; os meios alternativos (rectius, adequados) de solução de controvérsia floresceram no Brasil, na América Latina e no resto do planeta e não houve a tão propalada revolta do Poder Judiciário contra os mecanismos extrajudiciais de solução de litígios. Ao contrário, os juízes perceberam – como não poderia deixar de acontecer – que a somatória de esforços para vencer a maré montante de pleitos e demandas trouxe benefícios para todo o País. Cumpre deixar claro que em verdade houve poucas – mas estridentes – vozes que insistentemente alardeavam que os juízes não queriam e não precisavam de qualquer ajuda externa para resolver a crise em que mergulhou o Estado (e, com ele, o Poder Judiciário). A avassaladora maioria dos juristas e operadores do direito concluiu que a ajuda que os meios adequados de solução de disputas (entre eles a arbitragem) podem prestar é valiosa e não pode ser descartada. Também concluíram os mesmos juristas e operadores que não era fundado o medo de alguns de que a arbitragem concorresse com o Poder Judiciário: a experiência acabou por demonstrar que a arbitragem jamais poderia substituir a atividade jurisdicional protagonizada pelo Estado.

Essas polêmicas, que hoje são águas passadas, estavam em pauta nos instantes iniciais de vigência da Lei de Arbitragem. Hoje, tudo isso tem sabor histórico, já que a prática venceu a resistência dos mais ferrenhos conservadores, superando-se também os temores manifestados por alguns dos mais ilustres ministros do Supremo Tribunal Federal: a Suprema Corte, em 12 de dezembro de 2001, decidiu definitivamente sobre a inexistência de qualquer inconstitucionalidade na Lei nº 9.307/1996.[4]

De outra parte, os entusiastas extremados da arbitragem, que viam no instituto a resposta para todas as mazelas de que padece o Poder Judiciário, tiveram oportunidade de diminuir seu ardor, acomodando-se às limitações que a realidade impõe. A esses exagerados parecia que a arbitragem seria capaz de, por si só, aliviar a sobrecarga de processos que sufoca os órgãos do Poder Judiciário, o que levou até à redação de dispositivos como o art. 25 da Lei nº 7.244/1984, depois substituído pelo art. 24 da Lei nº 9.099/1995, ambos objetivando criar as condições propícias para a expansão da utilização do juízo arbitral nos juizados especiais.[5] Como disse, a experiência acabou por revelar que, na maioria dos Estados,[6] as partes não se socorreram da arbitragem para resolver as controvérsias de menor complexidade levadas aos Juizados,[7] sendo certo também que não houve, País afora, uma explosão de causas arbitrais que pudesse revelar uma preferência da população pela via arbitral em detrimento do processo estatal. Assistiu-se a uma verdadeira acomodação, percebendo-se que paulatinamente – e de forma lenta – os contratos de cunho comercial e os contratos societários passaram a incorporar cláusulas compromissórias; a arbitragem passou a ser um assunto cogitado pelos advogados dos contratantes, que perceberam os benefícios de uma solução diferenciada para seus eventuais conflitos; multiplicaram-se os órgãos arbitrais (alguns excelentes, outros nem tanto), estando os advogados hoje razoavelmente informados sobre suas opções; surgiram novas revistas dedicadas à arbitragem, algumas de qualidade excepcional;[8] os tribunais começam a manifestar-se sobre os mais variados temas relativos à Lei nº 9.307/1996, sendo de destacar o apoio essencial que o Superior Tribunal de Justiça tem prestado ao instituto; e, por fim – sinal poderoso do sucesso da arbitragem no Brasil – o Estado (em suas diversas roupagens) passou a adotar cláusulas compromissórias em muitos contratos, delegando a árbitros a solução de litígios que envolvem a administração pública.

O indiscutível sucesso da arbitragem no Brasil leva-me, pois, a apresentar a quarta edição dos Comentários que submeti à comunidade jurídica pela primeira vez em 1998. Muita coisa mudou desde então: o que era teoria pura passou a ser prática e quotidiano; o que era impressão passou a ser fato; o que era cogitação entrou para o mundo dos acontecimentos. Com base nessa experiência, reexaminei, na segunda edição deste compêndio, tudo o que disse em 1998, à luz da experiência; acrescentei, na terceira edição (de 2009) novas reflexões que a prática da arbitragem acabou por suscitar. Nesta quarta edição fiz uma completa revisão de tudo o que escrevi, levando em conta minha diuturna atividade nestes muitos anos de prática da arbitragem no Brasil e no exterior.

Confesso, contudo, que esta ampla revisão demorou muito tempo para ser concluída. Isso fez com que uma ou outra referência a regulamentos de centros e câmaras de arbitragem se tornasse – mesmo nesta versão revista – superado. A utilização cada vez mais frequente da arbitragem obriga as entidades que administram arbitragens a atualizar suas regras, de modo que nem bem termino esta edição revista já antevejo a necessidade de um retrabalho de atualização.

Considero-me plenamente satisfeito com o progresso da arbitragem em nosso país. Aconteceu tudo o que estava previsto: vencido o medo (reação normal ao desconhecido), a arbitragem foi redescoberta; os operadores paulatinamente habilitaram-se a utilizar o instrumento; o número de causas aumentou em ritmo geométrico e os tribunais começaram a lapidar a Lei e orientar a sociedade civil. Agora é preciso refinar o conhecimento que os operadores adquiriram nestes vinte e seis anos de vigência da Lei de Arbitragem.

Os comentários que elaborei – e que agora revejo e amplio – pretendem facilitar a viagem pelos meandros da Lei.

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NOTAS

[1] Há alguns anos abandonei a antiga terminologia que se referia a “meios alternativos” de solução de controvérsias. Adotei com convicção expressão mais correta e mais moderna, qual seja, “meios adequados” de solução de litígios. Assim, num ambiente em que o sistema multiportas de solução de controvérsias é dominante, para cada tipo de litígio haverá uma método mais adequado. A arbitragem, neste contexto, não é uma panaceia para todos os males e não deve ser empregada para resolver todo e qualquer litígio, como ficará claro no desenvolvimento de meus comentários. Veja-se, sobre o sistema multiportas de solução de litígios, o artigo seminal de Frank Ernest Arnold Sander, Varieties of Dispute Processing, In: Leo A. Levin e Russell R. Wheeler, The Pound Conference: Perspectives on Justice in the Future, Saint Paul: Westing Publishing, 1976, p. 111-134. Leia-se também com proveito, sobre o mesmo tema, a entrevista concedida por Frank Sander à prof. Mariana Crespo, Tribunal Multiportas, Rafael Alves de Almeida e outros, Ed. FGV, 2012, esp. p. 30-37.

[2]Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro:  Forense, 1977, t. XV, p. 344.

[3] International arbitration in Latin America, Business America, 11 fev. 1991, p. 17-18.

[4] A constitucionalidade da Lei nº 9.307/1996 foi apreciada pelo plenário do Supremo Tribunal Federal em sede de controle difuso e incidental no Agravo Regimental em Sentença Estrangeira nº 5.206-7.

[5] Vide, sobre o tema, Carlos Alberto Carmona, Arbitragem nos Juizados Especiais, Repertório IOB de Jurisprudência, v. 24, p. 429-434, 1996.

[6] O Estado do Paraná, porém, tem estatística impressionante (relativa ao ano de 1996) sobre o desenvolvimento da arbitragem nos Juizados Especiais. Até onde pude constatar, porém, a utilização da arbitragem naquele Estado, em sede de Juizados Especiais, deveu-se ao especial empenho dos juízes então encarregados da direção e implantação do sistema, que – preparados e extremamente dedicados – não mediram esforços para orientar a população acerca da vantagem, também naquela sede, de resolver conflitos por meio de árbitros, o que multiplicou a potencialidade dos Juizados. O fenômeno, porém, foi passageiro e pontual.

[7] Este enfoque – de alívio à sobrecarga do Poder Judiciário – foi adotado, inclusive, pela comissão encarregada de redigir o anteprojeto de lei de 1981, como chegou a afirmar o Des. Severo da Costa, um de seus membros mais ilustres. Elio Fazzalari já percebia, na década de 1960, as vantagens da arbitragem na Itália como forma de permitir àqueles que não mais confiavam no Estado, de modo geral, o acesso à justiça: “Todavia, os árbitros estão agora absorvendo, entre nós, ao lado dos processos jurisdicionais cíveis, não apenas a normal função de fornecer a certos litigantes e para certas matérias um tipo de justiça mais flexível – quanto a formas e a juízo – mas também aquela, verdadeiramente extraordinária, de sustentar o choque e o peso de uma necessidade de justiça insatisfeita por causa da sobrecarga e do desempenho nem sempre feliz da jurisdição estatal” (I processi arbitrali nell’ordinamento italiano, Rivista di Diritto Processuale, v. XXIII (II série), p. 460, 1968 – trad. livre).

[8] Lembro, a título de exemplo, a Revista de Arbitragem e Mediação (São Paulo: RT) e a Revista Brasileira de Arbitragem (publicação da Editora Síntese e do Comitê Brasileiro de Arbitragem – CBAr), ambas lançadas no início de 2004.

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