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PREFÁCIOS
Chegou o que faltava: Guilherme Nucci apresenta o Curso de Direito Penal em 3 volumes
Guilherme de Souza Nucci
06/12/2016
Apresentar ao leitor uma obra inédita, idealizada e concretizada com muito cuidado e zelo, é sempre uma satisfação. Porém, envolve, igualmente, compromissos assumidos e metas a alcançar.
Somos autores do Código Penal comentado, já na 16ª edição, bem como do Manual de Direito Penal, atingindo a 13ª edição. A primeira obra foi lançada em 2000; a segunda, em 2005. Aquela resultou de um idealismo da nossa parte, procurando algo inédito no cenário dos Códigos comentados, os quais consultávamos desde os tempos de estudante, passando pela prática profissional e pelos concursos públicos. Cremos ter feito diferença no mercado editorial, pois a obra fixou-se, servindo hoje de referência a inúmeros operadores do direito. O Manual de Direito Penal adveio do expresso pedido dos alunos de graduação e dos bacharéis em fase de preparação para concurso, que não teriam tempo ou valor econômico suficiente em mãos para adquirir obras similares com vários volumes. Diante disso, providenciamos a criação do Manual, concentrando os nossos esforços na Parte Geral, que é, realmente, o estudo fundamental do direito penal. Reservamos à Parte Especial um formato diferenciado, esquemático, de fácil compreensão, porém, fazendo um importante alerta logo na abertura da referida Parte: seria fundamental o dedicado estudo à Parte Geral para que, então, utilizando os conhecimentos ali auferidos, pudesse ser captado todo o conteúdo, bem direto, da Parte Especial. A obra se fez estimada pelos leitores, consagrando-se com suas muitas edições.
Ao longo do tempo, dedicamos os nossos estudos à área de Processo Penal, igualmente, resultando disso o Código de Processo Penal comentado, na 15ª edição, bem como o Manual de Processo Penal e Execução Penal, na sua 13ª edição. Além disso, publicamos as monografias advindas de nossos trabalhos acadêmicos, todas sempre com mais de uma edição, obras vivas até o momento.
Outras pesquisas foram realizadas, originando livros independentes, com assuntos específicos.
Nesse longo percurso, nasceram os pleitos para que não ficássemos sem uma obra acadêmica, simbolizando o meio-termo, vale dizer, enquanto o Código Penal comentado dirige-se, em grande parte, ao operador do direito, o Manual de Direito Penal volta-se a quem pretende estudar de maneira condensada a matéria. Eis que surge o denominado meio-termo, na forma de um Curso de Direito Penal, em três volumes, procurando atingir o gosto do leitor mais detalhista, que prefere a exposição dos temas de modo mais profundo.
Buscamos manter a nossa coerência e a obra foi constituída em etapas sólidas, sempre acompanhada por nossas críticas doutrinárias e posição pessoal. Cuida-se de um selo de qualidade, ao qual nos submetemos, explicando institutos, desde os mais complexos aos mais simples, de maneira didática, sem linguagem acadêmica pedante e sem invocar textos rebuscados de terceiros – muitos dos quais incompreensíveis ao leitor comum – enfim, tratando os leitores como se ainda fossem alunos. Nunca nos esquecemos da famosa afirmação de Albert Einstein: “se você não consegue explicar algo de forma simples, você não entendeu suficientemente bem”. A partir disso, passamos a notar o excesso de verborragia de inúmeros trabalhos, na área do direito, mais destinados a mostrar o conhecimento amplo do autor (será que existe mesmo?) do que a explicar de modo simples os institutos penais. Abstraímos de nossos livros o que se poderia chamar de reserva de conhecimento e/ou inteligência, significando que qualquer aluno ou operador do direito possui plena capacidade de captação dos nossos escritos e, com isso, das ideias expostas.
O volume 1 dedica-se à Parte Geral, que poderia merecer muito mais, embora tenhamos que manter os pés no chão, buscando atingir objetivamente o leitor na sua ânsia por conhecimento na medida certa. Os outros dois volumes concentram a Parte Especial, agora com muito mais detalhes do que há no Manual de Direito Penal.
O Curso de Direito Penal tem o propósito de eliminar o Manual ou o Código Penal comentado? Em hipótese alguma, pois a sua missão é ocupar um espaço lacunoso entre as nossas obras. O leitor pode valer-se do Manual de Direito Penal em volume único, com todos os aspectos essenciais da Parte Geral e com uma Parte Especial condensada. Pode ocupar-se do Código Penal comentado, que, além de doutrina, contém vários acórdãos atualizados, facilitando o entrosamento da explicação teórica de um instituto junto à visualização de um julgado. A meta do Curso de Direito Penal é ousar mais e estar sempre à frente, em detalhes e discussões mais profundas no campo doutrinário, motivo pelo qual foi o livro editado em três volumes.
Segue a ordem de um curso de graduação em direito, aproximando-se, no que for possível, do desenvolvimento dado pelo Código Penal. Optamos por inserir vários quadros esquemáticos, a pedido dos leitores das outras obras, para facilitar a compreensão, e importamos, também, quadros comparativos de crimes de outros livros (Coleção Esquemas & Sistemas). A fim de facilitar para o estudante, há o texto legal nos capítulos de doutrina e, para finalizar muitos deles, selecionamos um acórdão interessante para comentar. Alguns trazem assuntos extremamente relevantes, como o julgado do STF acerca do aborto do anencéfalo; outros, temas do cotidiano ou assuntos raros de se localizar na jurisprudência. O objetivo é acostumar o leitor a unir a visão teórica a alguns aspectos práticos emanados dos tribunais brasileiros. Se não houver jurisprudência selecionada em algum capítulo, significa não ter sido localizado nada útil. Os julgados eleitos não se concentram na data (recente) da sua publicação, mas no relevo do seu conteúdo.
Finalmente, como há, também, no Manual de Direito Penal, tendo sido considerado útil pelos leitores, existe o resumo do capítulo na Parte Geral; enquanto na Parte Especial há os quadros abreviados e comparativos dos institutos estudados.
Tentamos ser originais, sem preocupação com o ineditismo de certos temas; calcamos as nossas pesquisas, fundamentalmente, na doutrina nacional, que possui excelentes autores. No entanto, dispusemo-nos a estudar, também, autores estrangeiros, pretendendo a união de ideias adaptadas à nossa realidade. Não podemos nos olvidar do alerta percuciente formulado por Virgílio Afonso da Silva, na sua área de direito constitucional, adaptando-o ao campo penal, no sentido de que citar os mestres brasileiros do direito penal passa a ser atraso; o bom é citar juristas alemães, de preferência conhecendo o idioma para a leitura ser feita no original, trazendo teses mirabolantes para o ordenamento brasileiro, sem a menor realização prática e destinada a uma sociedade integralmente diversa daquela para a qual o mestre alemão escreveu. Precisamos dizer mais? Cremos que não.
Alguns penalistas brasileiros, de rara inteligência, poderiam nos brindar com excelentes concepções e soluções para temas delicados e relevantes, mas preferem auferir conhecimentos alienígenas; ao tocarem o solo estrangeiro, ingressando em faculdade ou universidade estrangeira – seja ela qual for – deslumbram-se. Uns perdem o amor-próprio e não conseguem mais enxergar as suas belas teses, pois já aprenderam, rapidamente, a sugar do professor de fora as bases para um direito penal brasileiro diferenciado. Nada contra o estudo em outros países, já o fizemos há bons anos passados, mas é uma pena a perda de valorização do operador do direito ou acadêmico brasileiro, com boas teses, enterradas à custa da falsa impressão de que os estrangeiros sempre sabem mais e melhor.
Outro vértice do Curso de Direito Penal é ser uma obra completa para todos os leitores, inclusive para os concurseiros, aqueles que se encontram na fase intermediária entre o fim da graduação e o ingresso em uma carreira jurídica. Porém, não nos atrevemos a brincar com o estudo alheio, inventando termos ou criando classificações completamente inéditas (e inúteis), somente para obrigar o estudante a consultar o nosso livro. Ao contrário, devemos criticar veementemente quem parte para essa meta, porque esvazia o estudo científico para cair na tentação de obrigar o leitor a decorar certos termos e seus significados, pois, ciente do temor do concurseiro, espalha a ideia de que aquilo pode cair na prova. Fomos professores de cursos preparatórios para concursos por quase 20 anos e jamais agimos dessa forma, vale dizer, inventando frases, conceitos ou soluções bizarras para provocar o estudo forçado do aluno.
Há uma certeza de caráter absoluto: os concursos sérios, com examinadores experientes, conhecedores da matéria e honestos, trabalham com questões normais, vale dizer, sem pegadinhas, com o intuito singelo de derrubar o candidato. Não é a pergunta que quase ninguém consegue responder num certame público um sinal de inteligência do examinador; muito pelo contrário, pode ser a marca da sua perfeita ignorância sobre a matéria arguida.
Um dos nossos focos, em todas as nossas obras, é manter a coerência e a lógica das ideias expostas e explicadas. Durante os estudos, para compor o Curso, o que desejamos compartilhar com o nosso leitor, percebemos inúmeras contradições nas linhas formuladas por outros autores; cópias quase integrais de boa parcela da obra de outrem ou das suas ideias (o que se chama plágio); notamos exemplos completamente incongruentes quando confrontados com a teoria exposta etc. Observamos outra tendência marcante, que é a do autor que não se posiciona em face da existência de duas ou mais correntes de pensamento a respeito de um assunto qualquer. Enfim, fogem da polêmica. Eles expõem as antagônicas visões existentes sobre algo e pronto. O leitor que escolha a versão que bem quiser. Há uma explicação para isso: não querem se comprometer ou, quem sabe, optar por uma corrente minoritária. Outra justificativa deveras egoísta, diríamos, é lecionar em cursos preparatórios e não pretender frustrar o concurseiro, que, afinal, pode adquirir seu livro, quase uma apostila. Quando o professor do cursinho escreve um livro, apresenta várias correntes de pensamentos alheios e não fornece a sua, segundo a crença de que, desse modo, consegue produzir uma obra perfeita, pois ela tem todo o conteúdo da matéria e nenhuma polêmica para o seu autor, como polemizar com quem não tem ideia própria? Mas a grande vantagem é que os estudantes, os concurseiros e os operadores do direito percebem essa falha e terminam por não levar a sério determinados trabalhos.
Como não poderia deixar de ser, há os que se posicionam, mas dentro de parênteses, sem maiores explicações. Dizem que há duas correntes sobre certo tema: corrente A, nesse sentido; corrente B (“que adoto”), naquele sentido. A sua reflexão sobre a polêmica existente limita-se a um “concordo com esta”. Por quê? Isso não interessa, pois o leitor “confia tanto” nesse autor que vai adotar a corrente por ele indicada (será?). Desde os tempos de estudante, jamais acreditamos que isso fosse doutrina. Afinal, doutrinar significa instruir e ensinar alguém, incutir um ponto de vista, uma opinião, um raciocínio em alguém. Em suma, a doutrina não é algo neutro, pois demanda valores para se fazer como tal.
Além disso, visualizamos autores finalistas citando exemplos extraídos do causalismo; funcionalistas servindo-se das ilustrações feitas por finalistas; causalistas citando trechos funcionalistas, enfim, não há rigor científico algum na maioria dos livros. Cremos, inclusive, nem deva mesmo haver, pois uma só teoria não soluciona, de maneira satisfatória, todos os problemas concretos do direito penal. No entanto, alguns penalistas batem no peito e se autoproclamam de certa corrente de pensamento, desprezando as demais. Esquecem-se de que terminam por utilizar os exemplos que aquela equivocada corrente já usou.
Errar é humano, sabemos todos. O importante é reconhecer o erro, consertar, refazer e reconstruir, seguindo em frente. Temos alterado o nosso entendimento sobre certos institutos, conforme o tempo passa e novos estudos são apreendidos. Demonstramos isso na obra em que a modificação de posição foi inaugurada e, depois, corrigimos nas demais. Julgamos ser esta uma postura honesta diante do leitor, em vez de insistir no erro e passar uma falsa noção – ao menos uma noção na qual já não acreditamos.
De nossa parte, modelar o conhecimento, para que se torne cada vez mais lógico e coerente, é muito importante, visto estarmos em atividade, como desembargador na Seção Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo. Isso significa que aplicamos na prática o que desenvolvemos em teoria. Não pode haver dois pesos e duas medidas. Teoriza-se algo e, por outro lado, decide-se um caso concreto de modo completamente diverso. Não se trata de automatizar a justiça, pois cada caso é diferente de outro; cuida-se de não contrariar integralmente a sua própria doutrina, sem fornecer qualquer explicação plausível.
O nosso propósito é construir um Curso de Direito Penal com permanentes atualizações, correções e aperfeiçoamentos, como, ademais, já fizemos com as nossas outras obras. Vamos criticar e seremos criticados. Ouviremos as boas críticas e sobre elas refletiremos. Porém, uma das supostas “críticas” que já nos fizeram é no sentido de que “o Nucci é minoritário” na doutrina. O objetivo desse tipo de crítico é afastar o leitor dos nossos livros. Uma meta puramente comercial, enfim. No entanto, esse crítico se esquece de dizer que muitas posições minoritárias do Nucci se tornaram majoritárias nos tribunais brasileiros. Esse crítico, com sua obra, encaixada junto à maioria da doutrina, não pode dizer o mesmo. Ele não tem condições de fazer o mesmo, pois sempre se filia à corrente majoritária para não errar ou para evitar explicações. A ignorância, muitas vezes, chora o seu lugar ao lado da maioria para evitar a demonstração de seu imenso vazio intelectual.
Há que se ressaltar, ainda, o autor que fundamenta todas as suas teses nos escritos alheios (citando a fonte, sem dúvida) para, no final, adotar a posição de um dos penalistas que mais chamou a sua atenção. Lendo alguns trabalhos, percebi que deveria percorrer várias páginas de “conforme ensina Fulano, …”; “segundo a acertada posição de Sicrano, …”; “na esteira do entendimento de Beltrano, …”, até atingir o parágrafo que nos interessava (a posição do autor): “parece-me melhor a posição de Beltrano”. Esse autor é um pouco mais avançado do que aquele que define a sua postura dentro de singelos parênteses. No entanto, ainda não consegue emitir opinião própria.
Nunca nos incomodou ser majoritário ou minoritário, pois essa é uma avaliação sempre fraca, subjetiva e sem lastro científico. Ademais, quando se transporta a ideia para o campo dos julgados, nunca se conseguirá saber qual tese os milhares de juízes estão seguindo e as centenas de desembargadores e ministros estão acolhendo de maneira eficaz. Ademais, a função da doutrina não é copiar trabalhos alheios, sem nada produzir, mas criar algo novo e fornecer soluções inéditas a dilemas antigos.
Pelo meio acadêmico-editorial, ainda circulam obras consideradas de relevo que nem mesmo apresentam bibliografia (não poderiam ser consideradas nem um singelo TCC); há outras com bibliografia completamente desatualizada e frágil; existem as que copiam bibliografia alheia etc. Enfim, o ideal é procurar mostrar ao leitor a fonte de estudo do autor, segundo nos parece, da maneira mais extensa possível.
Em nossos trabalhos, como prometemos há anos, servimo-nos de jurisprudência atualizada, a cada edição nova. Não podemos concordar em fazer volume, ou seja, citar julgados antiquados, sem nem mesmo indicar quem é o relator, a data do julgamento e o tribunal.
Os compromissos assumidos desde a edição do Código Penal comentado em 2000 vêm sendo cumpridos. A nossa dedicação às obras é pessoal e responsável. Não trabalhamos com escritores-fantasmas. Não delegamos escritos. Não utilizamos trabalhos de alunos para aumentar as páginas dos nossos textos. Não obrigamos orientandos a escrever e pesquisar certos temas para, depois, caírem nas páginas dos nossos livros. Não copiamos ideias de terceiros sem dar o devido crédito. Se, com isso, nos tornarmos minoritários, é esse o caminho honrado.
Agradeço às equipes do Grupo GEN, pelo empenho e pela dedicação na produção desta obra, e ao leitor, pelo incentivo dado a constituir estas linhas.
São Paulo, novembro de 2016.
O Autor