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NA MÍDIA
Quem leva entorpecentes para presidiários pratica tráfico de drogas? Sim!
GEN Jurídico
18/03/2014
O professor Guilherme Nucci teve mais um artigo publicado no jornal Carta Forense. Desta vez, o artigo ganhou ainda mais destaque e foi matéria de capa da última edição do jornal.
Confira na íntegra:
— Artigo publicado no jornal Carta Forense —
O crime previsto no art. 33 da Lei 11.343/2006, que configura o tráfico ilícito de drogas, constitui-se de um tipo misto alternativo, contendo dezoito verbos nucleares, cuja prática pode dar-se isolada ou cumulativamente. A simples conduta de trazer consigo substância entorpecente, sem autorização legal, para qualquer finalidade, exceto uso próprio, é tráfico ilícito de drogas. A diferença entre os tipos penais do art. 28 (consumo próprio) e do art. 33 (tráfico de entorpecentes) concentra-se, justamente, no fim específico do agente. A primeira figura – art. 28 – possui tal objetivo: para consumo pessoal, enquanto a segunda – art. 33 – não a prevê.
Em nossos comentários à Lei 11.343/2006, constantes do livro Leis penais e processuais penais comentadas, temos defendido a impropriedade dessa situação, pois, na prática, o consumidor da droga fica com o ônus da prova, sob pena de ser deslocado para a figura do tráfico. Noutros termos, se a pessoa, surpreendida com entorpecente, não conseguir demonstrar o fim específico (consumo próprio) termina respondendo por crime muito mais grave. A incongruência é impor o ônus da prova ao acusado, o que contraria totalmente o estado de inocência, constitucionalmente previsto.
Entretanto, afora essa ilogicidade, quando se trata de levar drogas para presos, seja quem for, parece-nos, indiscutivelmente, tráfico ilícito de entorpecentes, previsto no art. 33 da Lei 11.343/2006, inclusive com a causa de aumento do art. 40, III, da mesma Lei. O agente transportador de drogas para o interior de presídio, mesmo que seja para o consumo de quem ali está detido, está em atividade típica de traficante. Afinal, ele mesmo, carregador da droga, não a consome, afastando-se do art. 28.
Sob outro aspecto, o agente transportador do entorpecente para presidiários pode, sem dúvida alguma, fomentar o tráfico interno no estabelecimento penal. Nada impede que um preso – receptor da droga – venda a outro e assim por diante. É evidente tráfico ilícito de entorpecentes.
Note-se, mais uma vez, que a finalidade específica de quem leva a droga para presos é entregar a consumo de terceiro, jamais se podendo encaixar na figura típica do art. 28.
Existem, por certo, alguns aspectos peculiares a considerar, concernentes ao cenário do transporte de drogas para presos. Em nossa atividade jurisdicional, já nos deparamos com alguns casos especiais, envolvendo pessoas ameaçadas por presos para que lhes entregue a droga no presídio, sob pena de sofrer alguma represália grave. Há presos que não tem o menor pudor de ameaçar sua própria esposa ou companheira, para que lhe leve entorpecente, voltando a causação do mal aos filhos ou aos enteados. Outros, ainda, são devedores de traficantes, que atuam no interior do presídio, motivo pelo qual suplicam a seus parentes que sirvam de mulas, carregando drogas para quem está detido, a fim de saldarem dívidas contraídas, sob pena de sofrerem as consequências. Terceiros pedem a pessoas próximas que levem drogas para sustentar seu próprio vício. Há, ainda, os que levam pouquíssima droga para o preso, podendo-se discutir se poderia ser configurada a insignificância.
Por hipóteses, pode-se dividir o quadro da seguinte forma: a) os que atuam deliberadamente, visando a levar drogas aos presos, com o fito de fomentar o tráfico no estabelecimento ou sustentar o vício de quem está detido; b) há quem leve a droga sob ameaça, com medo de sofrer represália em relação à sua pessoa ou de ente querido; c) existe o transportador de droga porque o próprio preso (seu ente querido) está ameaçado; d) o que transporta ínfima quantidade de entorpecente.
A análise seria a seguinte: a) deve ser condenado por tráfico ilícito de drogas (art. 33 da Lei 11.343/2006), com a causa de aumento prevista no art. 40, III, da mesma Lei; b) é viável a aplicação da excludente de culpabilidade, denominada inexigibilidade de conduta diversa, que consiste em não possuir outra alternativa a seguir o agente senão o descumprimento da norma jurídica proibitiva. Há que se provar a ocorrência fática de ameaça real, grave e consistente contra direito próprio ou de terceiro, não existindo outra hipótese a não ser carregar a droga para o presídio. Não basta alegar ter agido sob ameaça, sem provar, nos autos, a sua veracidade. Enfim, provando o fato, pode haver absolvição, por exclusão da culpabilidade; não demonstrando, condena-se por tráfico ilícito de drogas, com a causa de aumento; c) eventualmente, pode-se também argumentar com a inexigibilidade de conduta diversa. O mesmo quadro se desenha, ou seja, deve ser produzida prova de que o destinatário da droga encontra-se, de fato, ameaçado com gravidade, podendo até ser morto caso o entorpecente não lhe seja entregue. Emergindo a prova, absolve-se; falhando, condena-se por tráfico ilícito de drogas. Em qualquer situação, deve-se ponderar o princípio da prevalência do interesse do réu (in dubio pro reo); se houver fundada dúvida acerca da ameaça, torna-se ideal absolver do que condenar; d) somos partidários da tese da insignificância para qualquer caso, inclusive para tráfico ilícito de drogas. Se alguém carrega um grama de maconha para o presídio, pode-se considerar conduta atípica, dependendo do caso concreto e dos requisitos pessoais do agente.
Leia mais:
– Artigo do professor Guilherme Nucci publicado no jornal Carta Forense
Vislumbramos, muitas vezes, em casos concretos, a prisão, por tráfico ilícito de drogas, de mães, avós, esposas, companheiras ou namoradas, que carregam nos lugares mais inusitados (exemplo disso foi o caso da maconha escondida na fralda do bebê, que fora visitar o pai) o entorpecente destinado ao preso. Não deixa de ser triste e lamentável prender e condenar aquela senhora, cuja atitude diz respeito, exclusivamente, ao seu filho, que lhe exigiu a droga. Mas as mulheres em geral, que apoiam seus filhos, netos, maridos, companheiros e namorados presos, levando droga para o presídio, estão em pleno exercício do tráfico ilícito de entorpecentes. Inexiste imunidade criminal para essas pessoas – nem pela idade, nem pela primariedade, nem mesmo pelo grau de afetividade.
Aliás, atitude correta seria desestimular o uso de drogas e também o comércio de quem está preso; ao contrário, transportando entorpecente para o estabelecimento penitenciário essas pessoas somente agravam a situação carcerária.
Não se pode negar que a maioria dos transportadores de drogas para presos é constituída de mulheres, ligadas emocionalmente aos seus entes queridos. Cuida-se de uma situação social expressiva, quando se vislumbra a fidelidade do amor materno ou feminino, em contraposição aos homens, que esquecem seus parentes, esposas ou parentes mulheres nos presídios, sem nem mesmo visitá-las, quanto mais levando-lhes drogas. Apesar dessa quase subordinação de mulheres aos presos que lhes são queridos, inexiste fundamento jurídico para olvidar a prática de tráfico ilícito de drogas quando levam entorpecente para o estabelecimento penitenciário.
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