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Profissão do passado: “Ser advogado não é mais uma boa escolha para os jovens”

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17/02/2014

— Entrevista publicada no Portal Conjur

Portugal bandeira

Pelo menos em Portugal, os jovens deveriam considerar outras opções antes de se aventurar na advocacia. São anos de estudo e dedicação para entrar em um mercado de trabalho saturado, sem espaço para mais ninguém. O conselho parte de alguém que respira a advocacia portuguesa, tendo passado seis anos dedicado a presidir a Ordem dos Advogados do país. António Marinho e Pinto é um dos mais ferrenhos desestimuladores para quem pretende cursar uma faculdade de Direito.

“Os jovens se inscrevem na Ordem cheios de ilusão e acabam entrando num mundo absolutamente selvagem, em que não há trabalho para todo mundo”, disse, em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico no final de 2013, pouco antes de deixar a presidência da entidade. Para ele, Portugal já tem advogado demais e, sem costas quentes ou uma mente brilhante, é muito difícil um recém-formado ter sucesso na advocacia.

Durante os seis anos em que esteve à frente da Ordem dos Advogados, Marinho e Pinto batalhou por uma melhora no ensino jurídico em Portugal. Ele acredita que a proliferação das faculdades particulares levou à democratização do ensino, mas derrubou a qualidade e não resolveu o problema do desemprego. “O governo faz propaganda dizendo que Portugal tem cada vez mais licenciados. E tem, mas a maioria não tem emprego”, diz.

Ele considera que a formação universitária não prepara ninguém para atuar como advogado, juiz ou promotor. Os cursos de formação profissional oferecidos pelo Estado, para as carreiras públicas, e pela Ordem são fundamentais. É por isso que defende com unhas e dentes os exames de Ordem que existem no país — são dois: um após seis meses de estágio obrigatório e outro ao final dos dois anos de qualificação.

Em uma entrevista de uma hora, o advogado criticou o que chamou de processo de desjudicialização em Portugal, com o aumento dos tribunais arbitrais e a restrição de acesso à Justiça. Hoje, alguns casos cíveis só podem ir para o Judiciário se passarem por uma tentativa de mediação antes. Já nos tribunais superiores, há um filtro para novos recursos. Se o juízo de segunda instância confirmou a decisão de primeira, não há mais apelo ao Superior Tribunal de Justiça. O caso está encerrado. O resultado disso é uma Justiça mais rápida, mas, para o ex-presidente, menos justa. “Estamos voltando para épocas passadas onde a Justiça era quase um bem de luxo, garantida só para uma pequena parte da população.”

Ele também não poupou críticas à arbitragem, o que chamou de uma Justiça clandestina, feita longe dos olhos da população. “Eu não acredito muito em tribunais onde os juízes são substituídos por advogados treinados e pagos pelas partes. Isso não é um tribunal! Pode ser instância de discussão, de transação, tudo, menos um tribunal.”

António Marinho e Pinto assumiu a presidência da Ordem dos Advogados de Portugal em 2008 e ficou no cargo até o final de 2013. Foram seis anos, dois mandatos. Durante esse tempo, comprou briga com o governo por conta da assistência judiciária. Acusou o Judiciário de empurrar para a advocacia os bacharéis despreparados. Bradou contra a adoção de crianças por casais gays, o que chamou de desrespeito aos pequenos. E sobrou até para o Brasil quando, em tom de ironia, afirmou que o que os brasileiros mais exportam para Portugal são prostitutas. O que ele quer fazer agora, depois de deixar a entidade? “Dormir por dois ou três meses”, diz, aos risos.

Leia a entrevista:

ConJur – Como está o ensino jurídico em Portugal?
António Marinho e Pinto – Mal, muito mal. O ensino de Direito se mercantilizou completamente no país. Houve uma proliferação enorme de universidades de Direito que não cuidam em preparar bem os estudantes. Essas escolas estão mais preocupadas com os lucros econômicos do que com a qualidade do ensino. Os estudantes não são tratados como alunos, mas sim como clientes. Praticamente ninguém reprova nas universidades porque, se reprovarem um aluno, vão perder um cliente, já que ele vai procurar outra faculdade que não o reprove. Isso levou a uma diminuição grande da qualificação dos licenciados em Direito, que acabam não conseguindo emprego e correm atrás da Ordem dos Advogados como a única alternativa. Mas nós aqui temos uma posição muito clara quanto à formação profissional que ministramos. Quem fez uma boa licenciatura nunca reprovará nos nossos exames. Já quem não fez nunca passará nas nossas provas, que exigem conhecimentos teóricos e científicos, sem os quais não é possível demonstrar uma boa formação para o exercício da advocacia.

ConJur – Quantos exames hoje um bacharel em Direito precisa fazer na Ordem até ter a carteira definitiva e poder atuar como advogado?
António Marinho e Pinto – São dois exames. Um logo depois do estágio inicial de seis meses e um depois de mais um ano e meio, para obter a carteira profissional. Nós chegamos a criar um exame para selecionar os recém-formados para o estágio obrigatório, mas o Tribunal Constitucional disse que isso limitava a liberdade de escolha e anulou a norma do regulamento interno da Ordem.

ConJur – E o que o senhor achou dessa decisão do tribunal?
António Marinho e Pinto – Foi errada, porque prejudica os estagiários. Como eu disse antes, se um estagiário tem uma boa licenciatura em Direito, ele fará com tranquilidade a sua formação profissional na Ordem e será inevitavelmente aprovado. Mas se não tem sólidos conhecimentos jurídicos para exercer uma profissão forense, pode fazer o estágio da Ordem por dez anos e nunca vai tirar a carteira profissional. É por isso que nós queríamos fazer a seleção antes de começar o estágio. Assim, aqueles que não estivessem bem preparados poderiam procurar outro rumo para a sua vida. No momento em que a Ordem dos Advogados entrega a carteira profissional para um advogado, está autorizando, em nome do Estado português, que ele exerça a profissão. Além disso, está dizendo para a sociedade portuguesa que pode confiar nesse advogado, que está preparado para defender seus direitos. E nós só podemos oferecer essa garantia pública quando o advogado está, de fato, preparado. A advocacia é uma profissão de interesse público que é exercida com grande liberdade, com clemência e, por isso, tem que ser exercida com grande responsabilidade, com respeito por princípios de valores de natureza épica e deontológica.

ConJur – Como é a formação profissional oferecida pela Ordem?
António Marinho e Pinto – Inicialmente, o bacharel faz um período de estágio de seis meses, com uma formação mais teórica em três áreas fundamentais. A primeira é deontologia profissional. Depois vem Direito Constitucional e Direitos Humanos, que são super importantes. Sem isso, tem licenciado em Direito que acaba entrando na profissão sem saber apresentar um recurso ao Tribunal Constitucional ou ajuizar uma queixa na Corte Europeia de Direitos Humanos, que, muitas vezes, constitui a última instância dos cidadãos para que seja feita Justiça. Depois, vem a área de práticas profissionais, com os aspectos práticos do processo civil e penal. Uma vez concluído esse estágio, o bacharel faz um exame e, se passar, vai para o passo seguinte, quando já pode praticar atos próprios dos advogados, mas ainda sob tutela da entidade. A segunda fase do estágio dura um ano e meio e é voltada para a prática da advocacia. Nesse período, o bacharel acompanha atos do escritório que for seu patrono. Concluída essa fase, faz a última prova, chamada de Exame de Avaliação e Agregação, e, se for aprovado, aí sim pode atuar como advogado independente.

ConJur – Qual é o índice de reprovação nesses exames?
António Marinho e Pinto – No primeiro exame, normalmente, temos 75% de reprovação. Esse número é alto justamente porque a Ordem foi impedida de fazer uma seleção para acesso ao estágio inicial, como o Estado português faz, por exemplo, para entrar na magistratura. Concorrem 2 mil licenciados para a magistratura e só 100 são aprovados. Outro fator que influencia no alto índice de reprovação é a redução de cinco para quatro anos do estudo de Direito nas universidades. Tem faculdade que forma um bacharel em apenas três anos.

ConJur – Essa mudança foi provocada pelo chamado Processo de Bolonha, que padronizou o ensino universitário na Europa, não é isso?
António Marinho e Pinto – Exatamente. E, com a postura atual do governo português, está sendo criada uma disparidade muito grande entre os advogados e os magistrados. O Estado só admite para a magistratura quem tem uma formação acadêmica de cinco anos. Quer dizer, ou fez uma licenciatura de cinco anos ou estudou apenas os quatro atuais e fez um mestrado em seguida. O mesmo Estado obriga a Ordem a receber pessoas com uma licenciatura de apenas três anos, feita em uma universidade privada sem qualquer credibilidade.

ConJur – Essa disparidade na formação entre advogados e magistrados afeta o serviço oferecido ao jurisdicionado?
António Marinho e Pinto – Ainda não dá para saber porque a mudança é recente. Só agora vão entrar no mercado os primeiros advogados com formação acadêmica inferior à dos magistrados. Estou preocupado com isso porque os advogados precisam ter uma formação igual ou superior aos magistrados. Um advogado, para impugnar uma decisão, tem que estar tão ou mais bem preparado que o juiz. O que o governo português tem feito é degradar intencionalmente a qualidade, o prestígio e a própria dignidade da advocacia portuguesa unicamente por questões políticas e estatísticas. Isso porque, a partir do momento em que um jovem recém-formado se inscreve na Ordem, ele deixa de figurar nas estatísticas de desemprego. Por questões meramente estatísticas, o Estado massificou o ensino do Direito e está massificando a própria advocacia, inconsciente ou indiferente à degradação que isso provoca na profissão e, consequentemente, na própria administração da Justiça. Quem perde é o Estado de Direito porque, num país em que a profissão de advogado é degradada, os prejudicados são os cidadãos.

ConJur – Quantos novos advogados são registrados na Ordem por ano?
António Marinho e Pinto – Não tenho os números exatos. Saem das universidades de Direito entre 3 mil e 4 mil estudantes e, desses, entre 1,5 mil e 2 mil se inscrevem para o estágio na Ordem.

ConJur – O mercado de trabalho tem capacidade para absorver todos esses profissionais?
António Marinho e Pinto – Não, de maneira alguma. Isso é terrível. Os jovens advogados se inscrevem na Ordem cheios de ilusão e acabam entrando num mundo absolutamente selvagem, em que não há trabalho para todo mundo. Tem muito advogado que vive às custas dos pais por anos até arrumar um emprego mal remunerado. Não há necessidades sociais para tanto advogados.

ConJur – Então ser advogado não é uma boa escolha?
António Marinho e Pinto – Eu tenho dito isso sempre. Ser advogado não é mais uma boa escolha. É óbvio que é diferente para o jovem que tem um familiar advogado, dono de um escritório. O mesmo vale para quem tem fortuna pessoal suficiente para ficar oito anos sem rendimentos. A maioria, que não está em nenhuma dessas duas situações, muito dificilmente vai conseguir ser advogado. A não ser que seja um gênio, um estagiário brilhante. Senão, vai passar anos como assalariado ou voluntário, sendo explorado por escritórios que pagam um salário muito inferior ao merecido.

ConJur – O senhor falou da mercantilização do ensino jurídico em Portugal. Quando começou esse processo?
António Marinho e Pinto – Há uns 30 anos, com a abertura de universidade privadas de Direito, voltadas sobretudo para o lucro e enriquecimento dos seus proprietários. Essas universidades começaram a concorrer com as públicas e começou a acontecer o contrário da teoria do capitalismo. Com o aumento da concorrência, a qualidade piorou. Os alunos começaram a ser tratados como clientes, não mais como estudantes. Aí veio o Processo de Bolonha, que é uma gigantesca fraude aos estudantes. Quer dizer, hoje, se lança o jovem mais cedo no mercado de trabalho, mas ele fica sem emprego porque não está preparado. O governo faz propaganda dizendo que Portugal tem cada vez mais licenciados. E tem, mas a maioria não tem emprego.

ConJur – É possível reverter esse quadro?
António Marinho e Pinto – A Ordem tem exigido mais qualidade e mais critérios para permitir o acesso à advocacia, mas é difícil porque, de um lado, o governo quer mais é massificar as profissões. De outro, os jovens deixam se iludir pensando que, por ter um diploma, terão acesso ao mercado de trabalho. E não é assim. Hoje ninguém recruta nenhum jovem licenciado sem antes comprovar os conhecimentos efetivos. A maioria dos jovens licenciados em Direito hoje em Portugal não está preparada para exercer uma profissão forense com as responsabilidades que a advocacia tem.

ConJur – Tem muito advogado estrangeiro registrado para atuar em Portugal?
António Marinho e Pinto – Não. A maior parte dos estrangeiros é formada por brasileiros por causa do acordo de reciprocidade com a Ordem dos Advogados do Brasil. Qualquer advogado brasileiro que esteja inscrito regularmente na OAB pode inscrever-se em Portugal e vice-versa. Temos muitos advogados brasileiros que se inscrevem em Portugal, mas a maioria não fica aqui. Aproveita o registro e vai advogar em outros países da União Europeia, como Espanha, Itália, França e até na Albânia já existem advogados brasileiros com inscrição em Portugal.

ConJur – Quantos advogados brasileiros hoje estão inscritos em Portugal?
António Marinho e Pinto – Não sei exatamente. São algumas centenas.

ConJur – Como o senhor avalia a formação de um advogado brasileiro em relação à formação dos portugueses?
António Marinho e Pinto – Eu acho a formação profissional do advogado português mais rigorosa. No Brasil, só muito recentemente a OAB introduziu o chamado Exame da Ordem [a prova foi criada em 1994 pela Lei 8.906/1994, chamada de Estatuto da Advocacia]. Até então, qualquer licenciado podia exercer a advocacia. Mas eu vejo que a OAB está fazendo um grande esforço para introduzir critérios rigorosos de qualidade para melhorar a formação dos advogados.

ConJur – A formação universitária não basta para exercer a advocacia?
António Marinho e Pinto – Não. A formatura em Direito por qualquer universidade é uma formação científica, acadêmica e não prepara ninguém para exercer a advocacia, para ser juiz ou promotor. As faculdades dão uma formação teórica jurídica básica. Quem forma juiz é o Estado, com os cursos profissionais, e não a universidade.

ConJur – A Europa toda tem passado por anos difíceis por conta da crise econômica. Em Portugal, de que maneira a crise está afetando a advocacia?
António Marinho e Pinto – Tenho ouvido queixas de advogados com dificuldade para receber honorários, porque seus clientes estão cheios de dívidas.

ConJur – Mas tem escritório fechando as portas por causa da crise?
António Marinho e Pinto – Não, muito pouco. Há apenas alguns advogados que estão em processo de solvência porque não conseguiram solver as suas dívidas. Mas hoje é mais difícil exercer a advocacia do que era há cinco anos. Há menos recursos nos tribunais porque o Estado tem incentivado uma política de desjudicialização, fazendo com que a Justiça deixe de ser feita por juízes, procuradores e advogados para ser feita por instituições privadas voltadas para o lucro, que é o que são os tribunais arbitrais, centro de mediação laboral, julgados de paz, entre outros. As custas judiciais, em alguns casos são usurárias. Tudo isso tem feito com que as pessoas evitem ir aos tribunais e contratar advogados.

ConJur – O senhor não considera positiva essa procura por arbitragem, mediação e formas de resolver conflitos sem precisar sobrecarregar os tribunais?
António Marinho e Pinto – Eu não acredito muito em tribunais onde os juízes são substituídos por advogados treinados e pagos pelas partes. Isso não é um tribunal! Pode ser instância de discussão, de transação, tudo, menos um tribunal. A ideia de Justiça que eu sustento é a ideia matricial das advocacias ocidentais que é da Justiça pública, como entidade soberana do Estado. A passagem da civilização e da história da humanidade se faz justamente no momento em que o Estado assume o monopólio da administração da Justiça. É óbvio que, nos processos cujo objeto é disponível, as partes podem fazer todo tipo de acordos e escolher onde querem resolver o litígio, seja em escritório de advogado, em restaurantes ou em tribunais arbitrais. Agora, quando o objeto não é disponível, só o Estado pode resolver o conflito. Em Portugal, o governo está tornando a arbitragem obrigatória, mesmo sendo muito mais cara que a Justiça pública. O que se está fazendo aqui e em muitos lugares do mundo é subverter os alicerces e os próprios paradigmas da Justiça pública soberana que figurou na Europa nos últimos milênios, desde a Grécia antiga até hoje.

ConJur – O senhor falou que o governo português está tornando a arbitragem obrigatória. Em que áreas?
António Marinho e Pinto – Há em Portugal diversas leis que obrigam as partes a irem para a arbitragem. O próprio Código de Processo Civil português já instituiu a arbitragem obrigatória, mas não posso te dizer agora em quais casos. Teria que encontrar um exemplo. A arbitragem tem ainda outro aspecto negativo, quando se resolve litígios entre entidades públicas e entidades privadas. Normalmente, isso favorece a corrupção. O indivíduo compra um político, os dois inventam um litígio e vão para um tribunal arbitral com julgadores escolhidos por eles mesmo para resolver o conflito. Isso é perigoso para o Estado de Direito e para a própria sociedade democrática. Posso dizer que o Estado Português nunca ganhou uma causa nos tribunais arbitrais.

ConJur – Nunca?
António Marinho e Pinto – Nunca! Além do mais, a Justiça arbitral é clandestina. Ninguém pode assistir aos julgamentos e as sentenças não são divulgadas. Ela é feita às escondidas da sociedade. Ora, uma das qualidades fundamentais da Justiça é sua publicidade. Uma decisão judicial não vale apenas para as partes. Vale para toda a sociedade como elemento desestimulador de práticas ilícitas. É um ensinamento. E tudo isso desaparece na Justiça arbitral.

ConJur – O governo de Portugal vai fechar 20 tribunais de primeira instância para reduzir os gastos com a Justiça. Qual a opinião do senhor sobre isso?
António Marinho e Pinto – Isso é fruto dessa degradação da Justiça. O Estado quer fechar tribunais que estão abertos há mais de 100 anos! A mensagem que isso passa para a população é: façam justiça com as próprias mãos. Ou, então, andem centenas de quilômetros até outro tribunal. Tem havido um aumento da criminalidade relacionada com assuntos de Justiça. Isso é um retrocesso civil perigoso. Estamos voltando para épocas passadas onde a Justiça era quase um bem de luxo, garantida só para uma pequena parte da população. Não pode ser assim. A Justiça precisa ser garantida para todos porque é um elemento fundamental associado ao desenvolvimento harmonioso da sociedade.

ConJur – Como está a velocidade da Justiça em Portugal? O tempo de espera por julgamento é longo?
António Marinho e Pinto – É, mas agora tem diminuído. O Supremo Tribunal de Justiça, por exemplo, está resolvendo processos em dois ou três meses, mas isso porque tem metade do trabalho que tinha há cinco anos. Hoje, com as reformas, quase ninguém mais pode recorrer ao STJ.

ConJur – Como assim?
António Marinho e Pinto – Ora, se o tribunal de segunda instância confirmar uma decisão de primeira instância, não cabe mais recurso para o STJ. Só pode recorrer ao STJ se a segunda instância reformar a decisão da primeira. E isso é uma aberração. Eu já relacionei vários casos em que a decisão de primeira instância era mantida pela segunda e, quando chegava no STJ, era modificada. Essa mudança é apenas uma manobra de propaganda e estatística para poder dizer que o tribunal está agindo mais rápido. Pudera! Não houve um aumento da produtividade, mas sim uma restrição do acesso ao tribunal. A decisão sai mais rápido porque as pessoas estão proibidas de recorrer ao STJ. Sem falar no valor das custas, que também é um impeditivo. Hoje, custa mais de 2 mil euros (mais de R$ 6,5 mil) para ajuizar um recurso no Tribunal Constitucional.

ConJur – E quem não pode pagar?
António Marinho e Pinto – Se for indigente e receber menos de um salário mínimo, tem direito à Justiça gratuita. Já se for da classe média e receber 700 euros (cerca de R$ 2,3 mil), não tem direito à assistência judiciária. Como essa pessoa vai pagar as custas judiciais e os honorários do advogado?

ConJur – Em Portugal, não existe uma Defensoria Pública, não é? A assistência judiciária é feita por advogados nomeados pela Ordem e pagos pelo governo. O esquema funciona? Recentemente, o Ministério da Justiça e a advocacia entraram em atrito e o pagamento dos dativos foi suspenso. O que aconteceu?
António Marinho e Pinto – O Ministério da Justiça lançou uma campanha de descrédito público contra os advogados dizendo que um terço deles cometia fraudes. Uma inominável mentira! O Ministério da Justiça fez uma queixa à Procuradoria-Geral da República contra 1,5 mil advogados e, no final, o Ministério Público só acusou seis ou sete advogados. E esses ainda vão ser absolvidos pelo tribunal porque não há nenhum crime. Foi uma campanha de descrédito para poder destruir esse sistema e construir outro privado.

ConJur – Criar uma Defensoria Pública em Portugal não resolveria o problema?
António Marinho e Pinto – Eu sou contra. O Estado que oferece o juiz não pode oferecer também o advogado. Este tem que ser da confiança do cidadão. Tem que representar a janela que se abre da Justiça para a cidadania. É por essa janela que entra o ar para a sociedade. Um advogado por definição não pode ter patrões, não pode estar inserido em uma hierarquia e ter horário de trabalho. O único compromisso do advogado tem que ser com o cidadão. A advocacia não pode ser funcionalizada.

ConJur – Então qual que seria o modelo ideal de assistência judiciária?
António Marinho e Pinto – O modelo que temos defendido é aquele em que o próprio cidadão escolhe o advogado da sua confiança entre aqueles inscritos para prestar apoio judiciário. O ideal depende de uma maior remuneração dos profissionais. O Estado deveria transferir para a Ordem a verba destinada ao pagamento desses advogados, para que a entidade pudesse pagar os defensores. Hoje, o governo demora meses e até anos para pagar um advogado que presta assistência judiciária. O Estado não valoriza a Justiça, sobretudo aquela que é prestada aos pobres como elemento essencial do próprio Estado de Direito.

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