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Somos todos Doutores?
Joseval Martins Viana
17/04/2015
Olá pessoal!
Meu artigo de hoje é polêmico. Vocês já entenderão o porquê do título. Quando elaboramos o cabeçalho da petição inicial, colocamos: “Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da _____ Vara Cível do Foro da Comarca de __________”.
Alguns profissionais do Direito levantam a bandeira de que não somos doutores, porque “doutor” é título destinado somente àqueles que cursam o “doutorado”.
Quando ouvi essa afirmação, estranhei um pouco, visto que “doutor” (embora não seja um pronome de tratamento) sempre foi uma forma de tratamento entre os profissionais do Direito. Aliás, trata-se de uma tradição. Essa tradição existe também entre os médicos. Deve-se ressaltar que os residentes de medicina, quando recebem o jaleco branco, já têm a palavra “doutor” antes de seus nomes. Como coordeno o Curso de Direito Médico e da Saúde na Faculdade de Medicina do ABC, trabalho entre esses profissionais, e nunca ouvi um questionamento sobre o emprego do “doutor” ou não. Na medicina, todos são chamados de “doutor”. Eles fazem questão desse tratamento.
Só para tornar o assunto um pouco mais polêmico, o Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional da 8.ª Região (CREFITO-8) publicou a Resolução 23/2000, a fim de “Recomendar que os Fisioterapeutas e Terapeutas Ocupacionais, na sua atuação profissional, usem o título de Doutor, por se tratar de um direito legítimo e incontestável” (cf. o art. 1.º da supramencionada Resolução).
O que me parece é que, enquanto outros profissionais exigem o direito de serem chamados de “doutores”, nós, que temos esse tratamento por tradição, simplesmente discutimos sua legitimidade ou não. Talvez seja por esse motivo que, nos últimos anos, perdemos muitas prerrogativas no exercício da profissão. Afirmo isso porque entendo que a palavra “doutor” deve ser empregada entre os profissionais do Direito. Não estou nem considerando o Decreto Imperial (DIM), de 1.º de agosto de 1825, publicado pelo Chefe de Governo Dom Pedro Primeiro, que deu origem à Lei do Império de 11 de agosto de 1827, responsável pela criação dos cursos de Ciências Jurídicas e Sociais.
Essa lei criou dois cursos de Ciências Jurídicas Sociais e introduziu regulamento e estatuto para o Curso Jurídico, dispondo sobre o título (grau) de “doutor” para os advogados, conforme o . Essa lei explica que, ao finalizar o curso de Direito, o acadêmico submetia-se a um exame de conhecimento jurídico – igual ao Exame de Ordem dos Advogados do Brasil – chamado “Estatuto”. Aprovado no exame de “estatuto”, o grau de “doutor”.
Disse que não estava considerando esses decretos, porque muitos justificam que se trata de leis antigas. Por si só, não vejo problema, pois estão em uso há muitos anos, e, segundo o notável Washington de Barros Monteiro, as leis que não caem em desuso continuam em vigência. Pelo que sei, sempre fomos chamados de “doutores”.
Ao ler o “Manual da Presidência da República”, publicado em 2002, encontrei a seguinte informação: “Acrescente-se que doutor não é forma de tratamento, e sim título acadêmico. Evite usá-lo indiscriminadamente. Como regra geral, empregue-o apenas em comunicações dirigidas a pessoas que tenham tal grau por terem concluído curso universitário de doutorado. É costume designar por doutor os bacharéis, especialmente os bacharéis em Direito e em Medicina. Nos demais casos, o tratamento Senhor confere a desejada formalidade às comunicações” (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/manual/manual.htm).
O destaque foi meu para esclarecer que é “costume” chamar bacharéis em Direito e em Medicina de “doutores”. Por isso, não entendo o porquê de discutirmos se somos ou não “doutores”, enquanto a Medicina nem questiona o assunto. Além disso, indiquei por meio da Resolução do CREFITO-8 que outros profissionais da área da saúde também exigem o direito de serem chamados de “doutores”.
Entretanto, estabeleço uma divisão no emprego do título de “doutor”. Há, sim, o título de “doutor” como título acadêmico. Esse é inerente à pessoa e pode ser usado tanto no exercício da sua profissão quanto fora. O mesmo não acontece com o nosso “doutor”. Esse deve ser empregado no exercício de nossa profissão.
Se estou no escritório, ou no fórum, o tratamento de “doutor” é legítimo. No dia a dia, não. Nem mesmo na Universidade, pois o MEC só considera “doutor” quem tem “doutorado”. Nem mesmo o “doutorando” é considerado “doutor” pelo MEC.
Se alguém não concordar com minhas considerações (todos têm direito disso), ao redigir o cabeçalho da petição inicial precisa escrever: “Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito da _______ Vara Cível do Foro da Comarca de ________”. Não recomendo tirar a palavra “doutor” do cabeçalho para quem fará o Exame de Ordem, porque se trata de uma tradição.
Quero apenas alertar meus colegas advogados que, se abrirmos mãos de nossos direitos, não exigindo um tratamento adequado, talvez, futuramente, o artigo 133 da Constituição Federal poderá ter nova redação: “O advogado é dispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.
Será que é exagero? Não sei. Apenas sei que não quero perder os direitos de uma profissão tão nobre e importante para o País, pois a perda dos pequenos direitos reflete na perda de direitos relevantes para o exercício da advocacia.
Até o nosso próximo artigo!
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