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A sociologia da propriedade
01/02/2021
Mesmo superficialmente atentando o observador para o fenômeno, seja em pesquisa vertical ou de profundidade, seja em comparação horizontal ou extensiva, encontra a maior variedade de posições do indivíduo no tocante à apropriação dos bens. Isto que nos parece tão simples, que se ouve no balbucio infantil – esta coisa é minha, eu sou o seu dono –, não tem projeção idêntica nas sistemáticas jurídicas.
Houve povos que nunca vieram a conhecer o direito de propriedade privada; outros a compreendiam sobre os rebanhos, sobre as armas, jamais sobre a terra. E ainda hoje alguns existem que não subordinam o seu regime de bens à ideia de apropriação individual, o que certamente reflete no seu direito, desarticulado da concepção tão arraigada na consciência coletiva ocidental, que é o direito subjetivo. Está neste caso, por exemplo, o povo chinês,
para o qual não foi o regime de Mao Tsé-tung que aboliu a propriedade privada, mas a sua tradição histórica.
Nos tempos atuais, mesmo estes sistemas, antes refratários à ideia da propriedade individual, já a admitem, ainda que timidamente, inclusive sobre imóveis e meios de produção. Não tem sido pequeno nem vão o esforço dos que investigam a origem da ideia dominial. E, geralmente, as pesquisas conduzem a uma concepção religiosa. Sua presença mística é, aliás, assinalada como uma característica ainda mais acentuada nos povos primitivos, tomada esta palavra para significar os que se achavam num grau mais baixo de civilização, e para compreensão de cujo estágio sociólogos como Engels, D’Aguanno, Lévy-Bruhl se dedicaram a observar os “primitivos atuais”.
Naquela fase remota, a propriedade é um encadeamento místico entre o indivíduo e a coisa, da mesma forma que ele se prende, por idêntico laço, ao grupo a que pertence. Em tal momento, a propriedade é uma vinculação que se estabelece entre a pessoa que possui e os objetos possuídos.2 Varia a natureza (individual ou coletiva) do vínculo, estabelecendo-se ora a propriedade privada, ora a propriedade grupal, ora as duas simultaneamente, quando certos bens podem ser individualmente apropriados, enquanto outros (terras, rios, florestas) são atribuídos à coletividade e guardados sacramentalmente pelos deuses ou pelos mortos. O traço essencial da propriedade primitiva é seu caráter sagrado. A propriedade individual é sagrada, como extensão da própria pessoa (Challay).
É evidente que o desamor ao bem individual, em circunstâncias assim, projeta-se na forma de apropriação a que as leis evolutivas conduzem o regime. Um povo que herdou do passado remoto a apropriação coletiva ou grupal das coisas dificilmente será levado, mais tarde, à afirmação de ideias ligadas a um conceito muito sólido do direito subjetivo de propriedade individual.
Outros povos, e nesta classe matricularam-se todos ou quase todos os que compõem o que se convencionou chamar civilização ocidental, têm a noção acendrada do “meu e teu”, têm incrustada na profundidade de sua consciência jurídica a ideia do assenhoreamento dos bens, a concepção sedimentada do direito individual de propriedade.
É, também aqui, a tradição de todo um conceito de civilização que o explica, salientando-se a ideia de que foi uma das primeiras noções jurídicas a assentar-se, ainda ao tempo em que a norma religiosa (fas) não se diversificava da regra de direito (ius). E o historiador da Cidade Antiga acrescenta mesmo que, desde a idade mais remota, não se tem notícia de outra forma de conceber a relação jurídica da propriedade entre certos povos, senão esta da propriedade privada, que as sociedades helênicas e itálicas articularam num complexo que formara a trilogia indissociável: religião, família e propriedade privada.
Em torno da religião doméstica construíram-se estas noções que se vão prender à origem desses povos da bacia mediterrânea, salientando-se que cada família possuía seus deuses, o seu altar doméstico, praticava o seu próprio culto a que não tinham entrada as pessoas estranhas. Aquele altar era assentado no solo, de maneira definitiva e construído de pedra, inamovível.
Uma vez levantado, não podia ser transportado, porque o deus doméstico quer morada fixa. Pela contingência religiosa, estas civilizações eram sedentárias e, mais ainda, não tolerando o culto privado a interferência de outro culto privado dentro do mesmo recinto, o altar doméstico havia de separar-se de tudo quanto lhe fosse estranho. Porque os deuses particulares eram interiores, Penates, era que preciso existisse em torno do “lar” certa distância, delimitada pela cerca sagrada. E esta cerca, explicada pela noção fundamentalmente religiosa, era o marco-limite do culto, era a contenção dos elementos estranhos à família, era a significação precisa do direito de propriedade.
Quando, mais tarde, a religião da cidade assumiu maiores proporções, e quando o conceito de ius acompanhou o crescimento daqueles povos que não puderam constringir-se dentro de muros urbanos e se estenderam além das bordas do mar, e pelas terras sem fim, não puderam nunca desvencilhar-se das tradições arraigadas no imo de sua consciência. Por aí se diferençavam de povos que os antecederam; por aí se distinguiram das nações suas contemporâneas; por aí se separaram de civilizações que absorveram; por aí deixaram na civilização romano-cristã a marca definitiva de sua influência.
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Mestre de várias gerações de estudiosos do Direito, o Professor Caio Mário continua sendo fonte preferida de consulta e citação para todos. Os conceitos e princípios por ele emitidos permanecem íntegros, por maior que seja o tempo passado.
Sentindo com enorme antecedência para onde sopravam os ventos das mudanças sociais, o que lhe confere, com justiça, o título de Jurista como poucos merecem ostentá-lo, o Professor Caio Mário nos legou obras premonitórias.
Esta obra é um de seus clássicos, editada logo após o advento da Lei 4.591/1964, cujo anteprojeto é de sua exclusiva autoria, aprovado pelo Congresso Nacional sem nenhuma emenda parlamentar. Tanto assim que até hoje ela é, com toda a justiça, referida como “Lei Caio Mário”, pois foi ele o sistematizador da estrutura jurídica do condomínio em planos horizontais, que o Código Civil atual denomina “condomínio edilício”.
A atualização desta obra era imperativo da cultura jurídica brasileira. Seus ilustres atualizadores tiveram o cuidado de interferir apenas quando necessário para adaptá-la à legislação nova e à jurisprudência mais recente, mantendo os conceitos jurídicos e filosóficos do autor. Com esse intuito, apresenta-se um projeto gráfico que destaca os textos originais do Professor Caio Mário dos textos dos atualizadores, visando preservar esta obra clássica, sem deixar de trazer ao leitor os aspectos mais atuais do tema.
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