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Estudantes deixam de tentar vaga em universidades para prestar concurso
GEN Jurídico
22/01/2013
— Matéria publicada no Portal G1 —
Estabilidade e independência financeira são fatores que pesam na decisão.Ingresso no serviço público ajuda estudantes a pagar depois os estudos.
Enquanto os estudantes aprovados para as 129.319 vagas do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) fazem a matrícula nas instituições federais de ensino superior, alguns alunos que estão cursando o ensino médio preferem investir na preparação para as vagas do serviço público antes de fazer vestibular. Eles dizem que só vão tentar entrar em uma universidade depois de obter estabilidade no emprego. Apesar de ser permitido assumir o cargo só aos 18 anos e apenas disputar cargos de nível fundamental ou médio, para esses jovens, o que importa é conseguir a tão sonhada independência financeira o mais cedo possível.
Aos 16 anos, Isaura da Silva Pinto já tem duas certezas: quer ser escritora e passar em concurso público. Cursar universidade nem passa pela sua cabeça, apesar de estar no último ano do ensino médio. Como ela, Thalita Dall’Armi e Nataly Miranda, ambas com 19 anos, decidiram prestar concurso público antes de fazer faculdade. Para as três jovens, o serviço público é o passaporte que viabilizará a realização de seus sonhos. “Descobri que posso, só com o nível médio, ter minha independência financeira”, diz Isaura.
Quando Isaura tinha 14 anos, no último ano do ensino fundamental, sua mãe encontrou uma maneira de ajudá-la a incrementar seus estudos em matemática e português – a colocou para assistir às aulas das duas matérias no curso preparatório Academia do Concurso, no Rio. “E lá estava eu estudando com um monte de gente que tinha um objetivo diferente do meu. Enquanto eu estava acrescentando conteúdo à minha formação escolar, eles estavam em busca de emprego com estabilidade”, conta.
A jovem afirma que o que mais a influenciou a optar por concurso foi ver sua mãe sempre trabalhando muito, sem tempo para descansar. “Ela falava muito que não queria que fosse assim comigo. O que também me influencia, e muito, é saber que terei dinheiro para realizar meus sonhos e poder ajudar minha mãe e minha irmã”, diz.
Além de estudar português e matemática, Isaura acrescentou à sua rotina informática, atualidades e direito constitucional. “O legal é que muita coisa que meus professores ensinam na minha escola eu já sei e acabo ensinando para meus amigos. Quando eu terminar a escola, aí sim vou pegar mais disciplinas e focar mesmo”, garante.
A rotina de Isaura é puxada: vai à escola pela manhã, ao curso preparatório para concursos à noite e, à tarde, faz o dever de casa e a revisão dos estudos da aula do curso da noite anterior. “Ainda não entrei no ritmo de fazer exercícios do curso em casa, o que é o certo, porque só vou fazer isso quando eu terminar o ensino médio. Mas frequentar a sala de aula do curso já me deixa à frente de muita gente.”
Isaura ainda não prestou nenhum concurso, mas seu foco é o BNDES. “Acho que é o que mais se aproxima de mim. Adoro inglês e tem conteúdo do idioma na prova.” Ela tem esperança de ser um dos últimos classificados da lista e, assim, ser chamada quando já tiver 18 anos.
“Tenho sonhos, um deles, por exemplo, é ser escritora. Mas preciso de dinheiro para bancá-los e é no serviço público que terei condições financeiras para poder pagar meus gastos”.
Isaura conta que é a única na sua sala de aula do ensino médio que não tem planos para a faculdade. “Quando meus amigos me perguntam o que vou fazer, eu digo: concurso público. No começo eles estranhavam, mas com o tempo eles se acostumaram e acham legal minha decisão”, diz.
Ministra do STF
Os colegas de Nataly Miranda também achavam “estranho” ela não ter em seus planos a faculdade logo após terminar o ensino médio. “Eles me achavam maluca por não fazer vestibular”, lembra. Nataly terminou o ensino médio em 2011 e já passou a estudar para o concurso da Ancine, que ofereceu no ano passado 82 vagasde nível médio e salário de R$ 4,8 mil. Apesar de estudar 6 horas diariamente por 5 meses, não conseguiu vencer a concorrência de mais de 500 candidatos por vaga.
Atualmente, ela está estudando para o concurso do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) do Rio de Janeiro, cuja prova é dia 27 de janeiro. A concorrência também é alta: 1.709 candidatos por vaga – 64.949 inscritos para 38 vagas de técnico judiciário – área administrativa.
Nataly trabalha como vendedora 6 horas por dia em um shopping do Rio de Janeiro no período da tarde. De manhã ela faz cursinho preparatório e na hora do almoço e depois do trabalho ela se debruça sobre as apostilas.
A decisão de tentar o serviço público teve influência direta dos pais, que são concursados – a mãe trabalha na prefeitura e o pai, no governo do estado, ambos como assistentes administrativos.
“Eles trabalham bem menos e ganham bem mais que eu. Além disso, não trabalham em fim de semana nem em feriado. Eu não tenho folga”, lamenta.
Nataly não abandonou o desejo de fazer faculdade. No futuro ela pretende fazer direito – ela tem vontade de ser juíza, e seu grande sonho é trabalhar no Supremo Tribunal Federal (STF). “Quero ser ministra. O Joaquim Barbosaé meu ídolo”, diz.
Por enquanto, ela pretende conseguir a vaga de técnica no TRT e trabalhar com o que gosta: mexer com processos. “Aí vou poder fazer uma boa faculdade, depois prestar outros concursos para nível superior, inclusive para delegada. Gosto muito de estudar direito”, diz.
Meta é passar em concurso até 21 anos
Thalita Dall’Armi também disputará uma vaga no TRT do RJ. Ela chegou a passar em psicologia na UFRJ e desistiu porque decidiu prestar concurso. Thalita prestou o Enem em 2011.
“Acho muito importante ter meu dinheiro próprio, estabilidade, para depois fazer a faculdade que tenha a ver com o cargo que escolhi, que no caso é de direito”, diz.
A jovem pretende prestar o Enem no ano que vem para “usar” a graduação para participar de concursos públicos para cargos de nível superior.
A estudante faz curso preparatório pela manhã, trabalha à tarde em uma editora de livros para concursos como atendente e à noite descansa. Os sábados e domingos ela passa estudando e fazendo revisão.
Apesar de preferir trabalhar em tribunal, ela pretende fazer também concurso para o Banco do Brasil e Banco Central. “Vou fazer 20 anos em maio, até os 21 tenho que passar, essa é minha meta.”
O interesse por concursos surgiu bem antes de trabalhar na editora – ela começou a estudar há mais de um ano. Em agosto do ano passado, prestou o concurso do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ) e passou na 1.000ª posição – em disputa estavam 9 vagas. “Mas pra mim foi uma vitória, pois foram 32 mil concorrentes e eu estudei por apenas 8 meses”, afirma.
Estabilidade antes do diploma
Amábile Lucy de Souza Gomes, de 22 anos, trancou a faculdade no ano passado para investir nos estudos para concurso. Com formação de professora primária, ela foi demitida da escola na qual trabalhava. Era seu primeiro emprego. Foi o incentivo para decidir tentar uma vaga no serviço público. “Me dei conta de que não podia fazer planos a não ser que entrasse na área pública. Até pode ganhar menos, mas você sabe que não vai ser mandada embora”, diz.
Amábile terminou o ensino médio em 2009 e em 2010 passou no curso de serviço social da UFF. Quando estava no 5º semestre decidiu trancar o curso. Em 2011, começou a estudar para concurso. Já fez a prova do Banco do Brasil, na qual ficou na 4.000ª colocação entre 90 mil concorrentes.
Seu foco agora é a área bancária. Está esperando o próximo concurso do BB. “Não me identifico mais com serviço social, mas pretendo me formar para poder ter o nível superior e tentar concursos para cargos com essa escolaridade”. Para isso, Amábile diz que precisa de estabilidade para então estudar na universidade. “Aí então eu pretendo tentar Banco Central e BNDES”, planeja.
Ao comparar com os estudos para vestibular, Amábile acha que a preparação para concursos exige mais seriedade e dedicação. “Vestibular você faz por obrigação, concurso é por determinação, por vontade de crescer, de ter um emprego público, ter a vida inteira estabilizada.” Além disso, para ela, a competitividade é maior em concursos. “Mas é uma competitividade saudável. Você torce para as outras pessoas passarem e um ajuda o outro. Quando alguém passa revigora as forças dos demais”, diz.
“Em 4 anos você termina a faculdade. Emprego público é para a vida inteira. O concurso é mais importante que a faculdade. Você passa por mérito, tem estabilidade. Na faculdade você ainda é preparado para o mercado de trabalho privado”, argumenta.
A jovem diz que os editais de concursos pedem matérias que os estudantes nunca viram na vida. Por isso, ela até dá dicas para quem está começando: primeiro fazer um concurso mais fácil e depois partir para outros concursos mais disputados. “Quando você define uma área já sabe o que tem que estudar, o conteúdo muda pouco de um concurso para o outro. E todo o ano tem concurso da Caixa ou do BB, e BNDES tem quase todos os anos. Mas tem que estudar com antecedência, não com a saída do edital”, aconselha.
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