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NA MÍDIA
A classe média se rende ao emprego público
GEN Jurídico
09/05/2014
Autor da Editora Método, o especialista em concursos públicos Francisco Fontenele participou da matéria de capa da penúltima edição da Revista Isto É (30 abril / 2014), intitulada ‘A Explosão dosa Concursos: Os empregos públicos seduzem a classe média’.
Confira a matéria na íntegra:
— Matéria publicada na Revista Isto É —
Antes preferidos por mais velhos e por profissionais em final de carreira, hoje os concursos são disputados, em sua maioria, por jovens de até 35 anos, com boa formação acadêmica, que buscam estabilidade e bons salários
Salários competitivos, estabilidade, plano de carreira, ótimos benefícios e aposentadoria garantida. Não é de hoje que o serviço público atrai profissionais graduados, seduzidos por todos esses atrativos e cansados da insegurança do mercado de trabalho. A novidade é que o setor deixou de ser apenas o plano B de homens e mulheres próximos da meia-idade, ávidos por garantir uma velhice sem sobressaltos, para se tornar a primeira opção de jovens de até 35 anos, muitos ainda cursando a universidade. Eles formam um grupo grande entre os 12 milhões de brasileiros que estão se preparando neste momento para conseguir uma das 130 mil vagas previstas para 2014 – em 2015 serão mais 180 mil. Destes, 90% vêm da classe média, segundo Francisco Fontenele, especialista em concursos públicos. Para aquecer ainda mais essa indústria, que movimenta R$ 30 bilhões por ano, 2014 está recheado de boas oportunidades na área, com salários que podem ultrapassar R$ 20 mil. No topo da lista de desejos dos concurseiros estão as provas para agente da Polícia Federal, técnico e analista do Banco Central e técnico e analista do Ministério Público da União. Para se ter uma ideia, esse último exame registrou 69 mil inscritos, que concorreram a 263 vagas na última edição, em 2013, com uma relação candidato/vaga de 260.
Dayana Alves Silva Lopes, 25 anos, é um exemplo do novo perfil de candidato. Formada em administração de empresas, ela trabalhou quatro anos na área. Mas demissões, promoções que não aconteceram e outras frustrações fizeram a jovem mudar completamente o rumo de sua trajetória profissional. Desde setembro de 2013, a administradora acorda cedo e dedica oito horas do seu dia para estudar para concursos públicos. Seu plano já está traçado. Dayana vai prestar as próximas provas para escrevente e oficial de Justiça do Tribunal de Justiça de São Paulo, que exigem nível médio e pagam, respectivamente, R$ 4.190,37 e R$ 4.921. “Vou estudar até passar”, afirma. Mas a administradora não quer parar na primeira aprovação. Empossada, ela deve começar a estudar para outra prova, repetindo um hábito comum entre aqueles que entram no setor público. “Tentarei um concurso para nível superior, mais difícil ainda, por causa da concorrência.”
A indústria dos concursos é um mercado bilionário,
que movimenta cerca de R$ 30 bilhões por ano
O serviço público se torna ainda mais atraente em tempos de vulnerabilidade econômica. “Como vivemos momentos de altos e baixos, se o lucro e a produção caem no setor privado, as vagas fecham e os salários diminuem. Isso não acontece no setor público”, diz Ernani Pimentel, um dos fundadores da Associação Nacional de Proteção e Apoio aos Concursos (Anpac). “Por isso acredito que a procura tem aumentado tanto.” A mesma percepção permeou a decisão de Dayana de entrar no setor. “Não quero chegar a uma certa idade em um cargo alto e ser demitida para que no meu lugar coloquem alguém mais novo e com um salário menor do que o meu. E é isso o que vejo acontecer ao meu redor”, diz.
Os valores dos salários, claro, também atraem. A remuneração pode ir desde o salário mínimo até uma média de R$ 15 mil, como é o caso da vaga para fiscal da Receita Federal, e chegar a R$ 23 mil, nos cargos do Poder Judiciário. Mas há um grande número de candidatos que também têm interesse pela função em si, contrariando o estereótipo do servidor público que quer um salário razoável para ocupar um cargo que não lhe exija muito esforço. O advogado Maurício de Farias Castro, 25 anos, está nesse time. Formado desde 2011, ele estuda para entrar no Ministério Público. “Desde a faculdade tenho esse objetivo, pois é uma instituição que admiro muito”, diz. A rotina de Castro é muito rígida. “Trabalho no meu escritório das 7h45 às 17h30. Até 18h40, estudo antes de ir para o curso preparatório. Tenho aula por quatro horas e, quando volto para casa, estudo de novo até a 1h.” O advogado teve ainda mais certeza do que queria quando sofreu um baque na família. Sua mãe foi assassinada e até hoje não se sabe quem foi o autor do crime nem há qualquer resposta sobre o caso, que foi arquivado pela polícia.
Apesar de a mentalidade em relação ao servidor público estar começando a mudar, ainda há um longo caminho a ser percorrido para padronizar legalmente a execução das provas. Estima-se que, anualmente, cerca de 20% delas apresentem problemas, que vão desde questões sem resposta a inconstitucionalidades nos editais. “É fundamental que existam regras claras”, afirma o senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), relator do substitutivo ao Projeto de Lei 74/2010, aprovado em julho de 2013 no Senado, que prevê a regulamentação de algumas normas para aplicação de concursos em âmbito federal. Entre outras mudanças, está previsto o fim dos exames feitos somente para o chamado cadastro de reserva, aqueles em que existe a possibilidade de ninguém ser convocado. “Essa prática parece ter virado uma máquina de fazer dinheiro”, diz Rollemberg. O texto também prevê que os editais sejam lançados com antecedência mínima de 90 dias, as inscrições estejam disponíveis na internet, a taxa de inscrição seja, no máximo, de 3% do valor da remuneração inicial do cargo e que todos os resultados das provas sejam objetiva e tecnicamente fundamentados, entre outras mudanças. Na Câmara dos Deputados, para onde seguiu o projeto, o relator da Lei Geral dos Concursos é o deputado Paes Landim (PTB-PI). A expectativa é que a matéria seja aprovada na Casa no começo do segundo semestre para depois retornar ao Senado.
A legislação é um passo fundamental para firmar a credibilidade de alguns concursos, questionada justamente pela falta de transparência. “Já vi situações em que a banca abre um período de inscrição muito curto; assim, aqueles que já teriam sido escolhidos para a vaga saberiam dos concursos antes e poderiam se preparar”, diz Ernani Pimentel, da Anpac. Há também denúncias de bancas que incluem novos conteúdos a poucos dias do exame, fazendo com que muitos cheguem despreparados, enquanto outros recebem a informação antes da divulgação da mudança. Espera-se que, após aprovada, a Lei Geral dos Concursos possa nortear nova legislação também nos Estados e municípios brasileiros. “Para dotarmos a máquina pública com bons servidores é preciso seguir o princípio da isonomia, possibilitando oferta igual para todos”, afirma Francisco Fontenele, que também é diretor pedagógico da rede de cursos preparatórios LFG. Muitos profissionais de alto nível saem prejudicados pela falta de normatização. Para Alessandro Dantas, coautor do livro “Concurso Público – Direitos Fundamentais dos Candidatos” com Fontele e consultor jurídico da Associação Nacional de Defesa e Apoio ao Concurseiro (Andacon), não é só porque um item consta no edital que ele é válido. “Há muita ilegalidade. O concurseiro precisa buscar a lei existente ao notar qualquer injustiça” (leia quadro na pág. 58).
Foi o que fez Paulo Victor Mendes Pereira, 27 anos. Em 2010, ele foi aprovado em primeiro lugar como analista de arquivologia em Porto Velho (RO). Mesmo sabendo que era o caso de cadastro de reserva, Pereira ficou animado. Se chamassem alguém, seria ele. Mas dois anos se passaram e nenhuma vaga foi aberta. “Decidi entrar na Justiça com um grupo de 50 pessoas, todas candidatos aprovados em primeiro lugar no mesmo concurso, só que para postos diferentes.” Até agora, não há sinal do tão sonhado cargo, que na época tinha remuneração de R$ 7 mil. “Cheguei a entrar em contato com a Procuradoria em Rondônia. Eles solicitaram minha vaga, mas, mesmo assim, não fui chamado.” Decepcionado, ele não pensa em prestar outro concurso tão cedo. “É frustrante.” Mais otimista, Anderson Carlos dos Santos, 29 anos, ainda espera ser convocado na segunda chamada, embora nem a lista da primeira tenha saído, para uma cadeira no Banco do Brasil, cujo resultado foi divulgado no começo deste ano. “Estudei num curso de três meses, mas fiz a prova antes mesmo de concluí-lo”, diz Santos, que também é músico e pretende manter as carreiras paralelamente.
Entre as mudanças da nova lei de concursos
está previsto o fim do cadastro de reserva
Se para alguns alunos um curso preparatório de três meses é suficiente, para a maioria alcançar a vaga pretendida pode exigir muito mais tempo e dedicação. Por isso, para as provas mais concorridas, a recomendação dos especialistas é começar a se preparar o quanto antes. No geral, e principalmente para os cargos que exigem formação em direito, o tempo de estudo para passar em um concurso vai de dois a três anos. Com isso em mente, muitos jovens universitários decidem começar a estudar antes mesmo da formatura. A estudante Aline da Silva Dias, 21 anos, concluirá a graduação em direito em 2015, mas já acompanha aulas do curso preparatório. “Quero seguir carreira na Promotoria”, diz. Aline chegou a tentar um cargo de assistente administrativa no Banco Central no fim do ano passado, mas não foi aprovada. “Não é fácil assim. É preciso conhecer alguns macetes das provas”, diz.
Para os concursos que exigem somente o nível médio, a procura tem começado ainda mais cedo. Adolescentes prestes a entrar na universidade ou no início do curso já tentam um posto no serviço público para garantir o emprego. Andreluci de Oliveira Barbosa Figueiredo, 24 anos, é hoje oficial administrativa da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo, mas se tornou servidora pública mais cedo, aos 19, quando ainda estudava direito. Na época, ela conseguiu uma vaga de inspetora de alunos em uma escola. Depois, prestou outro concurso e entrou em um estágio numa procuradoria. Andreluci tem certeza de que essa fase foi essencial para definir seu atual sonho de se tornar procuradora. “Ainda não há edital aberto, mas já comecei a pegar firme nos estudos para me preparar”, diz. “Dedicação diária é imprescindível. E, no meu caso, estudar em casa não dá muito certo, preciso de uma rotina de cursinho.” No atual cargo, que exige nível médio, a jovem tem remuneração de R$ 1,5 mil. Quando atingir o objetivo, poderá ganhar cerca de dez vezes mais.
Com uma maior oferta de vagas e mais interessados a cada ano, a área dos concursos públicos forma um mercado bilionário, envolvendo publicações específicas, cursos preparatórios, livros com dicas e jornais direcionados. Calcula-se que o gasto anual dos candidatos em fase de preparação, incluindo material didático, inscrições e mensalidades de cursos, seja de R$ 8 mil a R$ 10 mil. Dependendo do cargo, esse investimento se torna imprescindível, em razão do número de candidatos preparados para enfrentar as provas. E eles estão por dentro não só do conteúdo, mas também dos macetes para se dar bem nos testes, em um esquema parecido com o das provas do vestibular. “Dou aulas há 20 anos e nunca vi um nível de preparação tão alto como o de hoje em dia”, afirma o professor Julio Cesar Hidalgo, da Central de Concursos. E a cada novo edital o número de interessados só cresce. “Brinco que quando abre um precisamos colocar carteira beliche, de tanta gente nova que aparece.”
Para os especialistas, as provas precisam ser mais
transparentes e os editais devem ser lançados
com antecedência mínima de 90 dias
Um dos problemas dos novos concurseiros, para Hidalgo, é não ter um objetivo específico. “Não dá para pular de prova em prova só porque abriu um edital. É preciso mirar em um cargo e estudar para ele”, diz. Para quem pensa em ser auditor fiscal da Receita Federal, por exemplo, um dos postos mais visados do serviço público, é necessário começar a se preparar o quanto antes, mesmo quando não há um novo edital. Essa é uma das regras de ouro dos concurseiros. Outra orientação dos especialistas na área é entender que o serviço público, pelo menos nas vagas com salários de dois dígitos, é um projeto de médio a longo prazo. Por isso, é essencial ter paciência até conseguir alcançar o posto e o holerite almejados. E de nada adianta seguir as duas orientações se não houver disciplina nos estudos. “Fazendo cursinho ou estudando sozinho, é preciso estabelecer uma rotina fixa de dedicação”, diz Hidalgo. Os milhões de pessoas que brigam pela tão sonhada carreira pública, e aquelas que já conseguiram entrar nela, garantem que seguir essas orientações vale a pena.
Para entrar num concurso muito
disputado, cujo salário ultrapassa os dois
dígitos, o tempo de preparação ultrapassa dois anos