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Reflexões chuvosas sobre a Lei das Federações Partidárias ou a volta disfarçada das coligações proporcionais

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21/10/2021

Neste artigo, Luiz Carlos dos Santos Gonçalves propõe questionamentos acerca da similaridade entre a Lei das Federações Partidárias e a vedada coligação proporcional. Acompanhe!

Ao contrário do senso comum, um dos problemas institucionais brasileiros não é o grande número de partidos políticos, mas a chamada “fragmentação partidária” nas casas legislativas[1].     

A liberdade de criação de partidos políticos é garantia constitucional, trecho inafastável de um regime de liberdades e pluralismo político.

Todavia, quando o Congresso Nacional, por exemplo, é integrado por membros de mais de vinte partidos políticos[2], tem-se um problema: as negociações políticas entre o Poder Executivo e o Legislativo, imprescindíveis numa democracia, correm o risco de se tornar um grande varejo, com demandas individuais que se sobrepõem a debates ideológicos e plataformas de atuação.

Isso não tem dado certo em nosso país, afirmo, de modo contido.

O Congresso Nacional aprovou, em 2017, uma Emenda Constitucional que o passar dos anos mostrou ter sido corajosa: a de número 97. Ela exige certo percentual de apoiamento eleitoral para que os partidos recebam recursos do Fundo Partidário e tenham acesso aos programas de propaganda eleitoral gratuita. Traz a chamada “cláusula de barreira”. Começa com 1,5% dos votos válidos para a Câmara dos Deputados ou a eleição de nove Deputados Federais (eleições de 2020) e alcança a exigência de 3% dos votos válidos ou a eleição de quinze Deputados Federais (eleições de 2030).

A Emenda 97 também proibiu, a partir das eleições de 2020, a realização de coligações proporcionais, ou seja, essa união temporária de partidos para a disputa para os cargos de deputado ou vereador.

Este tipo de coligação trazia uma grande distorção no sistema representativo brasileiro, pois o voto dado a um candidato poderia ser aproveitado por outro, de um partido diferente, não raro com ideologia contrastante com a daquele primeiro.

A junção destes dois comandos – apoiamento eleitoral mínimo e proibição de coligações proporcionais – significou um ataque eficiente ao problema da fragmentariedade partidária, desestimulando os chamados partidos “cartoriais”, sem ideologia definida, que sobrevivem com recursos públicos e negociações pouco republicanas de apoios.

É certo, outrossim, que alcançou partidos sérios e ideológicos, que nem sempre são sucessos de urna, o que, do ponto de vista da qualidade da representação política, se lastima.

Mal o experimento das medidas da Emenda 97 começou, e se iniciou a tentativa de revogá-la ou mitigá-la. A Câmara dos Deputados, por exemplo, aprovou Projeto de Emenda Constitucional, agora em 2021, que reintroduzia as coligações proporcionais. Em boa hora a proposição foi recusada pelo Senado Federal.

Lei das Federações Partidárias

É nesse contexto que surgiu a recente Lei 14.128, de 28 de setembro de 2021. Ela permite a criação de “Federações Partidárias”, reunião de partidos que, ao contrário das coligações tradicionais, não se exaure com o término do processo eleitoral, mas deve permanecer por, ao menos, quatro anos.

A federação:

i) terá abrangência nacional;

ii) funcionará como um único partido;

iii) deve obter registro no Tribunal Superior Eleitoral e,

iv) pode ser criada até a data das convenções partidárias. Sua formação dependerá de resolução tomada pela maioria absoluta dos votos dos órgãos de deliberação nacional de cada um dos partidos que a integrarão. Ela precisará ter um programa e um estatuto, art. 1º, § 6º, II e deverá ser eleito um órgão de direção nacional, inciso III. Essas exigências a aproximam de uma modalidade de “fusão temporária” de partidos, mas o art. 1º., § 2º., diz que os partidos federados conservarão sua identidade e autonomia.

O objetivo destas federações parece ser o alcance das exigências de votação mínima ou eleição de deputados, para que os partidos prossigam recebendo recursos do Fundo Partidário e tendo acesso ao horário eleitoral gratuito.

O problema da Lei das Federações Partidárias

O problema, porém, surge nos seguintes parágrafos do art. 1º, da Lei 14.208/2021:

§ 7º O estatuto de que trata o inciso II do § 6º deste artigo definirá as regras para a composição da lista da federação para as eleições proporcionais. 

§ 8º Aplicam-se à federação de partidos todas as normas que regem as atividades dos partidos políticos no que diz respeito às eleições, inclusive no que se refere à escolha e registro de candidatos para as eleições majoritárias e proporcionais, à arrecadação e aplicação de recursos em campanhas eleitorais, à propaganda eleitoral, à contagem de votos, à obtenção de cadeiras, à prestação de contas e à convocação de suplentes. 

Os parágrafos acima permitem entender que os partidos federados lançarão chapa única para concorrer aos cargos de deputados federais e estaduais e vereadores.  Será usada a soma de votos dados a eles para atingimento do quociente eleitoral e a indicação de número de cadeiras a que ela, a federação, fará jus. As vagas serão atribuídas aos candidatos federados  mais bem votados.

A pergunta que incomoda como uma coceira  é a seguinte: qual a diferença entre a Lei das federações partidárias, nas eleições proporcionais, e a constitucionalmente vedada coligação proporcional?

Ah, na federação, os partidos terão um programa comum e, por quatro anos, os eleitos agirão como se fossem integrantes de um mesmo partido. É alguma coisa, não se pode negar. Mas será que, na prática, ao votar na Federação “X” o eleitor não se sentirá votando na coligação proporcional PX-PY-PW-PK-PZ, como fazia anteriormente?

Será que a Federação conjura o risco de o eleitor votar num candidato que reputa honesto e ajudar a eleger outro que reputa um salafrário? O voto num candidato alinhado a teses de esquerda não ajudará a eleger outro, de direita, ou vice-versa? Esse programa comum da federação partidária terá o mínimo de densidade para evitar esses extravios? O Tribunal Superior Eleitoral poderá recusar o registro de uma federação cujo programa seja amorfo ou por demais genérico?

Chove em Tiradentes, MG. Muito, sem parar, feriado afora. Pode ser que, como a chuva longa de Macondo[3], esta influencie minhas conclusões. A muralha da Serra de São José, que domina o horizonte da cidade, está imersa em nuvens. O chão da Igreja Matriz de Santo Antonio está molhado pelo gotejamento das sombrinhas e guarda-chuvas. Não dá para apreciar a seco o lindo casario com suas portas azuis e janelas coloridas. Os carros passam nas poças d’água e projetam água suja nos pedestres.

Quem teve a ideia de permitir que automóveis andem nas ruas do Centro Velho de tão linda cidade?

Fonte: A Cachaça Eleitoral

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NOTAS

[1] Nesse sentido, Jairo Nicolau: “Representantes de Quem? Os (des) caminhos de seu voto da urna à Câmara dos Deputados. Rio de Janeiro, Zahar, 2017.

[2] Disponível em: https://www.camara.leg.br/Internet/Deputado/bancada.asp

[3] Onde, segundo Gabriel Garcia Marquez – Cem anos de solidão – choveu quatro anos, onze meses e dois dias.

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