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IDENTIDADE CULTURAL

TUPY

Marcílio Toscano Franca Filho

Marcílio Toscano Franca Filho

08/01/2018

Sobre a identidade cultural

Por Inês Virgínia Soares[1] e Marcílio Franca

Poucos dias atrás, perdemos Frans Krajcberg artista plástico brasileiro nascido na Polônia, em 1921, e radicado em nosso país desde o final da década de 1940. Mas Krajcberg não seria polonês? Segundo o próprio Frans, não: ele era brasileiro e sua obra refletia esse pertencimento ao criticar a degradação do meio ambiente nacional, denunciando os malefícios das queimadas, da exploração descontrolada de minérios, do desmatamento da floresta amazônica.

O escritor Kasuo Ishiguro, vencedor do Prêmio Nobel de literatura de 2017, foi apresentado pela imprensa como japonês (El País), britânico com ascendência japonesa, nipo-britânico (Globo), novelista britânico nascido no Japão (Washington Post), japonês radicado na Inglaterra (New York Times). Logo em seguida, as notícias destacaram que Ishiguro é o 29° autor de língua inglesa a ganhar o prêmio (Globo) ou que é o segundo japonês a receber a distinção (New York Times). Em entrevistas, o Nobel de literatura de 2017 contou que, no seio familiar, com seus pais, sempre falou em japonês. Mas, morando na Inglaterra desde os seis anos, foi alfabetizado em inglês e teve uma formação cultural formal nesta língua.

A língua com que nos expressamos publicamente e que nos mostramos para o mundo é a que define nossa a identidade cultural? Ou seria a língua materna, usada no seio da família, aquela que pauta nossa expressão mais crua do (no) mundo? Talvez seja um pouco de tudo isso, pois em entrevista recente, publicada no Globo após sua premiação, Ishiguro revelou que está envolvido em um novo projeto: a escrita de uma novela gráfica (algo como uma história em quadrinhos mais sofisticada), num claro retorno às suas raízes, ou às memórias de sua infância japonesa, “quando lia mangá”, explicou. Mas, e se a novela gráfica for escrita (como provavelmente o será) em inglês? Podemos, ainda assim, considerá-la uma expressão cultural nipônica produzida em língua inglesa? O caldeirão cultural só não foi maior do que o produzido pela banda de rock Arandu Arakuaa, que toca heavy metal em tupi-guarani.

No Brasil, a maior escritora de nossa língua, Clarice Lispector, nascida Chaya Lispector, era Ucraniana e filha de ucranianos e, assim como Krajcberg, também se sentia brasileira, tão  pernambucana quanto Manuel Bandeira ou Nelson Rodrigues.

E mais: quem disse que a língua portuguesa reina absoluta como língua brasileira? Desde 1988, o português tem dividido espaço com outros falares brasileiros, embora continue a ser o idioma nacional e a língua oficial, conforme disposto na Constituição, no art. 13 caput.  As comunidades brasileiras falantes de LIBRAS, de línguas indígenas, afro-brasileiras e de imigração encontram no texto constitucional fundamentação que permitem que se expressem em seus próprios idiomas nas relações de repercussão pública.

A valorização da diversidade lingüística no Brasil não modifica a predominância da língua portuguesa nem permite se falar na possibilidade de oficialidade de pluralismo lingüístico no ordenamento jurídico brasileiro: a fala e a comunicação devem ser prioritariamente em português quando praticadas pelos órgãos públicos, nos espaços públicos e nas relações privadas com qualquer repercussão social ou pública, a menos que uma lei excepcione seu uso ou garanta a possibilidade de expressão em outra língua, com base na diversidade cultural. Por isso, fica a questão se o art. 224 do Código Civil é válido para documentos produzidos em outras línguas brasileiras diferentes do português. “Art. 224. Os documentos redigidos em língua estrangeira serão traduzidos para o português para ter efeitos legais no País.” Afinal, se um município cooficializa e admite o bilinguismo, por que exigir a redação de documentos em português, se a outra língua não é estrangeira?

Por mais paradoxal que pareça, nacionalidade, pertencimento, idioma e origem não são eixos fundamentais para a fixação do patrimônio cultural de um lugar. Dito de outra forma: não há dúvidas, por exemplo, de que uma pintura dos estrangeiros Debret, Rugendas, Post ou Eckhout  constitui verdadeiro patrimônio cultural brasileiro. Aliás, a presença nas artes visuais brasileiras de artistas estrangeiros é tão forte que não é possível compreender a arte no Brasil sem recorrer à contribuição, por exemplo, de gente como o italiano Alfredo Volpi, a japonesa Tomie Ohtake, o lituano Lasar Segall ou a suíça Mira Schendel.

Há poucas semanas, o governo americano repatriou ao Brasil noventa e cinco obras de arte ligadas ao acervo do falido Banco Santos. Os bens incluem artistas como Jean-Michel Basquiat, Louise Bourgeois, Francis Picabia, Henry Moore e Anish Kapoor. Alguém poderia argumentar, com alguma legitimidade, que essas obras seriam parte do patrimônio cultural nacional. A questão não é meramente retórica e uma resposta positiva levaria à competência de organismos como o IPHAN e o Ministério da Cultura para intervir no processo.

Muitas cidades brasileiras como Recife, Florianópolis ou João Pessoa, nos últimos anos, criaram leis locais que obrigam a instalação de esculturas diante de novos lançamentos imobiliários como condição para que se obtenha o “habite-se”. A maior parte dessas leis municipais criou uma reserva de mercado para os artistas locais, estabelecendo uma distinção entre brasileiros na sua livre expressão artística. Mais uma vez, a interveção do Estado na cultura foi polêmica. Uma obra de Krajcberg, Volpi ou Segall não se enquadraria nas condições para o “habite-se”?  Em 1930, Carlos Drummond de Andrade publicou uma crítica ácida à localidade da arte. Com o poema “Política Literária”, provocou:

“O poeta municipal

discute com o poeta estadual

qual deles é capaz de bater o poeta federal.

Enquanto isso o poeta federal

tira ouro do nariz”


[1] Inês Virgínia Prado Soares é Procuradora Regional da República em São Paulo, Doutora em Direito pela PUC-SP, com pós-doutorado no Núcleo de Estudos de Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP) e autora do livro “Direito ao(do) Patrimônio Cultural Brasileiro” (Ed. Forum). Marcílio Franca é membro do Conselho Executivo da International Law Association (ILA) e árbitro suplente do Tribunal Permanente de Revisão do MERCOSUL.. É Doutor em Direito pela Universidade de Coimbra, fez pós-doutorado no Instituto Universitário Europeu de Florença (Itália) e é coautor do livro “Direito da Arte” (Ed. Atlas). É membro do Ministério Público de Contas da Paraíba e professor da UFPB.

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