GENJURÍDICO
Taquigrafia, Assembleia Constituinte de 1823 e o STF

32

Ínicio

>

Artigos

>

História do Direito

ARTIGOS

HISTÓRIA DO DIREITO

Taquigrafia, Assembleia Constituinte de 1823 e o STF

Gustavo Martins de Almeida

Gustavo Martins de Almeida

02/08/2024

A motivação deste artigo surgiu da recente visão da mesa de taquigrafia do Supremo Tribunal Federal, que apesar de não mais cumprir sua função, permanece no local a ela destinado no plenário do STF. Em minha primeira visita a Suprema Corte, em 1981 testemunhei o trabalho das taquígrafas na anotação de debates e votos.

Uma imagem contendo no interior, mesa, quarto, janela

Descrição gerada automaticamente

A breve retrospectiva a seguir integra um foco de minha pesquisa habitual; as transformações sociais e jurídicas que decorrem da evolução tecnológica.

Taquigrafia, ou escrita rápida, é o método de escrita através de sinais utilizado para rápido registro de textos falados, como discursos e debates. Sua história remonta a Grécia Antiga, passa por um período de esquecimento e no séc. 16 é retomada, se aperfeiçoando daí em diante. No Brasil foi utilizada desde a Colônia, até final do séc. XX.

Assembleia Constituinte de 1823

Para registro dos trabalhos da Assembleia Constituinte do Império, realizados entre 1823 e 1824, foram contratados serviços de taquigrafia, sem os quais não poderiam ter sido registrados e reproduzidos os intensos debates realizados. O método de trabalho foi minudentemente explicitado, sendo de se destacar que:

Jornal com texto preto sobre fundo branco

Descrição gerada automaticamente com confiança média

Ao longo dos trabalhos é comum ocorrer, devido ao vozerio e rapidez dos discursos – como informou, em conversa com o autor, o Mestre em História, Prof. Arno Wehling – registros de impossibilidade de audição, como o seguinte:

Jornal com texto preto sobre fundo branco

Descrição gerada automaticamente

Mas graças ao trabalho dos “tachygraphos” foi possível editar os Annaes da Constituinte, disponíveis no site do Senado Federal (https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/222325). Aliás, no próprio Senado havia a regulamentação do trabalho dos “tachygraphos”, que abrangia, conforme o Regulamento:

Texto

Descrição gerada automaticamente

Discurso proferido por Rui Barbosa em 05.6.1902 no Congresso Nacional, acerca do mandado de manutenção, “Oposição do Poder Executivo em Cumprir uma ordem do Poder Judiciário” só foi possível ser transcrito por sua “tradução taquigráfica”, como constou das “Obras Completas de Rui Barbosa” Discursos Parlamentares (vol. XXIX, t. V)1:

Texto

Descrição gerada automaticamente

Texto

Descrição gerada automaticamente

p.45

E mais adiante:

Texto preto sobre fundo branco

Descrição gerada automaticamente

p.82

Em 1912 foi fundada a escola Remington de datilografia e taquigrafia, que sobreviveu até recentemente. Veja anuncio do Jornal do Brasil, publicado em 1940:

Texto

Descrição gerada automaticamente com confiança média

STF

Sucedendo o Supremo Tribunal de Justiça do Império2, o Supremo Tribunal Federal, no período da República, foi criado pelo Decreto 510, de 22.6.18903 e teve seu primeiro Regimento Interno em 1891, dele constando, no art. 49:

“Art.49. É facultado ao relator ou ao juiz que houver de redigir a sentença levar os autos para apresentar a redigida na sessão imediata ponto em todo o caso ela só será lançada nos autos pelo secretário depois de aprovada a redação e qual a data do dia em que foi proferida.”

Naquela época a redação dos votos para julgamento nas sessões, sua transcrição para os autos e a remessa para o Diário Oficial correspondiam a três atos isolados de escrita manual. Sobre a história da redação de acórdãos no STF, recomenda-se a leitura da primorosa tese de Guilherme Forma Klafke, Continuidade e Mudanças no Atual Modelo de Acórdãos do STF4.

Posteriormente, o Decreto 19.656 de 1931, pelo qual Getúlio Vargas “Reorganiza provisoriamente o Supremo Tribunal Federal e estabelece regras para abreviar os seus julgamentos”, estipulou:

Art. 6º Os relatórios, discussões e votos, em cada julgamento, serão taquigrafados, e redigidos convenientemente juntando-se aos autos respectivos cópia, que o relator reverá, rubricando-a, e a ela se reportando no acordão que, a seguir, lançará, manuscrito ou datilografado, assinando com o juiz que tiver presidido o julgamento.

Parágrafo único. Os demais juizes só assinarão o acordão se o pedirem.

Durante anos o STF se utilizou das notas taquigráficas para a redação de acórdãos e registro de debates dos Ministros, como se vê nos seguintes, o primeiro de 1942, sob a Presidência de Laudo de Camargo, e o segundo, sobre a fonte de interpretação, curiosamente relatado por Carlos Maximiliano em 1940:

Texto, Carta

Descrição gerada automaticamente

…………………………………….

AI 9314

Relator(a): Min. CARLOS MAXIMILIANO

Julgamento: 29/10/1940

Ementa

No caso de divergência entre o acórdão lavrado e o que

informa as notas taquigráficas, é a estas que se prefere.

Por vezes ocorriam falhas, como nesse julgamento de 1951:

Órgão julgador: Segunda Turma

Relator(a): Min. AFRÂNIO COSTA – CONVOCADO

Redator(a) do acórdão: Min. ROCHA LAGOA

Julgamento: 10/04/1951 Publicação: 25/10/1951

Ementa

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM FUNDAMENTO EM DIVERGENCIA

JURISPRUDENCIAL. EXCEPÇÃO DECLINATORIA FORI. DEVE SER

PACTUADA DE MODO INEQUIVOCO A ELEIÇÃO DE FORO DIVERSO DO LEGAL.

Decisão

Suprindo omissão das notas taquigraficas, ficou declarando que o

recurso foi conhecido contra os votos dos Exmos. Srs. Ministros Orozimbo Nonato

e Lafayette de Andrada, e desprovido contra os votos dos Exmos. Srs. Ministros Relatôr e Edgard Costa.

No atual Regimento Interno do STF constam as várias alterações feitas pela Emenda Regimental 26, de 22.10.20085, que suprimiu a taquigrafia como forma de registro de atos:

Texto

Descrição gerada automaticamente

Texto

Descrição gerada automaticamente

O Regimento Interno do STF prevê a transcrição “da discussão, dos votos orais” (RISTF art. 96), mas as sustentações orais não são transcritas.

O fato é que os Tribunais brasileiros, com a chegada das gravações em áudio, e depois com as gravações audiovisuais e transmissões on line, praticamente aposentaram as notas taquigráficas.

No entanto, o Código de Processo Civil atual não desprezou a taquigrafia, expressamente referida nos arts. 210, 460 e 944:

 Art. 210. É lícito o uso da taquigrafia, da estenotipia ou de outro método idôneo em qualquer juízo ou tribunal.

…………..

Art. 460. O depoimento poderá ser documentado por meio de gravação.

§ 1º Quando digitado ou registrado por taquigrafia, estenotipia ou outro método idôneo de documentação, o depoimento será assinado pelo juiz, pelo depoente e pelos procuradores.

……………

Art. 944. Não publicado o acórdão no prazo de 30 (trinta) dias, contado da data da sessão de julgamento, as notas taquigráficas o substituirão, para todos os fins legais, independentemente de revisão.

Desde 1966, ao menos, na sede de Brasília, consta a mesa de taquigrafia, como se vê nessa fotografia de 1966, do plenário do Tribunal6.

Foto em preto e branco de pessoas sentadas ao redor de uma mesa

Descrição gerada automaticamente

Texto

Descrição gerada automaticamente

No julgamento do impeachment da então Presidente Dilma Rousseff a taquigrafia ocupou seu lugar7:

Taquigrafia do Supremo Tribunal Federal em posição nobre e estratégica

Hoje, a mesa serve de suporte para o monitor de vídeo do Presidente, mas as cadeiras das taquígrafas e taquígrafos continuam em sua posição de origem. Por ser tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) desde 2007, o prédio do STF não pode ser alterado, segundo informa o site do STF 8,

Plenário do Supremo Tribunal Federal. Foto: Reprodução/TV Justiça

O STF vai se modernizando, mas os móveis, como as icônicas poltronas de espaldar alto, desenhadas pelo designer Jorge Zalzuspin, lá permanecem9.

O fenômeno de relativa perda de utilidade de bens em decorrência da evolução tecnológica se verifica com a mesa das taquígrafas, não mais utilizadas, pois a gravação sonora – e agora audiovisual – dispensou a transcrição das falas dos Ministros durante os julgamentos, assim como as máquinas datilograficas foram substituídas por máquinas impressoras.

É o fenômeno da ressignificação dos bens e conceitos, que cada vez mais se acelera no mundo contemporâneo. Mas o apagão cibernético, pelo qual passou o mundo em julho deste ano, pode requerer, ainda que temporariamente, o recurso ao mundo das anotações manuscritas.

Como disse o poeta carlo Levi, “O futuro tem um coração antigo.”


LEIA TAMBÉM


NOTAS

1 http://antigo.casaruibarbosa.gov.br/rbonline/obrasCompletas.htm

2 Constituição Política do Imperio do Brazil de 1824

Art. 163. Na Capital do Imperio, além da Relação, que deve existir, assim como nas demais Provincias, haverá tambem um Tribunal com a denominação de – Supremo Tribunal de Justiça – composto de Juizes Letrados, tirados das Relações por suas antiguidades; e serão condecorados com o Titulo do Conselho. Na primeira organisação poderão ser empregados neste Tribunal os Ministros daquelles, que se houverem de abolir.

Art. 164. A este Tribunal Compete:

I. Conceder, ou denegar Revistas nas Causas, e pela maneira, que a Lei determinar.

II. Conhecer dos delictos, e erros do Officio, que commetterem os seus Ministros, os das Relações, os Empregados no Corpo Diplomatico, e os Presidentes das Provincias.

III. Conhecer, e decidir sobre os conflictos de jurisdição, e competencia das Relações Provinciaes.

Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm

3https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoPublicacaoInstitucionalCuriosidade/anexo/Plaqueta__O_Supremo_Tribunal_Federal__1976.pdf

4 https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2134/tde-07082020-022603/pt-br.php

5 https://www.stf.jus.br/ARQUIVO/NORMA/REGIMENTOINTERNO-C-1980.PDF

6 Catálogo Histórico do Museu Digital, p. 177

7 https://taquigrafos.com.br/taquigrafia-do-supremo-tribunal-federal-em-posicao-nobre-e-estrategica/

8 https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=523944&tip=UN

9 https://www.migalhas.com.br/quentes/379898/poltrona-de-ministros-do-stf-foi-desenhada-por-jorge-zalszupin

Assine nossa Newsletter

Li e aceito a Política de privacidade

GENJURÍDICO

De maneira independente, os autores e colaboradores do GEN Jurídico, renomados juristas e doutrinadores nacionais, se posicionam diante de questões relevantes do cotidiano e universo jurídico.

Áreas de Interesse

ÁREAS DE INTERESSE

Administrativo

Agronegócio

Ambiental

Biodireito

Civil

Constitucional

Consumidor

Direito Comparado

Direito Digital

Direitos Humanos e Fundamentais

ECA

Eleitoral

Empreendedorismo Jurídico

Empresarial

Ética

Filosofia do Direito

Financeiro e Econômico

História do Direito

Imobiliário

Internacional

Mediação e Arbitragem

Notarial e Registral

Penal

Português Jurídico

Previdenciário

Processo Civil

Segurança e Saúde no Trabalho

Trabalho

Tributário

SAIBA MAIS

    SAIBA MAIS
  • Autores
  • Contato
  • Quem Somos
  • Regulamento Geral
    • SIGA