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A solução de sempre
Luiz Henrique Lima
20/12/2016
Diante da gravidade da crise econômica e do desequilíbrio das contas públicas em todas as esferas, multiplicam-se proposituras de soluções legislativas: são propostas de emendas constitucionais, leis complementares e ordinárias, decretos e portarias, além de outras dúzias de normas necessárias para regulamentar a execução e o cumprimento das anteriores. Trata-se, aliás, de uma peculiar característica de nossa cultura. Diante de um problema, a solução de sempre é a edição de uma nova regra legal.
Como também sou brasileiro, pus-me a imaginar uma proposta de lei destinada a estabelecer uma disciplina fiscal para o país para prevenir o caos nas finanças públicas. Na lei que matutei, seriam estabelecidas normas de planejamento, fixação de metas e responsabilidade na gestão fiscal. Seriam definidos limites para gastos com despesas de pessoal e para o endividamento do setor público. Os ativos previdenciários seriam protegidos, segregando-se suas contas das disponibilidades de caixa dos tesouros. A concessão de novos compromissos com a seguridade social seria precedida da definição de fontes de financiamento suficientes.
Além disso, a renúncia fiscal seria controlada, devendo sempre ser acompanhada de medidas de compensação para não frustrar a receita pública. Novos projetos e obras somente seriam contemplados no orçamento depois de assegurados recursos para conclusão das obras em andamento e para a adequada manutenção do patrimônio público. Ao final do mandato, os gestores não poderiam assumir compromissos além de suas disponibilidades de caixa, para não comprometer o início de mandato de seus sucessores.
Adicionalmente, seriam previstas formas de monitoramento sistemático da obediência aos limites, mediante relatórios detalhados, bimestrais e quadrimestrais, disponibilizados para os Legislativos e Tribunais de Contas e divulgados para toda a sociedade. Em caso de haver risco de extrapolação dos limites, seriam disparados alertas e adotadas medidas de contingenciamento para evitar o pior. E na hipótese dos limites serem ultrapassados, a lei fixaria medidas e prazos para o retorno à normalidade, bem como sanções administrativas e financeiras. Nos casos mais graves, como a gastança sem limites no final de mandato, haveria condenação penal, com penas privativas de liberdade.
A lei por mim sonhada daria concretude aos princípios orçamentários previstos na Constituição brasileira, especialmente os do equilíbrio, programação, especificação, publicidade e transparência.
Comentando com um amigo, ele me disse que uma lei como essa jamais seria aprovada. Outro, no entanto, mais bem informado, me esclareceu que todas essas normas já existem no direito brasileiro, há mais de dezesseis anos e fazem parte da chamada Lei de Responsabilidade Fiscal, muito combatida e criticada na época em que foi proposta, mas hoje reconhecida e respeitada na doutrina, embora na prática tenha sido flexibilizada e fragilizada pela chamada contabilidade destrutiva.
Como consta em decisão recente do Ministro Luiz Barroso, do Supremo Tribunal Federal, a responsabilidade fiscal é fundamento das economias saudáveis, e não tem ideologia; desrespeitá-la significa predeterminar o futuro com déficits, inflação, juros altos, desemprego e todas as consequências negativas que dessas disfunções advêm. Assim, concluiu o Ministro, a democracia, a separação de Poderes e a proteção dos direitos fundamentais decorrem de escolhas orçamentárias transparentes e adequadamente justificadas, e não da realização de gastos superiores às possibilidades do Erário, que comprometem o futuro e cujos ônus recaem sobre as novas gerações.
Ora, se a lei já existe, o problema deveria estar solucionado. Mas, então, o que explica a crise? Como se chegou a tanto descontrole? Talvez precisemos de uma nova lei determinando que se cumpra a Lei de Responsabilidade Fiscal!
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