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Sacha Calmon Navarro Coêlho

Sacha Calmon Navarro Coêlho

27/02/2018

A humanidade, cada vez mais soldada, está a exigir ou a sentir que a ética tem dimensões políticas que envolvem o planeta inteiro.

Por volta de 620 a.C, os babilônios destruíram o Reino de Judá, na parte montanhosa sul da planície costeira palestina. Antes disso, os assírios arrasaram, em 730 a.C, o Reino de Israel, ao norte, e dispersaram sua população, pelo Egito, passando pela Mesopotâmia, até o Cazaquistão, para erradicar a cultura tribal de adoração a Eli (Deus em aramaico), que entronizaria Israel como o Rei de todos os Reis da terra no apocalipse, próximo a ocorrer. Desde então, e até depois da 2ª Guerra Mundial — século 20 —, tirante a curta independência dos romanos no período dos macabeus, os judeus e israelitas viveram sem pátria, conservando seus valores baseados na Torá, que nós chamados de Velho Testamento.

Para os estudiosos, a ligação se tornou obrigatória para os cristãos, embora não desejada, porque Jesus, o doce rabi da Galileia, vivia invocando “o pai” (Javé). Pregava o amor e a temperança, mas apenas para o povo judeu, tanto que relutou em operar a cura de uma menina de Tiro (cidade portuária libanesa) ao argumento de que sua missão era reunir piedosamente seu povo “as ovelhas tresmalhadas de Israel”. Ao cabo, por insistência da mãe da menina, a curou, segundo reza o Evangelho. Como Jesus nunca se declarou Deus, muito pelo contrário, e todas as inserções para vê-lo como tal são comprovadamente falsas, feitas décadas depois da sua crucificação, com sua humanidade, já assentada por nascer do ventre de mulher, foi preciso dizer que era o Deus-filho, encarnado como homem, porém gerado pelo Deus-pai, por obra e graça de uma terceira entidade, da qual só se ouvira falar na Pérsia, o Espírito Santo (Ormuz). Daí o dogma da Santíssima Trindade cristã (algo inverossímil do qual é proibido duvidar).

É justamente por isso, porque o cristianismo não conseguiu se desvencilhar do judaísmo, que a literatura ocidental religiosa difundiu pelo mundo que pertencemos a uma suposta “civilização judaica cristã”, em que pese as perseguições seculares aos operosos judeus e o holocausto protagonizado por Hitler, em nome da pureza da raça ariana, cuja origem é o Irã, ponto de dispersão da raça branca (caucasiana).

Pois bem, apesar de todas as controvérsias, o Ocidente implantou em parte da Palestina um Estado judeu após a 2ª Guerra Mundial, criando uma enorme tensão geopolítica no Oriente próximo a perdurar até hoje. Os judeus são 29 milhões, supõe-se, mas só 5 milhões, se tanto, moram lá. O restante prefere cidades como Nova York, Londres, Paris, dado ao cosmopolitismo que a diáspora decretada pelos romanos proporcionou. As comunidades judaicas estão espalhadas mundo afora.

Outro povo sem pátria, com costumes e religião milenares, são os medos (curdos) de raça ariana e que sempre viveram nas montanhas e planaltos adjacentes, hoje pertencentes a quatro países: Irã, Iraque, Síria e Turquia. Ao tempo de Ciro, o grande, o império era medo-persa. Com a sua fragmentação, aparece outro império, igualmente ariano, o de Alexandre, o grande, da Macedônia, impondo o grego a todo mundo antigo. A morte prematura de Alexandre faz seu Império se dividir em quatro, que, logo, seriam todos conquistados pelo maior e duradouro Império que o mundo conheceu, ou seja, o Romano (700 anos no Ocidente e 1.600 no Oriente, até a queda de Constantinopla, hoje Istambul).

Os curdos, que hoje somam 41 milhões, foram engolfados pelas turbulências da história e tornaram-se populações dentro desses países, com identidade própria. Ao norte da Síria e do Iraque, somam 25 milhões. No Irã são três milhões. O resto está na Turquia.

Na Síria/Iraque, sempre ao norte, os “pershemegas”, guerreiros curdos, foram os únicos a enfrentar em terra o “Estado Islâmico”.

Os EUA deles se aproveitaram. Nenhum americano ousou botar o pé no chão, somente a sua endeusada força aérea. A Rússia mudou o curso da guerra na Síria em favor de Assad e manteve intactas suas bases, uma aérea e outra naval, naquele país. Agora, o tirano turco Erdogan, com aquiescência de Trump, o louco, está bombardeando os “pershemegas” da Síria/Iraque (agressão sequer considerada pela ONU) ao argumento de que um possível Estado curdo no norte da Síria/Iraque poderá fortalecer “os terroristas” curdos em seu território, esquecido que os persegue e nega-lhes direitos dentro da Turquia.

O mundo precisa conhecer a história do valente povo curdo. E fazer manifestação antes que outra tentativa de genocídio, atingindo civis, mulheres e crianças, seja perpetrado pela Turquia, herdeira do feroz Império Otomano, desmantelado no começo do século 20 (os armênios que o digam). O tempo das invasões por razões geopolíticas e econômicas está chegando ao fim. A humanidade, cada vez mais soldada, está a exigir ou a sentir que a ética tem dimensões políticas que envolvem o planeta inteiro. E cada vez mais! Há um sensível mal-estar em nossos corações.


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