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FINANCEIRO E ECONÔMICO
Orçamento Inflado e Irreal
Marcus Abraham
22/05/2018
Onde está o ideal de boa-fé, transparência e veracidade daqueles que elaboram e aprovam orçamento público irreal?
Há muito tempo escutamos que os orçamentos públicos “são peças de ficção”. Esta ideia foi verbalizada pelo Ministro do STF Marco Aurélio Mello no julgamento da ADI nº 4.663 (15.10.2014), que, em tom de tom de crítica à não exequibilidade do orçamento, afirmou em seu voto que: “A lei orçamentária ganha, então, contornos do faz de conta. Faz de conta que a Casa do Povo aprova certas destinações de recursos, visando às políticas públicas, sendo que o Executivo tudo pode, sem dizer a razão”.
Infelizmente, esta é uma realidade constante em nosso país, e uma das razões que talvez justifique esta nefasta prática é a desconsideração das leis orçamentárias como leis de verdade – imperativas e cogentes -, sendo encaradas pelos governantes como meros atos administrativos passíveis de elaboração em descompasso com a realidade e a sua respectiva execução sendo mitigada por contingenciamentos imotivados. A isso se soma uma participação neste processo, pelo Poder Legislativo, por vezes pautada em interesses eleitoreiros ou setoriais, em detrimento do interesse nacional. Acrescente-se a isso o descaso em relação aos preceitos da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Tomemos como exemplo concreto o orçamento público federal aprovado e em vigor no corrente ano de 2018, que considerou em seu projeto de lei (elaborado pelo Poder Executivo) uma série de receitas que sequer haviam sido aprovadas pelo Congresso, além de renúncias fiscais que tiveram o seu alcance ampliado (pelo Poder Legislativo), acarretando em ambas as situações um grave desequilíbrio financeiro ao orçamento.
A primeira ocorrência se deu no dia 3 de abril corrente, quando o Congresso derrubou o veto do Presidente da República ao projeto que instituía o Refis para micros e pequenas empresas que optaram pelo Simples (regime simplificado de tributação), o qual havia sido aprovado pelo Senado no final de 2017. Ocorre que o veto do presidente Michel Temer tinha como justificativa a violação da Lei de Responsabilidade Fiscal ao não prever a origem dos recursos que cobririam as renúncias fiscais. Com o afastamento do veto presidencial, estima-se que o programa tenha gerado uma renúncia fiscal – e consequente déficit ao orçamento – no montante de 7,5 bilhões de reais.
Na mesma data, o Congresso adotou igual procedimento, rejeitando o veto presidencial a certos dispositivos do projeto de lei PLC nº 165/2017 que deu origem à Lei 13.606/2018, a qual institui o Programa de Regularização Tributária Rural, conhecido por Refis Rural, que permite a renegociação das dívidas de produtores rurais. Entre os vetos cancelados está o aumento de 25% para 100% de desconto das multas e encargos sobre os débitos acumulados com o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural), além de ter sido restabelecida pelos parlamentares a redução das contribuições dos empregadores à Previdência, de 2,5% para 1,7% da receita proveniente da comercialização dos produtos. A desoneração fiscal decorrente deste programa acarreta um déficit ao orçamento de cerca de 10 bilhões de reais.
Outro fato negativo que desestabilizou ainda mais as contas públicas deste ano foi a não conversão em lei, pelo Congresso Nacional, da Medida Provisória nº 806/2017, apesar de duas vezes prorrogada, cujo ganho na arrecadação em 2018 era esperado em 10,7 bilhões de reais. A referida MP alterava a tributação do Imposto de Renda sobre fundos financeiros chamados exclusivos, com alíquotas entre 15% e 22,5%, dependendo do prazo das aplicações. Destinados a grandes clientes, estes fundos, que são fechados e não têm livre adesão, pagam IR apenas no fechamento ou no resgate das cotas. Mas, de acordo com a MP, o imposto passaria a ser cobrado todos os anos, como ocorre com os demais fundos de investimentos, ocasionando aumento na tributação.
Temos também ainda pendente de votação o projeto de lei de reoneração da folha de pagamentos (PL nº 8.456/2017). Conforme os cálculos do governo, a aprovação da proposta resultaria em uma redução da renúncia fiscal da ordem de R$ 12,585 bilhões em 2018. A política de desoneração da folha começou em 2011 e foi lançada pelo governo Dilma Rousseff com o objetivo de estimular a geração de empregos no País e melhorar a competitividade das empresas. O benefício se dá por meio da substituição da cobrança de uma contribuição previdenciária de 20% sobre a folha de pagamento das empresas, por um porcentual sobre o faturamento da empresa. Inicialmente, a alíquota variou entre 1% e 2%. Hoje, varia entre 1% e 4,5%, dependendo do setor. Mas estes valores renunciados estão pesando nas contas públicas e a aprovação da reoneração já se encontra com bastante atraso, o que acarreta maior desequilíbrio nas contas.
Há ainda a não conversão da Medida Provisória nº 805/2017, que perdeu sua eficácia em 8 de abril de 2018 (embora já estivesse suspensa por decisão do Ministro do STF Ricardo Lewandowski). Esta MP adiava para 2019 o reajuste dos servidores públicos federais, bem como elevava de 11% para 14% a contribuição previdenciária dos funcionários públicos – ativos e aposentados – que ganham acima de R$ 5,3 mil. A expectativa da área econômica era de que essa medida geraria uma arrecadação extra de R$ 6,6 bilhões em 2018.
Por fim, não podemos deixar de lembrar que o Governo federal contava com o valor de cerca de 12 bilhões de reais referente à privatização da Eletrobrás (via aumento de capital e consequente diluição da participação da União), por meio do PL nº 9.463/2018, que está emperrado no Congresso até o momento.
Se contarmos apenas estas “expectativas” de receitas que acabaram por não se materializar, juntamente com a elevação nos valores das renúncias fiscais concedidas, chegamos a uma monta de quase R$ 60 bilhões, o que acarreta um significativo déficit no orçamento de 2018, implicando uma série de contingenciamentos que prejudicam, no final das contas, o cidadão que fica sem os serviços públicos necessários.
Dito isto, voltamos ao que expusemos no início deste texto: que os orçamentos públicos são elaborados a partir de receitas incertas e que sequer existem ao momento da aprovação do projeto de lei orçamentária, afetando, por consequência, o outro lado desta moeda, vale dizer, a execução das despesas públicas fica prejudicada.
Orçamentos públicos com valores de receitas e despesas irreais esbarram no princípio da sinceridade orçamentária, já comentado anteriormente em outro artigo desta Coluna Fiscal, mandamento que visa coibir os orçamentos realizados em desacordo com a realidade econômica e social, com base em receitas “superinfladas” e despesas inexequíveis, muitas vezes motivadas por fins eleitoreiros.
Por tudo o que se disse, não é disparatado se questionar onde estaria o ideal de boa-fé, de transparência e de veracidade daqueles que elaboram, aprovam e executam um orçamento público irreal e inconsistente, violador das regras da Lei de Responsabilidade Fiscal e, sobretudo, repleto de promessas que não se realizam, frustrando ao final as expectativas do cidadão.
Fonte:Jota
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