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Nulidade da sentença arbitral até onde o Judiciário pode ir

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Nulidade da sentença arbitral: até onde o Judiciário pode ir?

Elpídio Donizetti

Elpídio Donizetti

28/05/2024

Da mesma forma que ocorre no processo judicial, a formação da coisa julgada no âmbito do procedimento arbitral está sujeita à imutabilidade da decisão proferida após as etapas necessárias do procedimento (art. 31, Lei nº. 9.307/96). Ou seja, a sentença proferida pelo juízo arbitral faz coisa julgada material e, constitui, por força de lei, título executivo judicial (art. 525, VII, do CPC/15).

Em hipóteses restritas há possibilidade de a sentença arbitral ser anulada pelo Poder Judiciário, conforme possibilita o art. 33 da Lei 9.307/961. No entanto, os fundamentos para invocar a nulidade são reduzidos a um elenco previamente fixado no art. 32:

Além de uma ação própria – ação declaratória de nulidade de sentença arbitral –, que deve ser proposta no prazo decadencial de 90 (noventa) dias, a nulidade da sentença arbitral pode ser pleiteada via impugnação ao cumprimento de sentença arbitral (art. 33, § 3º, da Lei n. 9.307/96), caso a decisão venha a ser executada judicialmente. Para esta hipótese não se aplica o prazo de noventa dias antes referido, até porque o executado só pleiteará a nulidade quando for judicialmente acionado pelo exequente. Sobre a execução da sentença arbitral, conferir outro artigo de nossa autoria:https://www.elpidiodonizetti.com/contrato-que-contem-clausulaarbitral-pode-ser-executado-judicialmente/.

Nosso escopo nesse texto é tratar dos limites impostos pela Lei de Arbitram à atuação do Judiciário. Abordaremos a possibilidade de nulidade à luz do art. 32 que, como vimos, é bastante restrito (ou deveria ser).

Temos que ter em mente a seguinte premissa: não cabe ao Judiciário adentrar no mérito da decisão arbitral, julgando os fundamentos utilizados na formação da convicção dos árbitros, mas, apenas, verificar se devidamente observado o procedimento legal pertinente. É esse o entendimento jurisprudencial que vem prevalecendo. Por exemplo:

À arbitragem como via de composição de litígios deve ser dada prevalência, sempre que possível, à autonomia das partes. E, por óbvio, à autonomia do árbitro ou do tribunal arbitral para dirimir o litígio de acordo com o livre convencimento de cada julgador arbitral, respeitados os limites impostos pela lei. Por isso mesmo a discussão sobre a validade da sentença arbitral é restrita às hipóteses legalmente previstas no art. 32 da Lei nº 9.307⁄1996.

Talvez a hipótese que suscite mais dúvidas seja aquela disposta no inciso VII do art. 32, que faz referência aos princípios. O § 2º do art. 21 da Lei de Arbitragem dispõe que serão sempre respeitados, no procedimento arbitral, os princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento. Todos esses princípios decorrem do devido processo legal, cujas garantias não podem ser afastadas pela vontade das partes.

Em um caso concreto, por violação ao princípio da imparcialidade, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais anulou uma sentença arbitral porque restou evidenciado que o árbitro condicionou sua própria remuneração ao êxito da demanda e ainda conduziu o processo sem observar o procedimento fixado na cláusula compromissória. (Apelação Cível 10000190518035001, Relator: Marcos Lincoln, Data de Julgamento: 26/05/2021, Câmaras Cíveis / 11ª Câmara Cível, Data de Publicação: 26/05/2021).

Em outro caso, o Tribunal de Justiça de Goiás verificou que uma das partes foi impedida de produzir e contrapor provas e de influenciar na formação da convicção do árbitro, pois deixou de ser intimada para um determinado ato do procedimento arbitral. O TJGO anulou a sentença arbitral por violação ao contraditório, esclarecendo, ainda, que esse princípio é fator de legitimação do processo, ao ponto de ser factível afirmar que não existe processo sem contraditório, ainda que no plano da jurisdição arbitral (Apelação Cível: 0255079-21.2018.8.09.0006, Relator: Des(a). Reinaldo Alves Ferreira, Data de Julgamento: 28/01/2021, 1ª Câmara Cível, Data de Publicação: 28/01/2021).

O problema reside na interpretação e no consequente alcance desses princípios. Como são cláusulas abertas, não é incomum que gerem conclusões distintas. Vamos ao exemplo: imagine que duas pessoas se submetem voluntariamente ao procedimento arbitral e uma delas postula pela realização de prova pericial. Podemos falar em nulidade da sentença arbitral na hipótese de o árbitro afastar a necessidade dessa prova? Em outras palavras, a parte supostamente prejudicada pode pedir a intervenção do Poder Judiciário alegando violação ao contraditório?

Uma coisa é o árbitro deixar de apresentar a devida fundamentação sobre a (des)necessidade da prova – seja pericial ou qualquer outra. Nesse caso é claro que há motivo para nulidade. Do mesmo modo que na jurisdição estatal, os árbitros que atuam perante o tribunal arbitral têm a faculdade de decidir sobre a produção das provas necessárias ao deslinde da causa, conforme possibilitam os arts. 21, § 2º, e 22, caput, da Lei de Arbitragem:

Como esse livre convencimento deve-se dar de modo motivado, se não houver qualquer fundamentação para o indeferimento da prova pretendida haverá possibilidade de anulação da sentença. Veja ementa de um caso semelhante julgado pelo TJGO:

Outra coisa é o árbitro, de forma fundamentada, indeferir a produção de uma determinada prova. Como o próprio § 2º do art. 21 faz referência ao livre convencimento, não nos parece que exista a possibilidade de o Poder Judiciário se imiscuir na questão.

Com efeito, se os elementos probatórios constantes nos autos forem suficientes para o deslinde da causa, não há que se falar em cerceio da ampla defesa ou do contraditório. Se o juiz é o destinatário final da prova, ao árbitro deve ser aplicada a mesma lógica. Ambos estão adstritos ao sistema da livre persuasão racional, de modo que devem valorar a prova de acordo com o caso concreto, afastando a necessidade de dilações probatórias que não interessem ao litígio ou sejam protelatórias. O precedente a seguir é esclarecedor no ponto em que possibilita o árbitro afastar a necessidade de produção de uma determinada prova sem que isso implique cerceamento do direito de defesa:

Portanto, se o indeferimento de uma prova for devidamente fundamentado pelo árbitro, aquele que pretendeu a produção da deferida prova não poderá pleitear, na via jurisdicional, a nulidade da sentença caso ela lhe seja desfavorável.

Ocorre que alguns Tribunais por vezes anulam decisões proferidas em procedimentos arbitrais sob o argumento de que a prova pretendida se mostrava imprescindível. A nosso ver esse tipo de conduta termina por enfrentar o mérito da decisão do árbitro e não pode ser adotada de forma indiscriminada. Vamos ao exemplo: o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo anulou uma sentença arbitral que indeferiu a produção de prova pericial. No caso concreto, a árbitra que presidiu o procedimento rejeitou o pedido de realização de perícia ao argumento de que os fatos controvertidos já se encontravam devidamente esclarecidos pelas provas documental e testemunhal. Ocorre que o TJSP considerou que o procedimento arbitral no qual se pediu a anulação teve como causa de pedir a ineficácia de um produto, tema evidentemente técnico que não poderia ser suprido por depoimentos de testemunhas, ou documentos unilaterais (TJ-SP 10623143420158260100 SP 1062314-34.2015.8.26.0100, Relator: Francisco Loureiro, Data de Julgamento: 07/03/2018, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Data de Publicação: 08/03/2018).

Embora não saibamos o teor dos documentos e o conteúdo prova testemunhal no caso julgado pelo TJSP, o fato é que o Poder Judiciário enfrentou a necessidade da prova pericial. Ou seja, adentrou no mérito da decisão da árbitra que considerou suficientes os documentos apresentados no caso concreto – e que poderiam ter sido rebatidos pela parte adversa com outras testemunhas ou um laudo particular, por exemplo.

Sabemos que o art. 443, II, do CPC/2015, afasta a prova testemunhal quando o fato somente puder ser comprovado por exame pericial. A problemática reside em estabelecer quem irá decidir sobre a imprescindibilidade dessa prova: o árbitro, que tem melhores condições de avaliar o caso concreto, pois é quem participa de toda a instrução probatória e colhe os elementos essenciais ao julgamento da causa, ou o Poder Judiciário, que por uma limitação legal não pode enfrentar questões atinentes à justiça da decisão?

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NOTAS

1 Art. 33. A parte interessada poderá pleitear ao órgão do Poder Judiciário competente a declaração de nulidade da sentença arbitral, nos casos previstos nesta Lei. 

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