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A honestidade como defeito
Luiz Henrique Lima
31/01/2017
Nesta semana presenciei uma conversa na qual um dos interlocutores, experiente e respeitado jornalista, comentou acerca de uma pessoa pública, cogitada para ascender a um cargo de maior expressão: “Ele tem um grave defeito: é um cidadão correto e sua honestidade pode ser um empecilho. Vão tentar barrá-lo por causa disso.”
A frase me chocou, principalmente porque desnuda uma realidade perversa na vida pública brasileira e está amparada em diversos exemplos municipais, estaduais e federais.
Nos tempos atuais, a honestidade de atitudes, a correção de propósitos e a sinceridade de opiniões não esculpem degraus para os homens e mulheres de bem alcançarem posições de destaque, nas quais possam adotar decisões pautadas no interesse público. Ao contrário, tais qualidades são vistas como defeitos e erigem obstáculos quase intransponíveis, que limitam suas carreiras e podam seus potenciais de realização profissional.
A probidade é tida por vaidade: “pensa que é melhor que os outros”.
A sinceridade é tachada de grosseria: “não precisava ser tão direto”.
A transparência de opiniões é condenada como exibicionismo e a coerência de posicionamento como autossuficiência: “só quer aparecer” e “acha que sabe tudo”.
O respeito a normas legais e a padrões éticos de conduta é rechaçado como preciosismo, “frescura” ou “falta de razoabilidade”: “podia ter flexibilizado a interpretação normativa”.
A firmeza de princípios e a lealdade às instituições são reputadas como intransigência: “se tivesse boa vontade, encontrava um jeitinho”.
Esse fenômeno de inversão de valores permeia os mais diversos setores de atividade: esporte, cultura, academia, política etc. No futebol, frequentemente o atleta disciplinado é desprezado e colocado na reserva de brucutus que abusam de lances violentos e desleais contra os jogadores da equipe adversária. Na burocracia universitária, é mais fácil ascender pelo conformismo do que pela inovação crítica. No mundo artístico, é costume reservar alguns dos melhores papéis aos favoritos dos poderosos, postos que não exigem maestria interpretativa, mas bajulação ostensiva.
Quanto à política, bem, as revelações da Operação Lava-Jato, Calicute, Ararath e outras indicam que, durante um bom tempo, um requisito quase obrigatório para ocupar cargos elevados em algumas funções estatais era a habilidade de articular-se com organizações criminosas e a aptidão para desviar recursos públicos visando enriquecimento pessoal ou financiamento eleitoral. Privilegiaram-se personagens cuja estatura moral e intelectual remete aos romances de Eça de Queirós – o conde de Abranhos, o conselheiro Acácio, o comendador Raposo e o cônego Dias – ou, ainda, ao inesquecível Palhares das crônicas de Nelson Rodrigues.
E assim, sabota-se o desenvolvimento do país, dos estados e das cidades, desperdiçando a capacidade das pessoas íntegras contribuírem com seus talentos para uma vida melhor para sua comunidade. Algumas ficam frustradas, outras terminam por sucumbir às pressões e há também aquelas que procuram ocupar-se atuando em outras áreas, como no voluntariado, onde os interesses envolvidos são menores e não despertam resistências significativas.
A boa notícia é que isso está mudando e, coletivamente, estamos evoluindo e amadurecendo. Diz o Evangelho: “Nada há de oculto que não venha a ser revelado” (Marcos: 4,22); e “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (João: 8,32). Creio que o que está sendo revelado aos brasileiros sobre os subterrâneos podres de eleições e de nomeações há de, finalmente, nos libertar da corrupção e da hipocrisia.
Tem razão o veterano jornalista que citei na abertura: ainda haverá tentativas de barrar a ascensão de nomes honrados. No entanto, como cantava Cazuza, “ainda estão rolando os dados” e está próximo o dia em que a honestidade não mais será um defeito, mas uma obrigação, que para as pessoas de bem será um fardo leve e um jugo suave.
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