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FINANCEIRO E ECONÔMICO
Gestão Prudencial nos Gastos com Pessoal
Marcus Abraham
28/09/2018
Administração com responsabilidade fiscal é fixada em uma lei e não um mero aconselhamento.
A situação fiscal dos inúmeros municípios brasileiros é, hoje, muito preocupante.
E uma das primeiras medidas mais comuns que um gestor – seja público ou privado – adota diante de uma situação de desequilíbrio financeiro é a contenção de gastos, a partir de uma premissa simplória: a gestão responsável impõe reduzir as despesas para que se possa ter uma receita suficiente para custeá-las, sobretudo aquelas de natureza continuada.
Porém, não é o que os gestores do Município do Rio de Janeiro vêm realizando, sobretudo em relação a uma significativa despesa para os cofres públicos: a despesa de pessoal.
Segundo o relatório do Laboratório de Análise de Orçamentos e Políticas Públicas (Lopp) do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, a folha de pagamentos saltou quase 50% (cinquenta por cento) nos últimos anos, indo de R$ 8,4 bilhões gastos com pessoal, em 2013, para R$ 12,5 bilhões em 2017.1
O custeio de pessoal na cidade do Rio corresponde hoje a 52,88% da sua receita corrente líquida, percentual elevado suficiente para atingir em breve – caso nada seja feito para melhor administrá-lo – o limite de 54% que a Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece. Essa situação também ocorre em outras unidades federativas, indica o relatório citado, ao identificar que 20% das cidades fluminenses ultrapassaram o limite legal de despesas com pessoal no ano passado, e outros 30% delas ficaram acima do limite prudencial de 95% do teto (51,3%), conforme estabelecido pela LRF.
Dentre as despesas públicas em geral, as despesas de pessoal são consideradas pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) como um dos aspectos mais relevantes dos gastos estatais, dedicando um capítulo específico à matéria.
Para a LRF, a despesa total com pessoal é considerada pelo somatório dos gastos do ente da Federação com os ativos, os inativos e os pensionistas, relativos a mandatos eletivos, cargos, funções ou empregos, civis, militares e de membros de Poder, com quaisquer espécies remuneratórias, tais como vencimentos e vantagens, fixas e variáveis, subsídios, proventos da aposentadoria, reformas e pensões, inclusive adicionais, gratificações, horas extras e vantagens pessoais de qualquer natureza, bem como encargos sociais e contribuições recolhidas pelo ente às entidades de previdência (art. 18, LRF).
Mesmo antes de a LRF tratar do tema, a Constituição Federal de 1988 já impunha algumas condições para a realização das despesas com pessoal: a) possuir prévia dotação orçamentária e não exceder os limites estabelecidos em lei complementar (art. 169, CF/1988); b) ser vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público (art. 37, XIII, CF/1988); c) os acréscimos pecuniários percebidos por servidor público não serão computados nem acumulados para fins de concessão de acréscimos ulteriores (art. 37, XIII e IV, CF/1988).
Para dar efetividade às previsões constitucionais, a LRF apresenta os seguintes requisitos que deverão ser observados para a criação, majoração ou prorrogação de despesas de pessoal: a) como despesa de natureza continuada, deverá ser precedida de uma estimativa de impacto orçamentário e de comprovação de que não afetará as metas de resultados fiscais, demonstrando-se sua adequação à lei orçamentária e compatibilidade com o plano plurianual e lei de diretrizes orçamentárias (arts. 16 e 17, §§ 1º e 2º, LRF); b) será vedado ato de que resulte aumento da despesa com pessoal expedido nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato do titular do respectivo Poder ou órgão (parágrafo único do art. 21, LRF); c) deverá ser verificado quadrimestralmente o atendimento aos limites previstos na lei (art. 22, LRF); d) observância às consequências no atingimento do chamado “limite prudencial”, no percentual de 95% dos valores estabelecidos como teto de despesa de pessoal (parágrafo único do art. 22, LRF).
Atendendo ao disposto no art. 169 da Constituição, que estabelece a necessidade de fixação por lei complementar de limites máximos para as despesas de pessoal ativo e inativo de todos os Poderes e entes federativos, os arts. 19 e 20 da LRF preveem que:
a) a despesa total com pessoal (limites globais) – não se computando aquelas excetuadas no § 1º do art. 19 –, em cada período de apuração e em cada ente da Federação, não poderá exceder os percentuais da receita corrente líquida, conforme os a seguir discriminados:
I – União: 50% (cinquenta por cento);
II – Estados: 60% (sessenta por cento);
III – Municípios: 60% (sessenta por cento);
b) a repartição dos limites globais anteriormente citados não poderá exceder os seguintes percentuais de limites por Poder, órgão e ente federativo:
I – na esfera federal: a) 2,5% (dois inteiros e cinco décimos por cento) para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas da União; b) 6% (seis por cento) para o Judiciário; c) 40,9% (quarenta inteiros e nove décimos por cento) para o Executivo; d) 0,6% (seis décimos por cento) para o Ministério Público da União;
II – na esfera estadual: a) 3% (três por cento) para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas do Estado; b) 6% (seis por cento) para o Judiciário; c) 49% (quarenta e nove por cento) para o Executivo; d) 2% (dois por cento) para o Ministério Público dos Estados;
III – na esfera municipal: a) 6% (seis por cento) para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas do Município, quando houver; b) 54% (cinquenta e quatro por cento) para o Executivo.
A LRF também estabelece que, se esses limites específicos para os Poderes, órgãos e entes federativos forem ultrapassados, o percentual excedente terá de ser eliminado nos dois quadrimestres seguintes, sendo pelo menos um terço no primeiro. Uma vez não alcançada a redução no prazo estabelecido, e enquanto perdurar o excesso, o ente não poderá: I – receber transferências voluntárias; II – obter garantia, direta ou indireta, de outro ente; III – contratar operações de crédito, ressalvadas as destinadas ao refinanciamento da dívida mobiliária e as que visem à redução das despesas com pessoal.
Entretanto, mesmo antes de se chegar aos valores máximos para as despesas de pessoal, a LRF instituiu um valor prévio, considerado como um “limite prudencial”, no percentual de 95% dos montantes máximos previstos na lei para, quando atingido, gerar efeito acautelatório e preventivo, vedando-se ao Poder ou órgão que houver incorrido no excesso:
I – conceder vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração a qualquer título, salvo os derivados de sentença judicial ou de determinação legal ou contratual, ressalvada a revisão prevista no inciso X do art. 37 da Constituição;
II – criar cargo, emprego ou função;
III – alterar estrutura de carreira que implique aumento de despesa;
IV – prover cargo público, admitir ou contratar pessoal a qualquer título, ressalvada a reposição decorrente de aposentadoria ou falecimento de servidores das áreas de educação, saúde e segurança;
V – contratar hora extra, salvo no caso do disposto no inciso II do § 6º do art. 57 da Constituição e as situações previstas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (art. 22, LRF).
Assim, esse mecanismo denominado limite prudencial funciona como um “sinal de perigo”, não apenas para alertar o poder público da aproximação dos limites máximos quando se chegar a 95% deles, mas, principalmente, por impor ao gestor restrições de gastos que evitam seu atingimento.
Diante de uma crise financeira da magnitude como a que estamos vivendo, providências básicas como a diminuição de gastos e priorização do necessário em detrimento do supérfluo é o caminho óbvio que qualquer um com bom senso buscaria trilhar. E, no serviço público, como em regra não se pode demitir ou reduzir a remuneração, o mínimo que se esperaria do gestor seria – temporariamente – não contratar novos servidores e nem aumentar o salário dos demais, buscando-se estimular e maximizar a utilização do pessoal já existente.
Está na hora de os gestores públicos perceberem que a administração com responsabilidade fiscal é fixada em uma lei e não um mero aconselhamento; e de os governos entenderem que a Constituição estabelece que a educação, a saúde, a segurança pública e os investimentos – e não a própria máquina estatal – são prioridades em uma sociedade que pretende o mínimo bem-estar dos seus integrantes.
Fonte: Jota
[1] Cabe registrar que houve, por parte da Casa Civil da Prefeitura do Rio de Janeiro, questionamento em relação ao valor apresentado no relatório LOPP, acima dos R$ 11 bilhões calculados pela Controladoria Geral do Município.
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