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NOVO CPC
Entrevista com o Desembargador Aluísio Gonçalves de Castro Mendes sobre o IRDR
Aluisio Gonçalves de Castro Mendes
01/03/2018
Grande parte das ações que tramitam hoje no Poder Judiciário brasileiro é repetitiva, ou seja, embora sejam ações entre pessoas diferentes, a questão jurídica debatida é exatamente a mesma.
Para que se possam resolver as questões jurídicas repetidas, o novo Código de Processo Civil inovou e criou o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), instituto que possibilita não apenas a uniformidade da jurisprudência (assegurando que questões idênticas sejam julgadas igualmente), mas também desafogar o Poder Judiciário.
Por ser uma grande inovação do Poder Judiciário, o Desembargador do Tribunal Regional Federal Aluísio Gonçalves de Castro Mendes, também autor da obra Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – Sistematização, análise e interpretação do novo instituto processual, falou sobre os aspectos do IRDR.
Como surgiu seu interesse pelo IRDR?
Como Professor de Direito Processual da UERJ e da UNESA e Desembargador, sinto, de longa data, que o Poder Judiciário brasileiro precisa fortalecer instrumentos que permitam a melhoria da prestação jurisdicional sob três aspectos centrais: qualidade, segurança jurídica e duração razoável dos processos. Em uma sociedade de massa com uma população de mais de duzentos milhões de habitantes e no âmbito de um país de dimensões continentais, há questões polêmicas que são comuns e dizem respeito a muitas pessoas. Por isso, a Justiça não pode apenas agir de modo artesanal. A solução de litígios deve ser mais eficiente. O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) veio para suprir essa necessidade. Registro, também, que realizei o meu Pós-Doutorado, parte do Doutorado e um segundo Mestrado na Alemanha, país no qual os magistrados criaram, por iniciativa própria e, inicialmente, sem previsão legal, a técnica do Musterverfahren (procedimento-modelo), que serviu como fonte de inspiração para o nosso IRDR. Saliente-se, também, que tive a oportunidade de participar, de 2009 a 2015, da gestação do atual Código de Processo Civil, tendo sido designado, no Senado Federal, para compor a comissão de juristas que acompanhou a redação final do texto do novo CPC. E a grande ou maior aposta, inovação, desse Estatuto Processual é exatamente o IRDR. Por fim, fui Professor Visitante do Max Planck Institute de Luxemburgo, especializado em Direito Processual, e escrevi a minha tese de Titularidade, pela qual tive a honra alcançar a Cátedra em Direito Processual Civil da UERJ, sobre o IRDR. O texto aprovado pela Comissão Examinadora, composta pelos Professores Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, Humberto Theodoro Júnior, Cândido Rangel Dinamarco, José Rogério Cruz e Tucci e Leonardo Greco, transformou-se no livro editado pela Forense, conceituada Casa Editorial.
Em que casos o IRDR pode ser usado?
Ele pode ser usado sempre que houver uma questão jurídica controversa no âmbito do primeiro e do segundo graus de jurisdição, da qual se dependa para a resolução de múltiplos processos. Pretende-se, em primeiro lugar, que a divergência não proporcione a quebra de isonomia, ou seja, que pessoas diante de uma situação idêntica ou semelhante recebam soluções diversas. É o fortalecimento do princípio da igualdade. Por outro lado, não há sentido que inúmeros juízes fiquem analisando e decidindo a mesma questão e de modo reiterado, sem que haja a pacificação da questão durante longos anos. Isso é totalmente contraprodutivo. O IRDR pretende, assim, concentrar a discussão e a decisão logo, de modo que o tribunal regional ou local fixe um entendimento, que poderá, em seguida, ser eventual e diretamente revisto ou mantido pelos tribunais superiores, pacificando-se, assim, de modo definitivo, a polêmica e insegurança diante dessas controvérsias que são comuns e frequentes na vida contemporânea. Portanto, espera-se que haja uma economia e um melhor funcionamento da Justiça, de modo que os casos repetitivos ou de massa e as questões comuns possam ser coletivamente resolvidos pelo IRDR. Se o sistema funcionar a contento, ter-se-á uma redução no acúmulo de processos diante de cada magistrado, permitindo-se um melhor funcionamento em termos de tempo e de qualidade nos processos judiciais.
E como seria esse processo?
É um incidente que pode ser suscitado diante de um processo em tramitação perante a Justiça de primeiro ou de segundo grau, por iniciativa do juiz da causa, das partes, do Ministério Público ou da Defensoria Pública. Os requisitos de admissibilidade, que são basicamente três (multiplicidade de processos, questão de direito comum divergente e ausência de recurso repetitivo pendente sobre o mesmo tema nos tribunais superiores), bem como o mérito da questão jurídica, são apreciados diretamente pelo tribunal regional (TRF ou TRT) ou estadual (TJ), conforme a respectiva competência. É de salientar que controvérsias sobre aspectos fáticos não podem ser objeto desse incidente no modelo brasileiro. Desse modo, o órgão responsável pela uniformização do tribunal sobre aquela matéria aprecia apenas a questão jurídica, fixando uma tese, que será, em seguida, aplicada pelos órgãos vinculados, ou seja, os órgãos fracionários do tribunal ou pelos juízes de primeiro grau. É, portanto, uma técnica de gestão e de segurança jurídica.
Quais os casos mais usados?
O IRDR vem se mostrando bastante abrangente, tanto em assuntos afetados quanto de tribunais, que vêm fazendo uso do instrumento. A matéria administrativa foi a mais frequente nesses primeiros dois anos, seguida de questões relacionadas ao direito civil, processual civil, tributário, do consumidor, do trabalho, processual penal e penal.
Quais os desafios do uso do IRDR?
Traz, de fato, alguns desafios. O primeiro é o da observância dos precedentes qualificados, aqueles arrolados no art. 927 do Código de Processo Civil. Os órgãos judiciais e a sociedade devem compreender o caráter sistêmico do direito e a necessidade de fortalecer a segurança jurídica. É uma mudança cultural. Os tribunais devem compreender o seu papel de uniformização do direito, e não apenas de julgador de casos individuais. É importante que as questões de direito polêmicas sejam resolvidas. Para tanto, os magistrados e demais legitimados deverão suscitar o IRDR, sempre que presentes os requisitos de admissibilidade. A suspensão dos processos poderá ser um problema no curto prazo, mas uma solução a médio e longo prazos.
O Professor teria alguma estimativa do número de casos resolvidos por meio do IRDR?
Podemos ter um número mais preciso de incidentes suscitados. Em 2016, foram 62 e, em 2017, 98, o que dá uma média de dois IRDR por tribunal, no País, considerando a Justiça Estadual, Federal e do Trabalho. É uma ótima média, que indica o sucesso inicial do instituto. A fixação de uma tese pelo IRDR poderá representar a solução de centenas, milhares ou até de milhões de processos pendentes. O CNJ tem uma estimativa desse número, mas há uma enorme dificuldade de uma precisão maior em termos quantitativos. Isso ocorre porque os sistemas judiciais não estão interligados nacionalmente, o que dificulta o levantamento imediato de informações, porque estas são colhidas mediante o levantamento manual dos dados. É claro que essa dispersão de sistemas deve ser superada por inúmeras razões.
Existem formas de essa medida ser aprimorada?
Sim. Em primeiro lugar, há que se ter uma melhor compreensão de todos os aspectos relacionados ao IRDR: a sua genealogia, o seu papel, os requisitos, o procedimento de admissibilidade e de julgamento do mérito, a suspensão dos processos relacionados, os respectivos recursos cabíveis, a aplicação e os efeitos da tese firmada, bem como as possibilidades de distinção e superação. É importante salientar que, de modo geral, os atuais profissionais do direito não tiveram a oportunidade de estudar esse instrumento processual durante a sua formação. Portanto, há que se fazê-lo e compreender bem em obras e cursos sobre o IRDR.
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