Em meio ao atual noticiário repleto de questões fiscais sensíveis e controversas, tais como a proposta de emenda à Constituição para parcelamento do pagamento dos precatórios, o questionamento de eventual redução dos repasses financeiros para estados e municípios com as modificações constantes do projeto de reforma da legislação do Imposto de Renda, ou o respeito ao teto de gastos na implementação de um novo programa social/assistencial (nova versão para o “Bolsa Família” intitulado “Auxílio Brasil”), um assunto tem despontado com relevância nos debates: as emendas parlamentares.
Dentro da proposta da nossa Coluna Fiscal de ser um espaço eminentemente acadêmico e didático em temas de Direito Financeiro, e sem apresentar qualquer viés político, pretendemos adentrar nesta temática realizando uma abordagem instrutiva para fins de futuras reflexões pelo próprio leitor.
A partir da Constituição Federal de 1988, a participação do Poder Legislativo passou a ser determinante na elaboração do orçamento público ao lado do Poder Executivo, conferindo maior legitimidade e efetividade ao processo democrático nas finanças públicas brasileiras.
Como se sabe, a elaboração do orçamento público é de iniciativa do Poder Executivo, sendo os projetos de lei relativos ao plano plurianual, às diretrizes orçamentárias, ao orçamento anual e aos créditos adicionais sempre encaminhados ao Legislativo para apreciação pelas duas Casas do Congresso Nacional, na forma do regimento comum (art. 166, caput, CF/1988).
Após encaminhar os projetos de leis orçamentárias no prazo legal, é permitido ao presidente da República enviar mensagem ao Congresso Nacional para propor modificação nos projetos enquanto não iniciada a votação, na Comissão mista, da parte cuja alteração é proposta (§ 5º, art. 166, CF/1988).
Em seguida, a competência para dar seguimento à criação das leis orçamentárias passa a ser do Poder Legislativo. A apreciação dos projetos ficará a cargo da Comissão Mista permanente de Senadores e Deputados a que alude o § 1º do art. 166 da Constituição. É a concretização da participação popular no orçamento, através dos seus representantes eleitos.
É importante lembrar que este modelo procedimental orçamentário federal deve ser seguido por estados, DF e municípios a partir da aplicação do princípio da simetria constitucional. Portanto, a Casa Legislativa de todo ente federativo deverá apreciar e transformar em lei ordinária as propostas orçamentárias que lhes são apresentadas, sendo possível, dentro das condições e limites legais, apresentar propostas de alteração no respectivo texto (as ditas “emendas parlamentares”).
Durante a análise e apreciação dos projetos, será possível aos congressistas oferecerem emendas aos projetos de leis orçamentárias, que serão apresentadas na Comissão mista, a qual sobre elas emitirá parecer, e apreciadas, na forma regimental, pelo Plenário das duas Casas do Congresso Nacional (§ 2º do art. 166, CF/1988).
A emenda parlamentar, que pode ser apresentada individual ou coletivamente (comissões ou bancadas), é meio pelo qual os parlamentares podem intervir em projetos de lei que não foram de sua autoria, incluindo, alterando ou suprimindo proposições.
As emendas parlamentares podem ser classificadas da seguinte maneira:
I – quanto ao autor: a) emenda individual: apresentada por qualquer parlamentar individualmente (81 senadores e 513 deputados federais), no limite de até 25 emendas no seu mandato; b) emenda coletiva: apresentada por bancadas estaduais, de interesse de cada unidade da federação, ou por comissões permanentes, de caráter institucional e de interesse nacional; c) emenda de relator: apresentada para corrigir erros e omissões de ordem técnica ou legal; recompor, total ou parcialmente, dotações canceladas, limitada a recomposição ao montante originalmente proposto no projeto; atender às especificações dos Pareceres Preliminares.
II – quanto ao objeto: a) emenda à receita: é a que tem por finalidade alteração da estimativa da receita, devido a sua reestimativa por variações positivas ou negativas, ou por renúncia de receitas; b) emenda à despesa: pode ser de remanejamento, que propõe acréscimo ou inclusão de dotações com a anulação equivalente de outras dotações; de apropriação, que propõe acréscimo ou inclusão de dotações com a anulação equivalente de recursos integrantes da Reserva de Recursos ou outras dotações definidas no Parecer Preliminar; ou de cancelamento, que propõe a redução de dotações constantes do projeto; c) emenda ao texto: pode ser aditiva, que acrescenta proposta; modificativa, que altera proposta existente; supressiva, que exclui uma proposta; substitutiva, que substitui proposta principal por outra.
As emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos que o modifiquem somente podem ser aprovadas caso: I – sejam compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias; II – indiquem os recursos necessários, admitidos apenas os provenientes de anulação de despesa, excluídas as que incidam sobre: a) dotações para pessoal e seus encargos; b) serviço da dívida; c) transferências tributárias constitucionais para estados, municípios e Distrito Federal; ou III – sejam relacionadas: a) com a correção de erros ou omissões; ou b) com os dispositivos do texto do projeto de lei (§ 3º do art. 166, CF/1988).
A Emenda Constitucional nº 86/2015 passou a prever, no art. 165, § 9º, CF/1988, que as emendas parlamentares individuais ao projeto de lei orçamentária serão aprovadas no limite de 1,2% da receita corrente líquida prevista no projeto encaminhado pelo Poder Executivo, sendo que a metade deste percentual será destinada a ações e serviços públicos de saúde. Tais emendas passaram a ser de execução obrigatória (impositivas), nos termos do art. 165, § 11, CF/1988.
Por sua vez, quanto às emendas de bancadas estaduais, também se tornaram obrigatórias no montante de até 1% da receita corrente líquida realizada no exercício anterior, conforme o art. 165, § 12, CF/1988 (Emenda Constitucional nº 100/2019).
A Emenda Constitucional nº 105/2019 acrescentou o art. 166-A à Constituição Federal, para autorizar que as emendas individuais impositivas apresentadas ao projeto de lei orçamentária anual possam alocar recursos a estados, ao Distrito Federal e a municípios por meio de transferência especial ou transferência com finalidade definida.
Merece, ainda, ser citado um novo conteúdo que foi acrescido às “Emendas do Relator-Geral” (também chamadas de “Emendas RP 9” – Identificador de Resultado Primário 9), inserido pela Lei nº 13.898/2019 (Lei de Diretrizes Orçamentárias federal de 2020) e repetido na Lei nº 14.116/2020 (LDO de 2021), constando também do art. 7º, § 4º, II, “c”, item 4, PLN nº 3/2021 (projeto de LDO para 2022), cujo texto autoriza a inclusão de novas despesas primárias discricionárias a serem indicadas exclusivamente pelo relator-geral do orçamento ao prever, literalmente, a existência de:
“despesa discricionária decorrente de programações incluídas ou acrescidas por emendas: de relator-geral do projeto de lei orçamentária anual que promovam alterações em programações constantes do projeto de lei orçamentária ou inclusão de novas (…)”.
Por meio de tais emendas, o relator-geral pode livremente indicar órgãos e entidades federais em que serão investidos bilhões de reais. Após isto, parlamentares podem apontar aos órgãos e entidades contemplados onde gostariam de ver tais recursos empregados. A decisão final de atender ou não a pedidos de certos parlamentares em detrimento de outros fica nas mãos destes órgãos e entidades, os quais são integrantes do Poder Executivo.
Justamente pela possibilidade que se abre, em tese, de o Executivo favorecer apenas alguns parlamentares na distribuição das emendas do relator-geral, esta espécie de despesa apresentada pelo relator-geral do orçamento ao projeto de lei orçamentária anual tem sofrido críticas quanto à sua legitimidade e transparência, sobretudo por configurar um poder financeiro livre e amplo, e ao mesmo tempo concentrado nas mãos de um único parlamentar.
Dando-se seguimento à tramitação, encerradas as análises, emitido o parecer pela Comissão Mista, os projetos de leis orçamentárias serão votados pelo Plenário do Congresso Nacional. Aprovado pelo Poder Legislativo, o projeto será encaminhado ao pwresidente da República para a respectiva sanção presidencial, promulgação e publicação no Diário Oficial.
É possível, entretanto, que o presidente da República vete – total ou parcialmente – a proposta orçamentária. Neste caso, o projeto será devolvido ao Congresso Nacional, no prazo de 15 dias, com a comunicação das razões do veto, para ser analisado e votado no Legislativo no prazo de 30 dias. Se o veto for rejeitado, será devolvido ao presidente da República para promulgação final. Se o veto for mantido, o projeto será promulgado pelo chefe do Executivo sem a parte que foi vetada.
As dinâmica das emendas, bem como os diversos interesses em jogo, indicam-nos que o orçamento público – por suas três leis orçamentárias (PPA, LDO e LOA) – não pode ser apenas um campo de batalha. Deve ser configurado sobretudo como instrumento fundamental do Estado Democrático de Direito para dar efetividade às previsões constitucionais e materializar os direitos fundamentais e sociais. Para tanto, os Poderes Executivos e Legislativo devem estar alinhados e despidos de meros interesses próprios em prol do interesse público e do bem-estar do cidadão.