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Direito, Liberdade de Expressão e Fake News: Uma Visão com Enfoque em Fatos e Valores
Nathaly Campitelli Roque
07/08/2018
Em entrevista concedida ao UOL, Aviv Ovadya, chefe de tecnologia do Centro de Responsabilidade para Mídias Sociais e engenheiro formado pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), declarou que o infocalipse (referência ao apocalipse da informação) está se agravando. A entrevista está disponível no seguinte link: <http://www.uol/noticias/especiais/ele-previu-o-apocalipse-das-noticias-falsas.htm#tematico-8>.
Para o especialista, a proliferação de notícias falsas, que pode atingir a política, a economia e até mesmo a saúde (ele dá o exemplo de notícias falsas que podem prejudicar o combate a uma epidemia), gerará uma crise existencial, que pode alcançar a democracia. Tal crise surge do aumento da desinformação, que provoca duas reações: a fragmentação da realidade (quando há um profundo sentimento de incompatibilidade e incompreensão da realidade) e a apatia (quando as pessoas simplesmente desistem de tentar dizer o que é real). E, em seu entender, a democracia não funciona se um desses dois fatores for comum.
Como o próprio especialista alerta, o problema das informações falsas convive com a própria informação. É possível falsear uma informação de muitas formas, até mesmo usando apenas informações verdadeiras – o que inspirou um dos últimos trabalhos de Umberto Eco (o romance Número Zero). O que mudou nesses últimos anos foram a velocidade e a dimensão: um boato pode se espalhar em poucas horas por grupos muito grandes de pessoas.
O que nos chama atenção nessa entrevista é a mudança do paradigma de acesso à informação vigente e a correspondente falta de instrumentos jurídicos aptos para amparar lesões de direitos. O Direito insere-se em uma relação entre fatos e valores, de forma que a tensão entre ambos gera diversas soluções normativas, que, por sua vez, serão efetivamente normatizadas por um ato de poder (tal raciocínio é uma breve síntese da proposta tridimensional de Miguel Reale).
O muito antigo “boato boca a boca” sempre teve sua propagação muito mais rápida da que de qualquer jornal e a punição contra a boataria sempre causou diversas dificuldades, justamente por conta do anonimato e da falta de verificação da fonte antes de o boato ser passado adiante. Desde muito tempo são usadas informações falsas para prejudicar uma pessoa ou grupo, por provocar uma censura social a sua conduta ou reforçar preconceitos.
A formulação do direito de liberdade de expressão, que pune o anonimato e impõe a responsabilização por danos causados, visa responder juridicamente a tais atentados. Assim, podemos concluir que a punição à informação falsa é uma resposta já tradicional do Direito à proteção dos valores “verdade de informação” e “vedação a danos”.
A versão 2.0 da fofoca, porém, difere da tradicional por sua velocidade e alcance social, o que se soma à falta de conhecimento dos meios informáticos por um grande número de usuários e à crença de que o veículo legitima a informação nele contida. Mudando os fatos e sendo valiosa ainda a proteção à verdade de informação e à vedação a danos, como deve o Direito normatizar a situação?
As soluções normativas existentes comportam adaptações por via interpretativa: é o caso da vedação ao anonimato, que pode ser efetivada pelo adequado acesso aos sistemas de informação, ou dos crimes contra a honra e o dever de indenizar. O ponto principal é a obtenção de provas da autoria da notícia falsa e/ou ofensiva – fato esse novo com relação às já conhecidas formas de ofensa.
A assimilação de meios mais modernos de investigação torna-se indispensável nesse movimento: dada a possibilidade adotada pelo novo Código de Processo Civil de admissão das provas obtidas por meio digital, deve-se cogitar da adoção ampla da figura do investigador digital (já existente para investigação de diversos crimes cometidos por meio eletrônico, como é o caso das investigações sobre pornografia infantil e pedofilia).
Quanto à responsabilização de quem difundiu a notícia, essa compreende a necessidade de maior reflexão. Nesse sentido, são envolvidos também os valores ligados ao direito de se informar, de ser informado e da vedação à censura. A opinião que desagrada alguém não pode ter o mesmo tratamento da informação falsa ou ofensiva. E como se devem diferenciar tais situações? Por isso, parece-nos que deixar os critérios claros quanto a tais condutas e suas responsabilizações deve ser o ponto de partida de qualquer normatização jurídica.
Além disso (e como sugerido pelo especialista suprarreferido), prever instrumentos jurídicos de responsabilizar as empresas de tecnologia pelo dano que causam é um caminho jurídico possível. Foi adotada no direito ambiental a diretriz do poluidor-pagador: se a atividade polui, fica o poluidor obrigado a desenvolver meios para diminuir o dano ou evitá-lo. A ideia é a de que a conduta seja a menos danosa possível. A empresa de tecnologia oferece todos os meios de circulação de informações e tem remuneração por isso. Envolvê-la no processo de impedir ou diminuir os danos parece ser uma forma de equilibrar a relação dinâmica (e muito veloz) entre emissores e receptores de informação.
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