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Direito Civil Soviético – Parte I

Carlos E. Elias de Oliveira

Carlos E. Elias de Oliveira

23/09/2024

Na análise de Direito Comparado, é importante ter noção da família dos direitos socialistas, que aqui chamaremos também de Direito Civil Soviético por forcarmos a linha desenvolvida na antiga União Soviética.

A família dos direitos socialistas teve seu marco com a Revolução Russa. Existiu notadamente até a queda do Muro de Berlim. Concentra-se essencialmente na estrutura jurídica da antiga União Soviética. Abrange outros países que adotaram o sistema socialista, mas é preciso fazer sérias ressalvas. As particularidades dessas outras nações são tão robustas que é tentador questionar se realmente elas integram a mesma família. René David, apesar de enquadrá-las nas famílias socialistas, prefere concentrar-se no modelo da antiga União Soviética e deixar o estudo do Direito dos demais países que se intitularam como socialistas para outro momento (David, 2014, pp. 176-177).1

Para René David (2014, pp. 173-177 e 192)2, o foco das famílias dos direitos socialistas é preparar o terreno para um estágio de solidariedade social e de coletivização dos bens de produção. Essa preparação do terreno, todavia, passou a ser realizada mediante a onipotência do partido comunista e a imposição de pesadas formas de opressão e imposição estatais. Não se conseguiu, porém, alcançar o ponto de chegada. O que se viu na União Soviética foi uma intensa regulamentação das relações sociais, com um agigantamento do intervencionismo estatal e com a eliminação daqueles que eram considerados inimigos da humanidade por rejeitarem os ideários marxistas.

A figura do Estado, no modelo utópico do comunismo, deveria desaparecer diante da entrega efetiva dos bens de produção ao povo. O modelo soviético, porém, rumou em sentido contrário. O Estado agigantou-se e tomou o comando da produção e das relações sociais. Nas palavras de René David (2014, p. 230)3, “o sistema socialista que se pretendia criar foi substituído, na União Soviética, por um simples sistema de capitalismo de Estado”. O ideário comunista nunca se concretizou efetivamente.4

Por isso, o direito soviético seguiu com forte conexão com os sistemas romanistas. Valia-se da taxonomia jurídica e da estrutura destes. Não havia, portanto, uma plena originalidade na família dos direitos socialistas. Essa era a tese de René David. A divergência a essa visão provinha de juristas dos países socialistas, que reivindicava uma autonomia. Seja como for, ao menos para o período anterior à queda do Muro de Berlim, é de admitir-se a existência de uma família de direitos socialistas. Os conceitos jurídicos nessa família – ainda que guardem pontos em comum com os sistemas romanistas – assumem sentidos práticos diferentes em razão do modelo político-econômico socialista.5

O estudo comparatista sobre a família de direito socialista precisa ser visto com esses olhos. Apesar da estrutura peculiar do modelo soviético, juristas da família romano-germânica devem manter estudos comparatistas sobre o modelo soviético em busca de soluções jurídicas que podem ser vantajosas socialmente e que podem inspirar reflexões críticas, sem necessidade de conversão ao ideário marxista. É a recomendação de René David (2014, p 175).6

Historicamente, a ligação do direito russo com o modelo romano-germânico é inafastável, conforme René David (2014, pp. 182-190).7 Ao longo da história russa, inexistiu uma tradição jurídica originalmente russa. O modelo jurídico adotado seguiu o direito bizantino (direito romano, portanto). Concebe-se o direito como regras de conduta formuladas pelo legislador e pela doutrina, e não propriamente da jurisprudência (ao contrário da família do common law).

Prosseguiremos na próxima coluna.

Fonte: Migalhas

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1 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 2014.

2 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 2014.

3 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 2014.

4 Houve certo impasse com a Iugoslávia em 1948. Nesta, buscava-se efetivamente entregar os meios de produção ao povo, com o consequente esvanecimento do Estado. Retardar esse processo, como se fosse necessária uma fase transitória de hipertrofia estatal, seria uma traição ao povo. A Iugoslávia, após a experiência de uma Constituição centralizadora de poderes na figura do Estado (Constituição de 1946), caminhou para uma postura descentralizadora nas Constituições posteriores de 1953, 1963 e 1974 (René David, 2014, pp. 229-233).

5 Na década de 1960, René David (2014) afirmava:

(…) Atualmente, transpondo a fronteira de um país do bloco socialista, imediatamente nos surgem um mundo novo, em que os problemas se colocam de um modo diferente que nos países não socialistas e em que até mesmo as palavras adquirem, por vezes, um outro sentido. As palavras democracia, eleições, parlamento, federalismo, sindicatos, convenções coletivas têm um sentido bem diferente, devido, por exemplo, ao fato da existência de um partido comunista onipotente; as palavras propriedade, arbitragem contrato referem-se a realidades diversas, devido à planificação global e à coletivização dos bens de produção. Por essas razões, deve-se classificar o direito soviético numa família diversa da família romano-germânica.

6 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 2014.

7 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 2014.

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