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Decisões Dúcteis: Novos Padrões Decisórios da LINDB

CÓDIGO CIVIL

CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

LEI Nº13.665/2018

LEI Nº9.868/1999

LINDB

PADRÕES DECISÓRIOS DA LINDB

Zulmar Duarte

Zulmar Duarte

10/04/2019

O presente texto fica aquém de uma tomada de posição sobre o fenômeno crescente da chamada do juiz pelo legislador para a complementação do direito positivo. Objetiva-se, pois, somente descrever realidade cada vez mais presente em nosso ordenamento jurídico, as decisões dúcteis[1], isto é, modeláveis pelo juiz na perspectiva do quadro apresentado no caso concreto.

Em nossa visão, tendencialmente o ordenamento jurídico tem cindido o binário ilicitude-nulidade, permitindo que o juiz modele as consequências da constatação da injuridicidade aos vetores apresentados pela situação colocada sob sua apreciação.

Exemplo mais recente disso é a Lei nº 13.665 de 2018, que alterou a Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro — Decreto-Lei nº 4.657 de 1942 —, quebrando a condicionalidade entre a infração da norma proibitiva e a sanção de nulidade do ato.

Importa ter presente, após longa construção histórica[2], nosso ordenamento jurídico positivo considera essencialmente nulo o ato jurídico, em sentido amplo, que viole regra jurídica proibitiva (artigo 166, inciso VII, do Código Civil[3]).

Portanto, a violação ao direito positivo traz consigo, via de regra, a sanção da nulidade do ato, que será desconstituído pela existência de déficit legal na sua formação.

“Tem-se de colher o conteúdo da regra jurídica para se saber se o negócio jurídico a infringe; se infringe, não se precisa ir além na verificação da ofensa e da sanção: é a de nulidade, salvo se outra foi preferida.”[4]

É de nossa tradição o binário ilicitude-nulidade, pelo que o juiz, verificando a infringência de regra jurídica pelo ato, adjudica a consequência da nulidade, desconstituindo o ato.

Nada obstante, a partir de tal fio condutor, o próprio ordenamento pode, por vezes, mitigar a sanção de nulidade (por exemplo, o artigo 277 do Código de Processo Civil[5]), visando o máximo aproveitamento dos atos jurídicos, proteção da boa-fé etc.

Tais flexões no binário ilicitude-nulidade eram excepcionais, podendo aqui ser lembrado o clássico exemplo da cláusula penal, objeto do artigo 413 do Código Civil, que permite o juiz reduzir, e não decretar a nulidade, da pena manifestamente excessiva. Aliás, no juízo de inconstitucionalidade de atos normativos, tais modelações das decisões são admitidas, como expressa o artigo 27 da Lei nº9.868 de 1999[6].

Ainda que assim seja, o fato é que a alteração realizada pela Lei nº13.665 de 2018 à Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro ampliou consideravelmente o poder do juiz modelar as sanções aplicáveis à violação do ordenamento jurídico, afastando-se pura e simplesmente o decreto de nulidade do ato.

Vejam-se alguns desses dispositivos enxertados na LINDB pela referida alteração normativa:

“Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.

Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas.

Art. 21. A decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas.

Parágrafo único. A decisão a que se refere o caput deste artigo deverá, quando for o caso, indicar as condições para que a regularização ocorra de modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais, não se podendo impor aos sujeitos atingidos ônus ou perdas que, em função das peculiaridades do caso, sejam anormais ou excessivos.

Art. 23. A decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais.”.

Perceba-se, para além da injuridicidade do ato, o juiz, em sua atividade decisória, deverá considerar as consequências práticas, jurídicas e administrativas (artigos 20 e 21 da LINDB), pelo que poderá realizar ajustes alternativos ou, ainda, estabelecer condições para regularização do déficit verificado no ato.

Rompe-se assim, de forma ampla, o binário ilícito-nulidade, outorgando novas cores à paleta decisória do juiz, a fim de que ajuste mais adequadamente seu comando sobre a situação posta em apreciação.

Sem dúvida, com isso se acentua a tendência atual de esfumaçar os limites decisórios do juiz, com todos os riscos inerentes (solipsismo etc.), o que reforça o seu dever de externar na motivação as razões de suas escolhas[7]. Igualmente, tais perspectivas devem ser submetidas ao prévio contraditório, em respeito aos comandos estipulados nos artigos 7º e 10 do Código de Processo Civil[8].

Tratam-se de decisões dúcteis, nas quais o juiz, frente ao chamado do próprio legislador, especifica e desenvolve o direito positivo, não só mais em seu preceito (ampliando-o ou restringindo-o), mas também em suas consequências (sanções).

Se o direito é a argila do juiz, cada vez mais ele tem liberdade na sua modelação.


[1]Não se pretende aqui estabelecer qualquer paralelo com a concepção de ZAGREBELSKY. Conquanto o texto, em certa medida, compartilhe das premissas estabelecidas por aquele na identificação da maleabilidade do direito. Vide: ZAGREBELSKY, Gustavo. El Derecho dúctil. 2. ed. Madrid: Editorial Trotta, 1997.
[2]“Em princípio, os legisladores são livre nas discriminação das causas de nulidade e das causas e anulabilidade. Ocorre, porém, que a técnica legislativa veio, através de milênios, experimentando diferentes tratamentos dos suportes fáticos deficitários.” (MIRANDA, Pontes. Tratado de direito privado:parte geral; validade; nulidade; anulabilidade. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2001. Tomo IV, p. 179).
[3]“Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: I – celebrado por pessoa absolutamente incapaz; II – for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto; III – o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; IV – não revestir a forma prescrita em lei; V – for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade; VI – tiver por objetivo fraudar lei imperativa; VII – a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.”
[4]Ibidem, p. 249.
[5]“Art. 277. Quando a lei prescrever determinada forma, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade.”.
[6]“Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.”.
[7]“Art. 489. São elementos essenciais da sentença: I – o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo; II – os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito; III – o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem. § 1oNão se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. § 2oNo caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão. § 3oA decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé.”.
[8]“Art. 7oÉ assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.” “Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.”.

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