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Conjuntura e Estrutura Política: Os problemas vão além
Raquel Cavalcanti Ramos Machado
29/05/2017
Quando, nos dias 17 e 18 de maio, foram divulgados trechos de conversa de Joesley Batista com Aécio Neves e Michel Temer, a desesperança se fez mais uma vez presente na política brasileira. Não que a esperança estivesse instalada, ou os envolvidos gerassem expectativas éticas, mas choca assistir à banalidade com que se transforma a coisa pública em jogo de interesses privados, e, com que esses mesmos interesses, moldam a política. O abolo vem da descarga de realidade, tão mais viva que a imaginação em certos casos, algo semelhante à diferença entre saber da violência e testemunhá-la em cenas nítidas.
Em seguida, a própria autenticidade dos áudios passou a ser questionada. Assim, além da indagação sobre a validade das gravações, instalou-se questão relacionada à responsabilidade na propagação de informações relevantes. A abertura da caixa de pandora na era digital é mais devastadora, mas se faz sem qualquer cuidado. Tão impactante quanto é a banalização da coisa pública, também o é a banalização da forma como se investiga e como se divulgam as notícias e eventos[1]. A vergonha por atos irresponsáveis parece não mais existir.
Ainda na década de 80, retratando as barbáries dos regimes ditatoriais do leste europeu, Milan Kundera alertava, em “A Insustentável Leveza do Ser”:
Quando uma conversa entre amigos, diante de um copo de vinho, é divulgada pelo rádio, uma coisa fica evidente: o mundo transformou-se num campo de concentração.
No caso do Brasil a situação é mais grave, porque são conversas induzidas. Mas como seja, terminam por revelar a face dos envolvidos. E depois que ela é avistada, não há mais retorno. Não se pode ignorar a falta de ética dos envolvidos. Resta saber a que custo para a liberdade, e para a intimidade, esse tipo de procedimento de fiscalização e de divulgação continuará sendo realizado.
Seja como for, independentemente da veracidade dos fatos, diante da situação configurada e de sua complexidade jurídica, paira a sensação de engano ao cidadão, de falha no processo eleitoral, de ausência de legitimidade, de insuficiência do Direito e de desordem. A intenção do voto era outra. A democracia se perdeu no engano ao povo. A política, sempre tão central, não realiza o fim previsto por Hannah Arendt de promover a liberdade. O cidadão está aprisionado em um labirinto de ineficiências públicas.
Considerando os possíveis caminhos do país, todos se revelam complicados e cinza:
– a linha sucessória temporária no caso de vacância não é permeada de expoentes éticos, haja vista a existência de inquéritos contra seus representes (presidente da Câmara, presidente do Senado). Tal raciocínio não se aplica à terceira na linha sucessória (ministra Carmen Lúcia), mas seu perfil político e administrativo não parece desenvolvido.
– a permanência do atual presidente gera desconforto pela ela ausência de legitimidade, acirrada diante do evento narrado inicialmente
– sua saída acarretará eleições num cenário de pouca confiança nos membros do legislativo (em prejuízo da aceitação de eleição indireta). Por outro lado, diante da crise econômica e política, e da proximidade de um próximo mandato, a eleição direta é onerosa sob vários aspectos[2]
Qualquer que seja a situação, trata-se de um engodo, e viveremos tempos difíceis. O Brasil parece se enrolar na própria história, em sua sina caricaturesca de confusão e corrupção. Por mais desolador que seja o cenário, porém, não é só disso que o país é feito. Há pessoas honestas preocupadas com a sociedade, capazes de dedicar sua energia a lutar por uma sociedade próspera, organizada, viabilizadora do desenvolvimento individual. Mas o que ocorre então? Onde elas se perdem? Por que não chegam ao poder?
As questões parecem voltar ao Direito Eleitoral. Afinal, muitas das infrações detectadas pela Lava Jato decorrem de doações irregulares de campanha.
As reformas eleitorais promovidas pela Lei nº 13.165/2015 atenuaram alguns males, ao fixar, por exemplo, teto de gastos em campanhas. Todavia, enquanto as doações puderem ser feitas indiscriminadamente, sem parâmetro fixo por doador, mas com base em percentual de seu rendimento bruto, as campanhas permanecerão desiguais, em desestímulo a quem não tem perfil de se aliar para conseguir arrecadar valores.
Nessa perspectiva, a Justiça Eleitoral tem importante papel estrutural a realizar, concretizando o art. 205 da CF/88, educando para a cidadania. Não bastam campanhas rápidas no rádio e na televisão. São necessárias atividades educacionais duradouras de formação cívica. Somente através do ato educacional na política é possível renovar as esperanças
O cenário, tanto conjuntural como estrutural é preocupante, mas há ainda caminhos a trilhar, que podem conduzir a situação melhor. Suas balizas são exatamente o financiamento de campanha mais justo e a educação para a cidadania. Como nos lembra Victor Hugo, julga-se “bem mais corretamente um homem por aquilo que ele sonha do que por aquilo que ele pensa.” Apesar de pensar que o Brasil está mal, e demorará a sair do terreno lamacento em que se encontra, sonho que possa ser diferente. Acredito, quando observo tantos jovens atônitos com as imoralidades políticas. Se for disponibilizado espaço público, com campanhas mais igualitárias, e estimulada a consciência, as boas ideias e as boas ações poderão florescer.
[1] A propósito do Estado policial, Lenio Streck escreveu excelente artigo no Conjur. http://www.conjur.com.br/2017-mai-25/senso-incomum-estado-policial-comecou-chover-serra
[2] Já discuti as questões relacionadas às ações eleitorais a serem julgadas pelo TSE e o tipo de eleição que considero aplicável em outros textos (https://blog.grupogen.com.br/juridico/2016/12/26/e-se-o-tse-anular-eleicao-da-chapa-dilma-temer/ e https://blog.grupogen.com.br/juridico/2017/04/03/e-agora-presidente-ou-melhor-e-agora-o-que-fazer-com-o-presidente/). Há ainda excelente trabalho do professor José Jairo Gomes abordando também todas essas complexidades (https://blog.grupogen.com.br/juridico/2017/03/30/cassacao-do-presidente-michel-temer-e-nova-eleicao/). Divergimos em alguns pontos, mas o assunto é enfocado por ele com inteira técnica e precisão.
Veja também:
- E agora, Presidente? Ou melhor, e agora, o que fazer com o Presidente?
- E se o TSE anular a eleição da chapa Dilma-Temer?
- Eduardo Cunha & Cia e a Lei das Inelegibilidades
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