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Como o compliance publicitário digital virou o assunto do momento e você talvez nem tenha percebido
18/02/2025
Lucas Scatimburgo
Logo no começo de 2025, uma das notícias que dominou as discussões foi a decisão da Meta de, em linhas gerais, deixar de realizar a checagem de notícias das suas redes sociais, permitir mais tipo de conteúdo, em nome de uma assim definida “liberdade de expressão” e fomentar a circulação de conteúdo político1.
Dias após o anúncio das mudanças da Meta, a rede social Tik Tok foi banida dos Estados Unidos pela Suprema Corte local, que considerou válida lei que obrigava a venda do controle do app – decisão revertida logo em seguida, ampliando-se o prazo para tal venda2.
Paralelamente, em decisão que num primeiro momento parece ter pouco a ver com as demais, o Governo Federal se viu obrigado a recuar de medida que buscava controlar as transações realizadas via Pix, de forma a viabilizar a tributação daqueles profissionais e empresários, inclusive os pequenos, que usam tal método de pagamento para vender produtos e serviços. Isso ocorreu após vídeo de deputado e influenciador distorcer o conteúdo da medida, o qual teria sido fortemente impulsionado pelo algoritmo das redes sociais.
O que pouca gente se deu conta é que o compliance publicitário digital passou a ser o assunto mais debatido por todo mundo e o compliance, que parecia sumido desde sua versão anticorrupção em tempos de Operação Lava-Jato, mostrou sua importância.
Por compliance publicitário digital, deve-se entender as normas e procedimentos internos que definem como ocorre a proteção e exploração de dados pessoais para fins publicitários, bem como a forma que a publicidade será veiculada no ambiente digital. Decerto que o compliance não vai resolver todos esses assuntos como num passe de mágico, mas ele mostra a importância das normas e controles internos para navegar nesse ambiente.
Para quem porventura ainda não se deu conta, as redes sociais e o ambiente digital de forma ampla dependem de um modelo de negócios em que dados pessoais (como idade, gênero, localização, preferências políticas e de todo tipo) são coletados massivamente e transacionados com empresas, que pagam para oferecer publicidade personalizada aos usuários3.
Isso significa que conteúdos que geram engajamento, discussões, o famoso “mais tempo de tela”, são preferidos de forma a impulsionar a receita publicitária para as empresas que mantêm as redes sociais.
Considerando ainda o caráter global e inovador desse ambiente, as leis nacionais, aprovadas por deputados e senadores, não dão conta de regular todas as hipóteses, nem alcançar as especificidades desse cenário.
O resultado é justamente o compliance publicitário digital, cabendo às empresas e governos que atuam nesse setor definir como será sua atuação nesse meio.
Para tanto, é possível pensar basicamente em duas grandes questões: (i) normatizar como os dados pessoais serão utilizados e (ii) em qual contexto o conteúdo irá aparecer, a chamada brand safety.
Quanto à proteção de dados pessoais, existe uma legislação que trata do tema, seja na Europa, com o Regulamento Geral de Proteção de Dados, seja na sua equivalente brasileira, a Lei Geral de Proteção de Dados (“LGPD” – Lei Federal 13.709/2018). Até mesmo nos Estados Unidos é possível encontrar leis estaduais ou decisões judiciais que, no sistema da Common Law, buscar definir parâmetros para o uso de dados pessoais4.
Ocorre que nenhuma dessas leis resolve todos os problemas ou pretende ser exaustiva. Ao contrário, todas elas pressupõem uma normatização interna do tema, com controles próprios de cada empresa.
Assim, cabe a empresas, como agências de publicidade, produtoras, anunciantes – aí incluídos os entes governamentais, como Prefeituras, Estados e Ministérios definir como navegar nesse cenário. Isso significa estarem atentas às origens dos dados pessoais que utilizam, garantir sua regularidade (e não usar dados provenientes da deep web ou de fraudes), bem como estar prontos para fornecer respostas aos seus titulares, caso questionados e, também, às autoridades fiscalizadoras.
Por outro lado, esses mesmos atores devem se atentar a como o conteúdo é apresentado. Para uma empresa, ter um anúncio de eletrodomésticos ou produtos de beleza bem ao lado de um discurso neonazista ou divulgar uma linha de produtos LGBTQIA+ junto com conteúdo homofóbico é o fim, associando as marcas, consolidadas, a valores que não refletem seu posicionamento. Isso ajuda a explicar a saída de anunciantes do antigo Twitter, quando ele se tornou X e passou a admitir mais publicações de todo tipo, em nome da “liberdade de expressão”5.
Nesse caso, a legislação ainda seria menos comum, cabendo a cada empresa definir quais os meios que deveriam ser priorizados, os contextos, numa gestão de marca eficiente. Numa decisão que, em última análise, pode significar financiar o canal do youtuber antissemita ou boicotar aquele com conteúdo homofóbico.
Existem diversos mecanismos que permitem fazer essa gestão, do ponto de vista técnico, mas sua operacionalização precisa de uma definição do que se busca e como.
Na Administração Pública, o Tribunal de Contas da União e a Secretaria de Comunicação Social, do Governo Federal, já contam com decisões e normativos que definem como deve ser essa atuação.
É por isso que, no final do dia, ao noticiar que a Meta irá mudar sua checagem de fatos, permitindo mais fake News ou mais conteúdo político, está se discutindo como a alteração do seu compliance demanda mudanças em todo o ecossistema, para que cada empresa defina se vai seguir esse movimento ou se estará mais atenta para garantir que sua divulgação ocorra em outros contextos, preservando a marca que defende.
Essas questões estão aprofundadas no livro “Publicidade e comunicação pública”, organizado por João Roberto Vieira da Costa, Oscar Kita, Otávio Venturini e, principalmente, no artigo que esse último assina comigo, “Compliance publicitário digital: proteção de dados pessoais e brand safety”. Leitura imperdível!
Sobre o autor:
Lucas Scatimburgo – Doutorando e Mestre em Direito Administrativo pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP). Advogado na área e autor do livro Contratos Administrativos de Serviços de Publicidade.

NOTAS
1 Veja a íntegra do anúncio de Zuckerberg sobre fim da checagem na Meta. Folha de São Paulo, 7 jan. 2025. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/tec/2025/01/veja-a-integra-do-anuncio-de-zuckerberg-sobre-fim-da-checagem-na-meta.shtml>. Em seu livro “A Máquina do Caos”, Max Fisher traz um histórico interessante de como essa noção de liberdade de expressão foi desenvolvida no Vale do Silício ao longo do tempo: FISHER, Max. A máquina do caos: como as redes sociais reprogramaram nossa mente e nosso mundo. São Paulo: Todavia, 2023, pp. 64 e ss.
2 Trump assina ordem prometida ao TikTok que adia a proibição do aplicativo. CNN Brasil, 20 jan. 2025. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/eleicoes-nos-eua-2024/trump-assina-ordem-prometida-ao-tiktok-que-adia-a-proibicao-do-aplicativo/>.
3 Como explica a Professora de Administração em Harvard, Shoshana Zuboff em: ZUBOFF, Shoshana. A era do capitalismo de vigilância: a luta por um futuro humano na nova fronteira do poder. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2020, pp. 112-113.
4 Como apontado em: PEDROSO, L. A. S.; SOUSA, O. A. V. . Redes sociais, proteção de dados e os desafios do compliance digital. Proteção de dados pessoais e compliance digital. 2ªed.Cuiabá: Umanos, 2023, pp. 477-501.
5 DEMPSEY, Jemma. Twitter perde metade da receita com publicidade sob Elon Musk. BBC News, 17 jul. 2023. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/articles/cd1j2g05vqzo>.