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FINANCEIRO E ECONÔMICO
Coluna Fiscal: O teto dos gastos públicos
Marcus Abraham
18/10/2016
A grave conjuntura das contas públicas pela qual o Brasil vem passando se evidencia pela geração de um déficit de até R$ 170 bilhões em 2016, circunstância que é ainda agravada pelo crescimento insustentável da dívida pública federal, a qual deixou, cinco anos atrás, a casa dos 50% do PIB para alcançar o alarmante patamar de 70% do PIB no próximo ano, com viés de alta ilimitada. Tais fatos acarretaram inequivocamente a perda da confiança dos agentes econômicos e o rebaixamento de nota de risco (o que conduz ao aumento das taxas de juros), comprometendo a capacidade de crescimento do país, reduzindo os investimentos públicos e prejudicando a geração de empregos.
Por isso, providências governamentais são esperadas para a retomada do crescimento econômico e recondução da situação financeira ao equilíbrio fiscal.
Uma dessas providências é a recente Proposta de Emenda Constitucional 241/2016, conhecida por PEC dos Gastos Públicos, que institui o Novo Regime Fiscal para todos os Poderes da União (Executivo, Judiciário e Legislativo, inclusive o Tribunal de Contas da União, o Ministério Público da União e a Defensoria Pública da União), bem como órgãos federais com autonomia administrativa e financeira, incluindo as entidades da administração pública federal direta e indireta, os fundos e as fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público e as empresas estatais dependentes.
Segundo a proposta de emenda constitucional, serão incluídos os artigos 101 a 105 no ADCT, através dos quais se estabelecerá, por vinte exercícios financeiros, um limite de gastos individualizado para a despesa primária total em cada ano (excluídas as relativas à dívida pública) para cada Poder, corrigida apenas pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Ou seja, enquanto viger o modelo do Novo Regime Fiscal, não poderá haver crescimento real das despesas públicas federais, e o gasto de 2017 se limitará às despesas de 2016, corrigidas pela inflação deste ano, e assim sucessivamente nos anos seguintes.
Estarão fora do referido limite de gastos:
I – as transferências constitucionais estabelecidas pelos art. 20, § 1º (compensações financeiras aos entes federados pela exploração de recursos naturais e minerais), art. 157 a art. 159 (repartição de receitas de tributos como IR, IPI e ITR) e art. 212, § 6º (cotas estaduais e municipais da arrecadação da contribuição social do salário-educação) da Constituição; bem como as despesas referentes ao art. 21, inciso XIV (manutenção dos serviços públicos e de segurança do Distrito Federal) da Lei Maior, e as complementações de que trata o art. 60, caput, inciso V, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (complementação pela União de Fundos de Educação);
II – os créditos extraordinários a que se refere o art. 167, § 3º, da Constituição (despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública);
III – as despesas com a realização de eleições pela justiça eleitoral;
IV – outras transferências obrigatórias derivadas de lei que sejam apuradas em função de receita vinculadas; e V – as despesas com aumento de capital de empresas estatais não dependentes.
E, como medida punitiva em caso de descumprimento do limite, aplicar-se-ão, no exercício seguinte, ao Poder ou ao órgão que o descumprir, as seguintes vedações:
I – à concessão, a qualquer título, de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração de servidores públicos, inclusive do previsto no inciso X do caput do art. 37 da Constituição, exceto os derivados de sentença judicial ou de determinação legal decorrente de atos anteriores à entrada em vigor da Emenda Constitucional que instituiu o Novo Regime Fiscal;
II – à criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa;
III – à alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa;
IV – à admissão ou à contratação de pessoal, a qualquer título, ressalvadas as reposições de cargos de chefia e de direção que não acarretem aumento de despesa e aquelas decorrentes de vacâncias de cargos efetivos; e
V – à realização de concurso público.
É importante esclarecer que um dos motivos de tal determinação ser veiculada por uma emenda constitucional está na ideia da separação dos poderes e na garantia da respectiva autonomia de cada um deles, evitando-se que o Poder Executivo tenha discricionariedade para, sozinho, fixar os limites aos demais.
Como se vê, a tese central que está por detrás desta PEC é a de se estabilizar o crescimento da despesa primária, limitando o ritmo da evolução das despesas públicas segundo a variação da inflação, evitando o crescimento real dos gastos de maneira desmedida, arbitrária, muitas vezes pautado por interesses e pressões políticas. Isso porque, no período entre os anos 2008-2015, a despesa cresceu 51% acima da inflação, enquanto a receita evoluiu apenas 14,5%.
Contudo, a maior preocupação que surge com essa proposta – não obstante louvarmos toda e qualquer medida que imponha responsabilidade fiscal e razoabilidade nos gastos públicos – é a imposição de limitação ao crescimento dos gastos com saúde, educação e demais direitos sociais e fundamentais. Sabemos que a saúde e a educação possuem percentuais constitucionais mínimos. No entanto, estes não podem ser restringidos e nem convertidos em percentuais máximos, afinal, a pretendida limitação financeira poderá trazer ainda mais restrições orçamentárias e, por decorrência, mais prejuízos para a sociedade nesses importantes setores.
Propomos a reflexão sobre outras medidas alternativas que nos vêm à mente neste momento, tais como: a) a manutenção do crescimento das despesas públicas prioritárias, com a fixação de teto apenas para as despesas consideradas como “secundárias”; b) a inclusão de um percentual de crescimento anual para despesas prioritárias, como educação, saúde e demais direitos fundamentais, a ser agregado à variação inflacionária.
A primeira proposta alternativa que apresento envolve considerar uma limitação orçamentária apenas aos “gastos-meio” (aparato estatal), preservando-se os “gastos-fim” (despesas com direitos sociais e fundamentais). Noutras palavras, teríamos a priorização dos interesses públicos primários sobre os interesses públicos secundários. Assim, enquanto os primeiros estão relacionados à atuação estatal para o atendimento de necessidades dos cidadãos, como educação, saúde, segurança, os segundos voltam-se para o atendimento de necessidades internas da máquina burocrática, de modo que a Administração Pública possa funcionar devidamente.
A outra proposta alternativa que trago à reflexão envolveria uma pequena alteração na PEC nº 241/2016, incluindo-se um crescimento nominal às despesas fundamentais (educação, saúde e direitos sociais), mantendo-se o teto de gastos, sem que se tenha que alterar o núcleo do projeto de emenda constitucional apresentado.
Não obstante a reflexão sobre essas duas propostas alternativas, uma terceira parece-me imprescindível: estender a limitação dos gastos públicos, seja como vierem, aos demais entes federados, ou seja, aos Estados, Distrito Federal e Municípios, e, assim, cumprir em todas as esferas federativas o mandamento imperativo de respeito e fiel observância da Lei de Responsabilidade Fiscal, que já traz o mecanismo de metas fiscais (art. 4º, § 1º, LRF), instituto vilipendiado nos últimos anos.
Não podemos nos esquecer de que o Estado não possui um fim em si mesmo – e nem existe para atender interesses individuais, setoriais ou político-partidários -, mas, sim, constitui um instrumentoa serviço do cidadão, para que este detenha as condições mínimas para seu florescimento humano. Um dos dogmas da visão contemporânea acerca do fenômeno estatal, que é também uma de suas glórias, reside exatamente em não nos olvidarmos de que o Estado está ordenado ao ser humano, e não ao revés.