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Coluna Fiscal: Limite prudencial nas despesas públicas de pessoal
Marcus Abraham
07/11/2016
A crise financeira que vem assolando inúmeros entes da federação brasileira – desde a União, até inúmeros Estados e diversos Municípios – tem trazido ao debate uma antiga e importante questão: a desmedida elevação dos gastos públicos com despesas de pessoal. Dados recentes publicados pelo Tesouro Nacional apontam, em relação aos 26 estados e DF, para um crescimento médio destas despesas da ordem de quase 40% no último ano.
Tal preocupação não é nenhuma novidade e foi um dos principais focos de atenção da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000) desde a sua edição, ao regulamentar a previsão constante no artigo 169 da Constituição Federal, que dispõe: “a despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar”.
A partir da LRF, as despesas de pessoal são condicionadas a outros requisitos além daqueles que a Constituição já impunha. Sua realização passa a exigir uma estimativa de impacto orçamentário e a comprovação de que seu gasto não afetará as metas de resultados fiscais, bem como a demonstração da sua adequação à lei orçamentária e compatibilidade com o plano plurianual e lei de diretrizes orçamentárias. Ainda, a lei veda a realização de aumento da despesa com pessoal nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato do titular do respectivo Poder ou órgão. Criam-se, também, limites de gastos globais e de gastos por poder ou órgão, fixados com base na receita líquida corrente, cujo atendimento deverá ser verificado quadrimestralmente. A propósito de tais limites, instituiu-se um mecanismo de limite prévio, na base de 95% dos valores estabelecidos como teto de despesa de pessoal, para resguardar o volume máximo de gastos e não excedê-los.
Este percentual máximo de 95% é denominado de limite prudencial de gastos com pessoal, e está previsto no parágrafo único do artigo 22 da LRF. Tal mecanismo – dotado de efeito acautelatório e preventivo – funciona como uma espécie de “sinal de perigo”, não apenas para alertar o poder público da aproximação dos limites máximos, mas, principalmente, por impor ao gestor restrições de gastos que evitem seu atingimento.
Assim, quando atingido o percentual de 95% do limite de gastos com pessoal, estará vedado ao Poder ou órgão que houver incorrido no excesso: I – conceder vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração a qualquer título, salvo os derivados de sentença judicial ou de determinação legal ou contratual, ressalvada a revisão geral anual da remuneração dos servidores públicos prevista no inciso X do art. 37 da Constituição; II – criar cargo, emprego ou função; III – alterar estrutura de carreira que implique aumento de despesa; IV – prover cargo público, admitir ou contratar pessoal a qualquer título, ressalvada a reposição decorrente de aposentadoria ou falecimento de servidores das áreas de educação, saúde e segurança; V – contratar hora extra, salvo no caso de convocação extraordinária do Congresso Nacional em caso de urgência ou interesse público relevante (inciso II do § 6º do art. 57 da Constituição) e as situações previstas na Lei de Diretrizes Orçamentárias.
A LRF estabelece a frequência quadrimestral para a aferição e acompanhamento do cumprimento dos limites máximos globais para as despesas de pessoal ativo e inativo de todos os Poderes e entes federativos, tal como previsto nos seus artigos 19 e 20. Assim, a referida verificação, a cargo dos Tribunais de Contas, juntamente com o sistema de controle interno de cada Poder (art. 59, inciso III; § 1º, inciso II e § 2º,LRF), se realizará ao final dos meses de abril, agosto e dezembro (art. 22,caput), levando em consideração o disposto no artigo 18, § 2º, o qual estabelece que a despesa total com pessoal será apurada somando-se a realizada no mês em referência com as dos onze imediatamente anteriores, adotando-se o regime de competência.
Cumpre lembrar que o conceito de despesa com pessoal estabelecido pela LRF não depende da natureza do vínculo empregatício. Assim, as despesas com servidores, independentemente do regime de trabalho a que estejam submetidos, integram a despesa total com pessoal e compõem o cálculo do limite de gasto com pessoal. Consideram-se incluídos tanto servidores efetivos, como cargos em comissão, celetistas, empregados públicos e agentes políticos.
Ademais, o conceito também não depende de avaliação jurídica sobre a legalidade ou não da contratação. Assim, tanto as contratações por tempo determinado para atender necessidade temporária de excepcional interesse público, como as que poderão vir a ser contestadas à luz do instituto constitucional do concurso público, por exemplo, deverão ser registradas na despesa com pessoal, independentemente da verificação da legalidade ou validade das contratações.
Além disso, este conceito de despesa bruta com pessoal tem caráter exemplificativo e inclui “quaisquer espécies remuneratórias”, inclusive “vantagens pessoais de qualquer natureza” atribuídas a ativos, inativos e pensionistas, bem como outras despesas com pessoal decorrentes de contratos de terceirização, aplicando-se o princípio da prevalência da essência sobre a forma. Inclui, também, despesas de natureza previdenciária, tais como encargos sociais e contribuições recolhidas pelo ente às entidades de previdência.
Portanto, a despesa total com pessoal é considerada pelo somatório dos gastos do ente da Federação – de quaisquer dos três níveis federativos – com os ativos, os inativos e os pensionistas, relativos a mandatos eletivos, cargos, funções ou empregos, civis, militares e de membros de Poder, com quaisquer espécies remuneratórias, tais como vencimentos e vantagens, fixas e variáveis, subsídios, proventos da aposentadoria, reformas e pensões, inclusive adicionais, gratificações, horas extras e vantagens pessoais de qualquer natureza, assim como encargos sociais e contribuições recolhidas pelo ente às entidades de previdência.
E, atendendo ao disposto no art. 169 da Constituição, que estabelece a necessidade de fixação por lei complementar de limites máximos para as despesas de pessoal ativo e inativo de todos os Poderes e entes federativos, os arts. 19 e 20 da LRF preveem que: a) a despesa total com pessoal (limites globais), não se computando aquelas excetuadas nos §§ 1º e 2º do art. 19, em cada período de apuração e em cada ente da Federação, não poderá exceder os percentuais da receita corrente líquida, conforme os a seguir discriminados: I – União: 50% (cinquenta por cento); II – Estados: 60% (sessenta por cento); III – Municípios: 60% (sessenta por cento); b) a repartição dos limites globais anteriormente citados não poderá exceder os seguintes percentuais de limites por poder, órgão e ente federativo: I – na esfera federal: a) 2,5% (dois inteiros e cinco décimos por cento) para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas da União; b) 6% (seis por cento) para o Judiciário; c) 40,9% (quarenta inteiros e nove décimos por cento) para o Executivo; d) 0,6% (seis décimos por cento) para o Ministério Público da União; II – na esfera estadual: a) 3% (três por cento) para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas do Estado; b) 6% (seis por cento) para o Judiciário; c) 49% (quarenta e nove por cento) para o Executivo; d) 2% (dois por cento) para o Ministério Público dos Estados; III – na esfera municipal: a) 6% (seis por cento) para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas do Município, quando houver; b) 54% (cinquenta e quatro por cento) para o Executivo.
Como se pode perceber, as despesas de pessoal são consideradas pela LRF como um dos aspectos mais relevantes dos gastos estatais, disciplinando o tema com detalhamento e rigor, definindo e impondo limites para esses gastos às três esferas federativas, de forma a evitar o comprometimento de grande parte, ou mesmo toda a receita de órgão ou ente público, em sacrifício dos recursos destinados a direitos fundamentais ou sociais, investimentos ou a implantação de políticas públicas. Avançado e salutar mecanismo fiscal, o limite prudencial para os gastos com pessoal não pode ser olvidado pela Administração Pública e nem pelos respectivos órgãos de controle.
Veja também:
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