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A filosofia da sustentabilidade nos debates do pacote de ajuste fiscal

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A filosofia da sustentabilidade nos debates do pacote de ajuste fiscal

AJUSTE FISCAL

PLP Nº 210/2024

Marcus Abraham

Marcus Abraham

16/05/2025

As medidas de ajuste fiscal debatidas na tramitação do Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 210/2024, encaminhado para sanção no dia 20/12, reascendem a importância do princípio da sustentabilidade da dívida pública para a garantia de direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito.

O PLP 210/2024 propõe alteração da LC nº 200/2023, que instituiu regime fiscal sustentável para garantir a estabilidade macroeconômica do país e criar as condições adequadas ao crescimento socioeconômico. Em linhas gerais, o projeto apresenta um limite de gastos mais duro em caso de déficit. Conforme a proposta, se houver um déficit primário, será vetada a concessão, ampliação ou prorrogação de incentivos ou benefícios fiscais. A medida também estabelece limites para o aumento das despesas com pessoal. Ademais, o governo terá a capacidade de suspender ou restringir uma parte das emendas parlamentares ao Orçamento em situações de resultados negativos na economia.

O fundamento filosófico da sustentabilidade da dívida é a equidade ou justiça intergeracional. A partir de uma análise eminentemente jurídica, sem adentrar em especificidades atinentes aos campos da Economia e da Administração, pretende-se aqui jogar luzes sobre a filosofia por trás da sustentabilidade da dívida pública.

Há várias correntes filosóficas que se prestam a justificar a equidade intergeracional. A literatura menciona diversas teorias, como as da herança, do usufruto, da responsabilidade, da reciprocidade indireta, a utilitarista e a igualitarista [1].

Nos teóricos da herança, está presente a ideia de que as gerações presentes herdam de seus antepassados os recursos por eles criados. Assim, apresenta-se um encargo de restituição de um benefício a outra geração, como em uma transmissão de propriedade de geração para geração ao longo do tempo [2].

A teoria do usufruto, por sua vez, está em sentido oposto, que determina um modelo de empréstimo, visto que se afasta da ideia de propriedade e se aproxima da concepção de posse de algo que realmente pertenceria a uma geração de proprietários que nunca chegaria a existir, pois sempre se referiria ao tempo futuro [3].

Na teoria da responsabilidade [4], o elemento ético é central para chegar à importância da justiça entre gerações sob pena de risco de não sobrevivência da própria humanidade.

Já a teoria da reciprocidade indireta[5], ao adotar um paradigma de comutatividade, leva à ideia de que cada geração deveria algo às gerações seguintes porque recebeu algo das gerações passadas, em uma lógica de deveres em cadeia.

A justiça intergeracional, sob a ótica do utilitarismo, seria mais um caminho para alcançar bem-estar e felicidade. Assim, na medida em que o justo seria determinado a partir de um princípio de maximização do tamanho do bolo dos recursos disponíveis, dada uma mesma comunidade, considerar-se-ia que esse princípio ocorra indefinidamente e, portanto, perpassando várias gerações não simultâneas [6]. Por outro lado, na visão de Fabricio Dantas, uma visão apenas utilitarista naturalmente tenderia a fomentar o bem-estar presente, em detrimento do futuro [7].

No igualitarismo, existem algumas subcorrentes: comunitarista, libertarista e contratualista [8]. A primeira dá ênfase nas comunidades e no fato de que elas precederiam o indivíduo, em um contexto que a tal justiça não seria entre gerações, mas entre o indivíduo e sua comunidade, em uma coesão cultural da comunidade. Segundo essa subcorrente, haveria igualdade na medida em que inexistiria primazia de qualquer geração no tempo histórico da comunidade.

A corrente libertarista traz destaque para o indivíduo diante da comunidade. A liberdade é assumida como valor absoluto, de modo totalmente inverso ao comunitarista. Nesse contexto, é a autonomia do indivíduo que precederia a própria comunidade. A partir dessa lógica, proibições de despoupança em prol de gerações futuras apenas seria justificável quando direitos da liberdade de alguém estivessem sendo violados. Percebe-se, portanto, que seriam limitadíssimas as hipóteses em que se justificaria o sacrifício no presente em favor de algo ainda potencial, inexistente.

Por último, na perspectiva contratualista, mesmo em vista da assincronia entre os contratantes, seria possível chegar a um fundamento sólido para a poupança intergeracional.

Teoria da Justiça e a Poupança Justa

John Rawls já tecia considerações sobre a igualdade e a sua preservação ao longo do tempo em sua grande obra, Uma Teoria da Justiça [9], inserida no contexto da justiça distributiva.

O raciocínio é o de que, sob um véu de ignorância, as partes envolvidas escolheriam deixar para o futuro recursos que viabilizem a manutenção da situação presente, até porque, nesse modelo hipotético, as partes sequer saberiam a que geração elas pertenceriam, se a presente ou a futura [10].

Na teoria de Rawls, a justiça entre as gerações está atrelada a um princípio de eficiência econômica – o princípio do benefício –, em que a afetação de recursos decidida por cada geração seria eficiente se os seus membros suportassem o custo dos bens públicos que consomem. Assim, as despesas correntes devem ser custeadas no decurso do período de vida útil do capital que constituem, com o dever da distribuição de seu valor entre as várias gerações que dele se beneficiam [11].

Rawls argumenta que uma teoria da justiça deve enfrentar a questão de saber se o sistema social — a economia competitiva envolvida pelas instituições básicas — [12] atende aos princípios de justiça [13]. Para ele, a resposta depende de alguns fatores relacionados ao nível fixado para o mínimo social e sua perspectiva ao longo do tempo.

Segundo Rawls, o mínimo social deve ser “fixado no ponto que, tendo em conta o nível salarial, maximize as expectativas do grupo menos favorecido” [14], o que, contudo, não significa que a riqueza dos cidadãos mais abastados deva ser diminuída até que todos tenham aproximadamente a mesma renda. A ideia é a de que:

A expectativa é de que a sociedade seja organizada de modo que as perspectivas a longo prazo dos menos desfavorecidos se estendam às gerações futuras. Disso, decorre a ideia de poupança justa entre gerações, que seria exigida como condição para a realização plena de instituições justas e das iguais liberdades para todos, em um sacrifício do padrão de vida atual que seria maximamente possível para garantir não só que as próximas gerações possam ter seus direitos assegurados, como também seja possível melhorar o seu padrão de vida [15].

A ideia foi tratada como a de um Princípio de Poupança Justa, cujos limites Rawls afirmou não ter condições de desenvolver em sua Teoria da Justiça de 1971 [16] inicialmente, mas, mais à frente, elaborou, no estudo Justiça como equidade uma reformulação, de 2003 [17]. A noção é a de que “o princípio de poupança justa vigora entre gerações, ao passo que o princípio de diferença vigora dentro de uma geração” [18]. Segundo Rawls [19]:

A ideia de poupança se justificaria pelos seguintes motivos [20]:

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