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Blockchain, ONR, Sinter – Verdades e Mentiras
Sérgio Jacomino
19/06/2018
Ao longo do mês de maio troquei inúmeras mensagens com as jornalistas Vívian Soares e Juliana Veronezi, que acabaram rendendo uma longa entrevista, aproveitada em pequena parte na reportagem do número inaugural da Revista “Debate Imobiliário”, editada pelo Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário.
As respostas que foram dadas às inteligentes perguntas formuladas pelas jornalistas merecem ser conhecidas pelos leitores do site Gen Jurídico e do IRIB – Instituto do Registro Imobiliário do Brasil, razão pela qual disponibilizo-as em primeira mão.
Sérgio Jacomino.
Blockchain: disrupção no mercado imobiliário?
Quais são os principais impactos que a blockchain trouxe para o mercado imobiliário?
Posso estar muito enganado, mas não vislumbro que se tenha produzido um impacto “disruptivo” no mercado imobiliário com o advento da blockchain. Entre nós, salvo uma isolada iniciativa de oferta de imóveis com pagamento em criptomoeda, nada se realizou concretamente que pudesse abalar o remansoso mercado jurídico relacionado com a compra e venda de bens imóveis. Tenho observado que o fenômeno da blockchain é uma festa, um hype. Filio-me aos céticos e fico com a boutade de Kai Stinchcombe no delicioso artigo intitulado Blockchain is not only crappy technology but a bad vision for the future: “não existe uma única pessoa no mundo com um problema qualquer e que descobrisse que uma solução baseada em blockchain seria a melhor resposta e que, por isso, terá se tornado um entusiasta da dessa nova tecnologia” (acesso aqui: http://bit.ly/2Ia6Jq0).
Em um de seus artigos, você diz que os sistemas blockchain não seriam eficientes para substituir órgãos como os cartórios. Como ambos os sistemas centralizados e decentralizados podem conviver em sinergia?
Vamos por partes, como alguém terá feito em Londres. É preciso definir o que sejam sistemas centralizados e descentralizados no contexto de sua pergunta. Partamos do princípio de que os cartórios de registro de imóveis compõem um sistema descentralizado. Eles sempre foram assim, descentralizados, desde o advento da sua primeira dentição, com o Registro Hipotecário de 1846. A complexa estruturação do Registro de Imóveis assentou-se na ideia de dispensação de funções, irradiação de competências, distribuição de atribuições registrais a delegados do serviço extrajudicial. Desde então o modelo se manteve: milhares de unidades criadas por lei e espalhadas por todo o território do país, tendo à frente um Oficial do Registro com delegação de funções. Essas funções de Registro de Imóveis singularizam-se na atuação de seus Oficiais. O aspecto mais importante, relativamente à sua pergunta, é constatar que os documentos, papeis, dados e registros deveriam, como ainda hoje, remanescer na unidade registral, sob a estrita responsabilidade do Oficial do Registro, que deve zelar por sua conservação e integridade (art. 22 e seguintes da Lei 6.015/1973 e art. 46 da Lei 8.935/1994).
Registro de Imóveis e a proteção de dados pessoais e reais
É possível apropriar-se da ideia de descentralização de dados, que parece ser a pedra-de-toque da blockchain, e aplicá-la aos cartórios?
De fato, os dados registrais acham-se distribuídos entre milhares de serventias espalhadas por todo o território nacional. Seria quase uma blockchain analógica, avant la lettre, não fosse o fato de que os dados registrais, compondo ontologicamente uma coleção unitária, não são, todavia, compartilhados no digital ledger. Talvez resida aí o segredo da não vulneração da privacidade por cadastros e coleções de dados pessoais e reais que pululam por aí, feito pulgas nas opacas esquinas digitais.
O Sr. pode ser mais específico quando se refere a “esquinas digitais”?
Falo da apropriação de dados sensíveis dos cidadãos por agências legais ou ilegais que atuam no mercado de informações. O fenômeno da blockchain revela a fragilidade de sistemas de dados centralizados, como os dados da Receita Federal, do INSS, operadoras de telefonia, etc., que podem ser atacados e frequentemente o são. Sites como “Tudo Sobre Todos”, ou “Telefone Ninja” ou o mais recente “Consulta Pública” revelam dados de caráter pessoal ou patrimonial sobre os cidadãos brasileiros sem o seu consentimento formal (v. http://bit.ly/2rGO9uD). Os cartórios de Registro de Imóveis, por não concentrarem os dados acerca das titularidades dos brasileiros numa central nacional, protegeram muito bem, até aqui, os cidadãos da bisbilhotice digital quando assunto é o inventário patrimonial e de direitos imobiliários.
Como o Sr. enfrenta as críticas que são feitas aos cartórios pelo zelo excessivo na guarda dos dados, sabendo-se que a própria Lei de Registros Públicos prevê que “qualquer pessoa” pode obter certidões ou informações do registro sem informar ao oficial o motivo ou interesse do pedido?
De fato, essa é a redação do art. 17 da Lei de Registros Públicos. Mas devemos nos lembrar de que essa disposição legal é reprodução idêntica do art. 20 do Decreto 4.857 de 1939. Nessa época as novas tecnologias não se contavam com as ferramentas e potencialidades que hoje apresentam em que é possível facilmente construir um repositório digital em que se apure em segundos o acervo patrimonial de qualquer cidadão. Não podemos nos olvidar que a lei sempre teve em mira facilitar a obtenção de certidão de um determinado registro, a fim de instruir e aparelhar uma transação imobiliária, não constituir um inventário patrimonial. Penso que essa disposição legal não foi recepcionada pela CF/1988 e não encontra suporte na Lei 12.965, de 2014, que trata da privacidade e proteção dos dados pessoais no âmbito das redes eletrônicas, fundamento que, aliás, encabeça o Provimento 47/2015 do CNJ.
O Sr. tem advertido que o Projeto SINTER, da Receita Federal, pode representar uma ruptura no modelo tradicional do Registro de Imóveis brasileiro. Diz ainda que a centralização de dados pode ser a porta de entrada ao que o Sr. denomina de “bisbilhotice digital”. Gostaria que pudesse comentar.
Como se sabe o Projeto SINTER foi criado pelo Decreto 8.764/2016, visando regulamentar o art. 41 da Lei 11.977/2009. Mas o referido decreto não pode ser visto e compreendido isoladamente, eis que integra um sistema complexo composto pelo citado decreto, além de outros dois – os decretos 8.777/2016 e 8.789/2016 –, conjunto que pode dar azo ao fenômeno de fragilização do sistema registral com a venda de dados pessoais. Recentemente, o Ministério Público do Distrito Federal publicou uma nota aludindo à comercialização de dados dos cidadãos brasileiros. Segundo o promotor de justiça Frederico Meinberg essa prática seria “um negócio milionário no qual os dados armazenados e geridos pela própria administração pública são vendidos para a mesma administração pública” (acesso aqui). Temo que os dados recolhidos pelo SINTER poderiam ter o mesmo destino… Já escrevi sobre esse microssistema que pode vir a fragilizar o sistema registral brasileiro (Meus dados registrais – meu cadastro estatal).
Voltando à sua pergunta, o art. 41 da Lei 11.977/2009 é bastante claro: “os serviços de registros públicos disponibilizarão ao Poder Judiciário e ao Poder Executivo federal, por meio eletrônico e sem ônus, o acesso às informações constantes de seus bancos de dados”. Leia-se: os próprios cartórios, unidades que integram o SREI (§ 5º do art. 76 da Lei 13.465/2017), darão acesso aos seus (dos cartórios) bancos de dados. Note: dar acesso não significa construir um sistema paralelo, redundante e vulnerável. Os parágrafos 6º e 7º do art. 76 da citada lei, aperfeiçoando o SREI, espancam todas as dúvidas acerca do quadro hierárquico que vincula o SINTER ao próprio SREI. Lamentavelmente, o Decreto do SINTER preferiu a via da centralização de dados na própria administração, criando na prática um super-registro centralizado, redundante e vulnerável, com a matrícula nacional (chamada de “CPF do imóvel”). Prefiro chamar esse modelo de NEOREGISTRAL.
Ainda agora a Folha de São Paulo noticia que o Governo paulista vende serviço com dados sigilosos do RG de 30 milhões de cidadãos… [acesso aqui].
Lamentavelmente não temos uma legislação protetiva como na União Europeia, que em 27/4/2016 baixou o Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho (Regulamento 2016/679) que trata a proteção das pessoas singulares relativamente ao tratamento de dados pessoais como um direito fundamental. Segundo dito Regulamento, os dados de caráter pessoal podem ser utilizados por terceiros a partir do consentimento livre, informado, específico e inequívoco do titular, exigindo-se declaração ou uma ação positiva do interessado, não se admitindo o consentimento tácito (aqui: http://bit.ly/2IfDEtq).
Blockchain pode agregar confiabilidade bem como pôr em xeque modelos tradicionais de transacionar imóveis
Voltando ao tema da blockchain, será possível compatibilizar o Registro de Imóveis com iniciativas de registro no digital ledger?
É perfeitamente possível. A blockchain é uma ferramenta tecnológica inovadora e utilíssima e pode, de fato, agregar confiabilidade e certeza a determinadas coleções de dados digitais. Mas não tomemos o todo pela parte, o contentor pelo conteúdo – a menos que nos fiemos literalmente na deliciosa expressão derivada do pensamento de McLuhan de que “o meio é a mensagem”. A blockchain não é o Registro de Imóveis – assim como o selo de autenticidade não é aquilo que é autêntico em virtude de disposições legais. Por exemplo, um documento que tenha as firmas reconhecidas por um tabelião será considerado autêntico graças à atuação do notário e não pela aposição de um selo eletrônico de autenticidade (inc. I do art. 411 do CPC). A blockchain é uma ferramenta, como são tantos outros instrumentos e atributos conferidos pela lei a certos sujeitos e a determinados atos jurídicos com o fim de conferir certeza, confiança e previsibilidade num ambiente crescentemente complexo e inseguro como é o mercado contemporâneo.
Qual é o futuro da blockchain no mercado imobiliário? O que ela pode ensinar para os sistemas centralizados vigentes?
Toda tecnologia inovadora tem um potencial disruptivo. É o que proclamam os arautos do admirável mundo novo da tecnologia da informação e comunicação. Logo, é de se imaginar que a blockchain poderá ser “disruptada” a qualquer momento, antes mesmo de se tornar o futuro do mercado imobiliário. Se olharmos com atenção, de alguma forma é o que está acontecendo com a criação de cadeias de blockchain descoladas da infraestrutura do bitcoin, com ativos do mercado imobiliário (bens, serviços e direitos) representados por tokens, que são espécies de fundos imobiliários de caráter fiduciário. Mas colocando de lado o que pode ser apenas um hype, que dá ânimo e fôlego a bolhas de startups, as novas tecnologias, de fato, podem colocar em xeque os modelos tradicionais de intercâmbios econômicos envolvendo bens imóveis.
O Sr. poderia nos dar alguns exemplos?
Hoje há uma série de obstáculos que devem ser vencidos para que um bem imóvel possa ser negociado com segurança no mercado imobiliário. Inúmeros agentes – notários, corretores, advogados, registradores, avaliadores, juízes, reguladores, coletores, etc. – e inúmeras fontes de dados espalhadas em múltiplos estamentos, como cadastros, órgãos municipais e estaduais, distribuidores judiciais para obtenção de certidões negativas, cartórios, etc., tudo isso deve ser vencido pelos contratantes para a concretização de um negócio jurídico e ainda assim com limitada e relativa segurança jurídica. O processo é custoso, moroso e burocrático. Mesmo quando parcelas das informações e dos serviços possam ser acessados por meio da internet, o interessado tem que peregrinar por múltiplos portais e canais para pesquisar sobre o mesmo bem e o mesmo vendedor. Isso é infernal, simplesmente irracional… Temos um exemplo dessa entropia no Portal RegistradoresBR (http://registradoresbr.org.br/), criada com base no Provimento 47/2015 do CNJ, que condena o usuário do serviço registral a um verdadeiro calvário para obtenção de poucos serviços que são prestados pelas centrais estaduais em meios eletrônicos.
As Centrais Estaduais de Registros de Imóveis, criadas nos estados pelo Provimento 47/2015 do CNJ, não resolveram esse problema?
O ato normativo do CNJ, ao buscar o estabelecimento de diretrizes gerais para o sistema de registro eletrônico de imóveis, foi uma excelente iniciativa, mas ficou a meio caminho dos objetivos que foram consagrados nos estudos do próprio CNJ sobre a implantação do SREI – Sistema de Registro de Imóveis eletrônicos, previsto nos artigos 37 e seguintes da Lei 11.977/2009. A partir daí foram criadas centrais estaduais de prestação de serviços de intermediação entre os usuários dos serviços e os registros prediais, agravando os efeitos de dispersão, assimetria, agregando custos de portagem sem a correspondente previsão legal. As centrais não se acham coordenadas entre si, não há padrões de interoperatividade, e uma vez mais o cidadão se vê obrigado à via crucis de peregrinar portais de serviços na internet ou os próprios balcões de cartórios para obter a informação de que necessita ou realizar o registro que persegue. Essas etapas geram custos, suscitam conflitos, produzem redundâncias, erros, tempo perdido. Como abreviar e racionalizar o percurso legal e burocrático entre o vendedor e o adquirente de um bem imóvel? Como o mercado pode obter de maneira fácil, barata e racional informações sobre a situação jurídica dos bens no comércio? Como universalizar o acesso por meios eletrônicos aos Registros de Imóveis do país? Essas são questões centrais que devem ser postas em debate. E aqui voltamos ao jogo das sinédoques: as centrais estaduais não são o Registro de imóveis, assim como um organismo vivo é sempre maior do que a soma de todos os seus órgãos. Para abusar da metáfora, em relação ao mercado estamos tomando um banho de tecnologia…
Regulamentação do ONR-SREI pode concretizar o Sistema de Registro de Imóveis eletrônico: solução para a confusão informacional e transacional
Para diminuir a burocracia e facilitar a vida do cidadão, o que os registradores têm feito?
A saída para essa barafunda informacional e transacional seria a criação, por lei, de um órgão com finalidades e objetivos muito bem definidos e consistentes no estabelecimento de padrões de operação e funcionamento do sistema, universalizando, em meios eletrônicos, o acesso ao Registro de Imóveis pátrio. Era necessário colocar em prática o SREI – Sistema de Registro de Imóveis eletrônico, reformando o modelo que ainda opera com pesados livros de registro, matrículas descritivas, registros não estruturados, que representam modelos arcaicos de registração decalcados dos estereótipos do século XIX. Essa ideia prosperou e hoje está consagrada no conjunto normativo compreendido a partir do artigo 76 e seguintes da Lei 13.465/2017. Esse organismo foi batizado como ONR – Operador Nacional do Registro de Imóveis eletrônico, dando o impulso para a efetiva concretização do SREI – Sistema de Registro de Imóveis eletrônico. Nos termos da lei, os registradores integram o SREI e ficam vinculados ao ONR (§ 5º do art. 76). Espera-se para breve a regulamentação do ONR pelo Conselho Nacional de Justiça, nos termos dos artigos 37 e seguintes da Lei 11.977/2009.
O provimento 47/2015 previa que o registro eletrônico deveria ser implantado em todo o Brasil até junho de 2016. Isso aconteceu? Qual o percentual de imóveis registrados eletronicamente?
Infelizmente, a resposta é: não, o RE não se concretizou no aprazado. Lamentavelmente, o Provimento 47/2015, da Corregedoria Nacional do Conselho Nacional de Justiça, que tinha como objetivo estabelecer “diretrizes gerais para o sistema de registro eletrônico de imóveis”, acabou ficando muito aquém do que poderia ter sido, tendo em vista, principalmente, o farto material técnico produzido pelo próprio CNJ que dava um rumo certo para o desenvolvimento do SREI – Sistema de Registro de Imóveis eletrônico. Não devemos nos esquecer de que a Lei 11.977/2009 já havia fixado um marco temporal de 5 anos para implantação do Registro Eletrônico (art. 39), termo que expiraria em 2014, muito antes do dito provimento. É fácil responder à parte final de sua pergunta: zero por cento, não há um único registro de imóveis eletrônico feito com base na Recomendação CNJ 14/2014, apesar das boas intenções. O processo de registro ainda é feito como se fazia na década de 1970, apesar das mudanças profundas que a sociedade sofreu no período.
O Sr. credita a quê não se ter atingido os objetivos da lei e do provimento?
Credito essa situação à falta de um órgão normalizador, com atribuições claramente definidas em lei e fiscalizado pelo Judiciário, criado para concretizar e efetivar o registro de imóveis eletrônico, estabelecendo padrões técnicos de interoperabilidade e vencendo o fenômeno de atomização das unidades de registro de imóveis de todo o país. O Provimento 47/2015 deu um passo importante e necessário rumo ao registro eletrônico, mas insuficiente. Caímos na tentação de manter estadualizada a gestão de portais de acesso às unidades de registro de imóveis, impedindo a criação de uma Central Nacional de Registro de Imóveis, como previsto, aliás, na documentação técnica produzida pelo mesmo CNJ e estabelecida como padrão pela Recomendação 14/2014. Uma central nacional é fundamental, como existe para os notários, para o Registro Civil, o RTDPJ e o Protesto. Não é possível conviver com padrões concorrentes e redundantes. Basta pensar que não existe uma “internet estadual”. A solução para tudo isso foi discutida de modo intenso com o governo e o próprio Judiciário, nas vésperas da MP 759/2016, e o resultado foi a criação do ONR – Operador Nacional do Registro de Imóveis eletrônico, previsto no art. 76 da Lei 13.465/2017.
Desinformação impede busca de soluções técnicas para a defasagem tecnológica dos registros prediais brasileiros
A crítica que se fez e ainda se faz de modo reiterado ao ONR é que atrairia os registros para esse órgão, substituindo o registrador no seu mister singular e personalíssimo e levando consigo os dados que hoje estão sob a guarda e conservação da unidade. Como o Sr. vê essa crítica?
É uma crítica simplesmente improcedente, no contexto do ONR. Seria uma crítica irrelevante, fútil, desinformada, em face da farta documentação que prova justamente o contrário. Entretanto, a insistência nessa narrativa inoculou o germe da insegurança e confusão, instaurando uma grossa divergência interna corporis que se tem revelado nociva, além de turbar a busca de soluções técnicas para enfrentar a defasagem tecnológica que condena os registros prediais brasileiros a uma espécie de figuração arcaica, quixotesca, de registração feita com base em padrões medievais.
É lindo ver como as inscrições manuscritas eram caprichadas, algumas delas com capitulares e esfragística decalcada da tradição tabeliônica do medievo. Mas cá entre nós: quem não acharia bizarro que os bancos fizessem a contabilidade de cada cliente em fichas manuscritas? Lamentavelmente, as averbações ainda são feitas de modo manuscrito e narrativo à margem de registros lavrados em pesados livros concebidos no século XIX e que ainda estão em uso nos cartórios brasileiros. As matrículas são repositórios de informações úteis, mas outras completamente descartáveis – como registros e averbações cancelados direta ou indiretamente.
Do ponto de vista do registrador, quais são os maiores desafios da nova lei?
Vencer a ignorância, o preconceito e o reacionarismo. Toda mudança de paradigmas revela divergências, o que é bastante natural em face das reformas profundas que o sistema registral experimenta. Ultrapassar essas barreiras é necessário, mas não será suficiente. Outros obstáculos precisam ser enfrentados – como o desnível abissal entre unidades de Registro de Imóveis espalhadas pelo Brasil afora. De um lado, vemos cartórios que são verdadeiras ilhas de excelência, bem aparelhados, economicamente sustentáveis, tecnologicamente capacitados; de outro, pequenas serventias que mal suportam o custo de insumos básicos necessários para se manterem em pleno funcionamento. Muitas são economicamente inviáveis. Uma cifra apreciável das serventias no Brasil aufere ganhos que não superam os salários de funcionários públicos médios (dados aqui). Além disso, é preciso vencer as assimetrias verificadas nos processos de informatização. Enfim, os desafios são imensos, mas uma tomada de posição urge e nós cremos que as novas tecnologias podem criar um meio ambiente que favoreça a redução de custos e impulsione a articulação dos cartórios num grande arco registral. Esse “círculo registral”, interconectando cada unidade de Registro de Imóveis, permitirá entregar a universalização do acesso, o barateamento de custos e a modernização do sistema registral pátrio que a sociedade reclama.
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