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Sanções aduaneiras: termo inicial do prazo decadencial e súmula CARF nº 184
24/11/2021
Neste artigo, Solon Sehn discute as sanções aduaneiras referentes à súmula 184 do CARF, que dispõe sobre o termo inicial do prazo decadencial; confira!
Em 06/08/2021, a 3ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) aprovou a Súmula nº 184, reafirmando que: “O prazo decadencial para aplicação de penalidade por infração aduaneira é de 5 (cinco) anos contados da data da infração, nos termos dos artigos 138 e 139, ambos do Decreto-Lei nº 37/66 e do artigo 753 do Decreto nº 6.759/2009”.
Esse entendimento teve por base o disposto no art. 139 do Decreto-Lei nº 37/1966, que, como se sabe, define a data da infração como o termo inicial do prazo decadencial: “Art. 139 – No mesmo prazo do artigo anterior [cinco anos[1]] se extingue o direito de impor penalidade, a contar da data da infração”.
Constitucionalidade da Súmula 184
A constitucionalidade desse dispositivo, porém, tem sido questionada pela Procuradoria da Fazenda Nacional em diversos processos judiciais. Sustenta-se que prescrição e decadência seriam matérias reservadas ao legislador complementar. Assim, de acordo com essa exegese, o termo inicial do prazo, ao invés da data da infração, deveria ser o previsto no art. 173, I, do Código Tributário Nacional (CTN):
“Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:
I – do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;”
Recentemente, essa questão foi apreciada pela 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do Agravo Interno (AgInt) no Recurso Especial (REsp) nº 1.871.567/RN, da relatoria do Ministro Benedito Gonçalves:
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DECADÊNCIA. TEMPESTIVIDADE DA APURAÇÃO DA INFRAÇÃO E DA NOTIFICAÇÃO AO CONTRIBUINTE. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. DIES A QUO DO PRAZO DECADENCIAL. ART. 139 DO DECRETO-LEI 37/1966. LEI ESPECIAL. MULTA DE OFÍCIO DECORRENTE DA CONVERSÃO DE PENA DE PERDIMENTO. PENALIDADE. COBRANÇA QUE NÃO SE CONFUNDE COM TRIBUTO.
- A revisão da conclusão a que chegou a Corte de origem acerca da tempestividade da apuração da infração e da notificação à contribuinte da penalidade imposta demanda o reexame dos fatos e provas constantes nos autos, o que é vedado no âmbito do recurso especial, a teor da Súmula 7/STJ.
- Quanto ao tema ‘decadência’, o crédito executado decorre da imposição de multa de ofício, a qual, por sua vez, decorre da conversão de pena de perdimento. Considerando que o art. 139 do Decreto-Lei 37/1966 – lei especial – traz normativa diversa do CTN – lei geral – em relação à decadência, tem-se que aquele é aplicável ao caso concreto.
- Na forma da jurisprudência do STJ: ‘Tanto no regime constitucional atual (CF/88, art. 146, III, b), quanto no regime constitucional anterior (art. 18, § 1º da EC 01/69), as normas sobre prescrição e decadência de crédito tributário estão sob reserva de lei complementar.’ (AI no Ag 1037765/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Corte Especial, DJe de 17/10/2011, grifa-se). Todavia, na hipótese, não se discute decadência de cobrança tributária, mas de cobrança de multa decorrente de sanção, situação diversa, que não exige regulamentação por lei complementar.
- Agravo interno não provido.” (AgInt no REsp 1871567/RN, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/02/2021, DJe 11/02/2021).
Considerações sobre as sanções aduaneiras
Trata-se de decisão absolutamente acertada. Em primeiro lugar, porque, como ressaltado no Voto do Ministro Benedito Gonçalves, a exigência de lei complementar para dispor sobre decadência tributária não se aplica em matéria de sanções aduaneiras:
“Ocorre que, na hipótese, conforme já explicitado, não se discute a decadência de tributo – caso em que, aí sim, se poderia falar em reserva de lei complementar – mas de multa decorrente da conversão de pena de perdimento, isto é, de multa imposta como penalidade à contribuinte- agravada.”
Em segundo lugar, cumpre acrescentar que, na época em que foi editado o Decreto-Lei nº 37/1966, ainda não havia a previsão de reserva de lei complementar. Isso só ocorreu após o advento da Constituição de 1967, o que, como ressaltado no Curso de Direito Aduaneiro, permitia a previsão de regras especiais acerca dessa matéria:
“O CTN e o Decreto-Lei nº 37/1966 apresentam uma relação normativa especial relevante para fins de estudo do imposto de importação e em matéria de responsabilidade tributária e por infrações. O decreto-lei teve a sua vigência iniciada em 1º de janeiro de 1967 (art. 178), a mesma do Código Tributário Nacional (art. 218). Nessa época, o Código – aprovado como lei ordinária (Lei nº 5.172/1966) – ainda não apresentava eficácia de lei complementar, o que permitia a previsão de regras especiais e discrepantes no texto do decreto-lei. Isso foi possível até o advento da Constituição de 1967, quando o CTN passou a ter eficácia de lei complementar (art. 19, § 1º, renumerado para art. 18, § 1º, pela Emenda nº 01/1969).
Dessa forma, tem-se que: (a) até 15 de março de 1967, data do início da vigência da Constituição de 1967, o Decreto-Lei nº 37/1966 poderia revogar ou estabelecer disposições especiais em relação às normas gerais do CTN; (b) a partir dessa data, todas as alterações nos enunciados prescritivos do decreto-lei devem guardar compatibilidade com o Código; e (c) não é mais juridicamente possível – salvo por meio de lei complementar – o estabelecimento de regras especiais derrogatórias das normas gerais de direito tributário previstas no Código Tributário Nacional”[2].
Assim, deve-se ter presente que os pressupostos de validade formal de atos normativos estão sujeitos às regras previstas no momento de sua elaboração (princípio do tempus regit actum), ou seja, não podem incidir retroativamente. Logo, na medida em que até 15 de março de 1967, data do início da vigência da Constituição de 1967, o Decreto-Lei nº 37/1966 poderia revogar ou estabelecer disposições especiais em relação às normas gerais do CTN, não há o que objetar em relação a previsão do art. 139.
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NOTAS
[1] “Art.138 – O direito de exigir o tributo extingue-se em 5 (cinco) anos, a contar do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que poderia ter sido lançado.”
[2] SEHN, Solon. Curso de direito aduaneiro. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 18.