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Riscos fiscais demonstrados

ANEXO DE RISCOS FISCAIS

DIREITO FINANCEIRO

DIREITO TRIBUTÁRIO

LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL

ORÇAMENTO

RISCOS FISCAIS

Marcus Abraham

Marcus Abraham

27/01/2020

Você sabia que a União Federal corre um risco de perda provável em processos judiciais, sobretudo em ações de natureza tributária, no montante de R$ 634 bilhões, e de perda possível de R$ 1.550 bilhões? E que, em 2019, foram gastos cerca de 40 bilhões em perdas judiciais, montante que é o dobro do que se pagou há cinco anos, em 2015, sendo que o estoque de ações judiciais contra a União aumentou 290% de 2014 até junho de 2019, passando de R$ 559 bilhões para R$ 2.184 bilhões?

Pois bem, esses e outros dados referentes a potenciais perdas financeiras ou variações orçamentárias negativas constam do Relatório de Riscos Fiscais (RRF/2019), publicado em dezembro de 2019 pela Secretaria do Tesouro Nacional.

Esse documento complementa o Anexo de Riscos Fiscais (ARF) instituído pela Lei de Responsabilidade Fiscal (§ 3º, art. 4º), que prevê que a lei de diretrizes orçamentárias (LDO) deverá ter um anexo onde serão avaliados os passivos contingentes e outros riscos capazes de afetar as contas públicas, informando as providências a serem tomadas, no caso de estes se concretizarem.

Pode-se dizer que riscos fiscais são possibilidades de ocorrências de eventos capazes de afetar as contas públicas, prejudicando o alcance dos resultados fiscais estabelecidos como objetivos e metas.

Para que esses eventos sejam classificados como riscos fiscais, uma condição necessária é a de que os mesmos não possam ser controlados ou evitados pelo governo.

Dessa forma, enquanto gastos imprevistos – decorrentes, por exemplo, de decisões judiciais desfavoráveis ao governo –, são considerados riscos fiscais. Já as despesas oriundas de decisões ou políticas governamentais – como, por exemplo, auxílios – não são consideradas riscos fiscais, ainda que acarretem desvios das metas fiscais.

Igualmente, os riscos repetitivos não podem ser classificados como riscos fiscais, devendo ser tratados no âmbito do planejamento, ou seja, precisam ser incluídos como ações na Lei de Diretrizes Orçamentárias e na Lei Orçamentária Anual do respectivo ente federativo. Por exemplo, se a ocorrência de catástrofes naturais – como secas ou inundações – ou de epidemias – como a dengue – tem sazonalidade conhecida, as ações para mitigar seus efeitos, assim como as despesas daí derivadas, devem ser previstas na LDO e na LOA do ente federativo afetado, e não serem tratadas como risco fiscal no Anexo de Riscos Fiscais.

Genericamente, podemos classificar os riscos fiscais em duas categorias: a) riscos fiscais macroeconômicos, a partir da variação de elementos como inflação, atividade econômica, massa salarial, taxas de juros e câmbio, uma vez que tais oscilações impactam as receitas e despesas públicas e produzem consequências sobre a trajetória da dívida pública; b) riscos fiscais específicos, que englobam demandas judiciais, garantias, riscos associados a programas de governo, riscos derivados do relacionamento com outros entes e empresas estatais, dentre outros.

A variação dos parâmetros macroeconômicos em relação às projeções incluídas nas peças orçamentárias constitui a fonte mais comum de riscos fiscais. A experiência tem demonstrado que todos os países passam, em maior ou menor grau, por alterações em relação aos resultados fiscais oriundas da mudança da conjuntura econômica ao longo do exercício orçamentário, com tendência a previsões mais ou menos otimistas dos resultados em decorrência, principalmente, de imprecisões na previsão do crescimento do PIB e da inflação.

As divergências entre as receitas e despesas projetadas na peça orçamentária e as verificadas ao longo do exercício impactam significativamente a execução orçamentária.

Dada a necessidade de cumprimento das metas fiscais estabelecidas no âmbito da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), as mudanças nas variáveis macroeconômicas, especialmente aquelas relacionadas com a redução das receitas ou elevação das despesas, se refletem, consequentemente, em contingenciamentos de recursos. Dessa forma, quanto menor for o desvio do planejamento em relação ao realizado, melhor será a execução orçamentária.

Os riscos fiscais macroeconômicos podem ser exemplificados, dentre outros casos, pela: a) frustração na arrecadação devido a fatos não previstos à época da elaboração da peça orçamentária; b) restituição de tributos realizada a maior que a prevista nas deduções da receita orçamentária; c) discrepância entre as projeções de nível de atividade econômica, taxa de inflação e taxa de câmbio quando da elaboração do orçamento e os valores efetivamente observados durante a execução orçamentária, afetando o montante de recursos arrecadados; d) discrepância entre as projeções, quando da elaboração do orçamento, de taxas de juros e taxa de câmbio incidentes sobre títulos vincendos e os valores efetivamente observados durante a execução orçamentária, resultando em aumento do serviço da dívida pública; e) ocorrência de epidemias, enchentes, abalos sísmicos, guerras e outras situações de calamidade pública que não possam ser planejadas e que demandem do Estado ações emergenciais, com consequente aumento de despesas.

Sobre esses riscos, pode-se dizer que a receita primária está sujeita à volatilidade do PIB real, da inflação, da massa salarial, do câmbio, dos juros ou do preço do petróleo.

E a receita de tributos representa a maior parcela sujeita ao risco pela oscilação de parâmetros macroeconômicos. Já pelo lado da despesa primária, a volatilidade está ligada às variações do salário mínimo e do INPC, impactando principalmente as despesas com benefícios previdenciários e assistenciais, como o pagamento, por exemplo, do Seguro-Desemprego e do Abono Salarial. Por sua vez, a dívida pública federal é impactada principalmente pela variação da taxa de juros e da inflação e, de forma residual, pela variação do câmbio.

Assim, em termos concretos, segundo consta do referido RRF/2019 da União, a variação de 1% no PIB real impacta em R$ 7,1 bilhões a receita primária, enquanto que a variação de 1% na inflação impacta em R$ 6,8 bilhões. A variação de 1% na massa salarial nominal se reflete em uma variação de R$ 4,1 bilhões, principalmente pela variação da arrecadação da contribuição previdenciária.

Já o aumento de R$ 1,00 no salário mínimo implica um aumento líquido de R$ 206 milhões no déficit do Regime Geral de Previdência Social, de R$ 60,2 milhões nos benefícios assistenciais e de R$ 30,9 milhões nos benefícios do FAT (Seguro-Desemprego e Abono Salarial). Por sua vez, o aumento de 1% na taxa Selic no período de 2020 a 2022 conduz a um aumento de 1,63% na Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) sobre o PIB em 2022, enquanto reduções de 1% para o mesmo período no PIB real e no resultado primário levam, respectivamente, a um aumento de 3,21% e de 4,08% dessa dívida. Em um cenário em que os choques adversos sobre juros, PIB real e resultado primário são combinados, a elevação da DBGG foi estimada, segundo o RRF/2019, em 9,23% para o ano de 2022.

Já em relação aos riscos fiscais específicos, estes podem se materializar tanto pelo não recebimento de receitas associadas a haveres e ativos, quanto pela elevação de despesas não previstas relacionadas aos passivos do ente. O RRF/2019 indica que o total desses riscos fiscais somam o montante de R$ 4,2 trilhões, e que durante o ano de 2019 a exposição relacionada a ativos chegou a R$ 1,4 trilhão, enquanto a exposição associada aos passivos alcançou o patamar de R$ 2,8 trilhões.

Dentre estes riscos, destacamos os passivos contingentes, que decorrem de compromissos firmados pelo Governo em função de lei ou contrato e que dependem da ocorrência de um ou mais eventos futuros para gerar compromissos de pagamento. Tais eventos futuros não estão totalmente sob o controle do ente e podem ou não ocorrer. Como a probabilidade de ocorrência do evento e a magnitude da despesa resultante dependem de condições externas, a estimativa desses passivos é, muitas vezes, difícil e imprecisa.

Como exemplos de passivos contingentes podemos citar, dentre outros casos: a) demandas judiciais contra a atividade reguladora do Estado, tais como controvérsias sobre indexação e controles de preços praticados durante planos de estabilização e soluções propostas para sua compensação, bem como questionamentos de ordem tributária e previdenciária; b) demandas judiciais contra empresas estatais dependentes; c) demandas judiciais contra a administração do ente, tais como privatizações, liquidação ou extinção de órgãos ou de empresas e reajustes salariais não concedidos em desrespeito à lei; d) demandas trabalhistas contra o ente federativo e órgãos da sua administração indireta; e) dívidas em processo de reconhecimento pelo ente e sob sua responsabilidade; f) avais e garantias concedidas pelo ente a entidades públicas, tais como empresas e bancos estatais, a entidades privadas e a fundos de pensão, além de outros riscos.

Em números, o RRF/2019 da União apontou que, sobre os passivos contingentes decorrentes de processos judiciais, de 2014 até junho de 2019, as lides contra a União apresentaram um crescimento de 290%, passando de R$ 559 bilhões para R$ 2.184 bilhões. Deste montante, enquanto 71% (R$ 1.550 bilhões) se referem a ações de risco possível, 29% (R$ 634 bilhões) dizem respeito a ações classificadas com risco de perda provável, provisionadas no Balanço Patrimonial da União em 30 de setembro de 2019.

Ainda do referido relatório, destacamos também a situação da Dívida Ativa da União. Sua posição em junho de 2019, por tipo de crédito e rating, totalizava um estoque de R$ 2.340 bilhões. Desse montante, R$ 1.313 bilhões (56%) se referem a créditos irrecuperáveis, enquanto apenas R$ 213 bilhões (9%) dizem respeito a créditos com alta perspectiva de recuperação. Os demais créditos são classificados entre baixa e média perspectiva de recuperação.

Dada a grandiosidade dos números que estão em jogo, percebe-se que o seu conhecimento e a avaliação de seus possíveis impactos são essenciais para a atuação do gestor público.

Os eventos identificados como de risco, caso venham a se concretizar, podem ameaçar o cumprimento de importantes regras fiscais brasileiras, como o Teto dos Gastos e a Regra de Ouro, além de comprometer as metas e objetivos fiscais definidos em leis orçamentárias. Por isso, é relevante que sejam conhecidas e antecipadas as repercussões dos riscos fiscais a fim de mitigar as suas consequências tanto no âmbito fiscal quanto em seus reflexos sociais.

Assim, de acordo com os princípios orçamentários do planejamento, da transparência e do equilíbrio fiscal, e a fim de que os Governos possam criar estratégias de combate a cenários fiscais desfavoráveis, é imperativo que o Anexo de Riscos Fiscais espelhe a situação financeiro-orçamentária da maneira mais fidedigna possível.

Portanto, como na vida cotidiana de relacionamento entre as pessoas, a virtude da sinceridade é também, nas projeções orçamentárias, uma chave-mestra para o sucesso na gestão financeira estatal.

FONTE: JOTA

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