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A restituição de tributos inconstitucionais em face da recente decisão do Supremo Tribunal Federal

CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL

STF

Paulo Roberto Lyrio Pimenta

Paulo Roberto Lyrio Pimenta

04/04/2023

A restituição de tributos instituídos por normas declaradas inconstitucionais no âmbito do controle jurisdicional de constitucionalidade das leis não foi regulada pelo Código Tributário Nacional. 

É possível que razões históricas possam explicar essa omissão. Na época da promulgação do CTN, o controle abstrato de constitucionalidade ainda era uma realidade recente em nosso ordenamento, posto que havia sido instituído pela Emenda Constitucional nº 16/65. O tema foi objeto das discussões na Comissão que elaborou o Anteprojeto do CTN, no entanto, não constou na versão final da respectiva proposição legislativa.

Muitos anos após a edição desse diploma normativo, a doutrina passou a se preocupar com esta questão. O pioneiro no estudo em nosso país foi o saudoso Professor Ricardo Lobo Torres. Em trabalho publicado inicialmente em 1983, defendeu a possibilidade de restituição na hipótese de declaração de inconstitucionalidade, que seria uma causa superveniente. 1

 Essas lições ecoaram no âmbito doutrinário, proporcionando o aparecimento de uma abalizada corrente que defende o cabimento da restituição de tributos criados por normas declaradas inconstitucionais, posição atualmente consolidada em nossa teoria jurídica.

Prazo para restituição de tributos

Estabelecida essa premissa, um problema surgiu: qual seria o prazo para a repetição do indébito de tributos inconstitucionais? Quando este se inicia?

Obviamente que os prazos previstos pelo art. 168 do CTN não podem ser aplicados em tal situação, por ausência de previsão normativa, ou seja, existência de lacuna técnica. Por conseguinte, a repetição de indébito motivada pela declaração de inconstitucionalidade deve se submeter aos parâmetros gerais estabelecidos pelo Decreto nº 20.910/32, posição sustentada por grande parte da doutrina, com a qual comungamos. 2

Em relação ao termo inicial do prazo em epígrafe, como o tributo instituído por norma presumidamente constitucional se torna inválido diante da declaração de inconstitucionalidade, com eficácia retroativa (ex tunc) – a qual passa a qualificar os pagamentos realizados de uma outra forma- , pelo princípio da actio nata, que regula os prazos prescricionais, a pretensão à restituição aparece a partir da decisão de inconstitucionalidade, proferida pelo Supremo Tribunal Federal. 

Vale notar, no entanto, que as modalidades de fiscalização de constitucionalidade devem ser aqui diferenciadas. Em se tratando de controle abstrato, no qual a pronúncia de inconstitucionalidade expulsa a norma do sistema, atuando o órgão fiscalizador como legislador negativo, o termo inicial deve ser a publicação da decisão invalidante. Já no controle difuso, no qual a decisão de inconstitucionalidade apenas afasta a aplicação da norma no caso concreto, o direito à repetição surge com a publicação da Resolução do Senado Federal, prevista pelo art. 52, X da CF, ato político que tem o condão de eliminar a norma invalidade do ordenamento.3

STF

Nos anos noventa do século passado, a matéria em epígrafe começou a ser examinada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, que consolidou então a sua jurisprudência no sentido de que a restituição de tributos inconstitucionais tem como termo inicial a decisão de inconstitucionalidade, proferida em controle abstrato, ou a publicação da Resolução do Senado Federal, em se tratando de controle difuso.4

De maneira surpreendente, porém, após mais de uma década da consolidação desse entendimento, a Corte modificou o seu entendimento, no julgamento do ERESP nº 435.835, passando a entender que o prazo prescricional no caso de declaração de inconstitucionalidade da norma instituidora da exação deve ser regulado pelas normas do CTN.5

Para agravar ainda mais a situação dos contribuintes, tal posicionamento passou a ser aplicado de forma imediata, atingindo os processos em tramitação. 

Irresignada com essa situação, a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo bateu às portas do Supremo Tribunal Federal, ajuizando uma Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, tombada sob o número 248. 

No âmbito desse processo jurisdicional o Ministro Relator, Ricardo Lewandowski, proferiu recentemente importante decisão, publicada no início do presente mês, determinando que o novo e atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça só deve ser aplicado para o futuro, alcançando as demandas ajuizadas depois da publicação do ERESP nº 435.835, ocorrida em 04/06/2007. Com isso, prestigiou alguns princípios jurídicos, como será a seguir mencionado.

A decisão monocrática, digna de elogios, merece ser examinada com atenção. Inicialmente, o eminente julgador asseverou que “o STJ fez incidir a nova regra de contagem da prescrição tributária de forma retroativa, em clara afronta ao princípio da segurança jurídica”.  Posiciona-se, então, sobre este comportamento: “nesse particular, penso que toda inflexão jurisprudencial que importe restrição a direito dos cidadãos – como é o caso da definição do termo a quo do prazo prescricional – deve observar, para sua aplicação, certa regra de transição para produção de seus efeitos, levando em consideração os comportamentos então tido como legítimos, porquanto praticados em conformidade com a orientação prevalecente, em homenagem ao princípio da segurança jurídica e aos postulados da lealdade, da boa-fé e da confiança legítima, sobre os quais se assenta o próprio Estado Democrático de Direito” (grifos do autor). 

O nobre julgador enfatiza, ainda, que “ o processo de evolução jurisprudencial deve ser revestido de segurança, a fim de assegurar-se direitos, resguardar comportamentos até então reconhecidos com conformidade com o direito e salvaguardar valores ou princípios constitucionais relevantes”.

O posicionamento em epígrafe, encampado pelo Ministro Lewandowski, seguiu o adotado pela Suprema Corte em três precedentes: a Questão de Ordem no RE nº 370.682, RE nº 566.621 e ARE 709.212. Por essa razão, concluiu; “consideradas as balizas objetivas do caso vertente, penso que deve incidir à hipótese a mesma ratio decidendi dos julgados acima colacionados, de forma a resguardar-se o princípio da segurança jurídica, de índole constitucional, bem como os postulados da lealdade, da boa fé e da confiança legítima, os quais conformam o Estado Democrático de Direito e impedem a aplicação retroativa da nova orientação jurisprudencial ao caso em tela”. Com base em tais fundamentos, o pedido foi julgado procedente em parte “para determinar que a alteração de jurisprudência do STJ, alicerçada nos autos do ERESP  435.835 e concernente ao início do prazo prescricional da ação de repetição de indébito do tributo declarado inconstitucional pelo STF, não pode retroagir para alcançar as pretensões que não eram tidas por prescritas à época do ajuizamento da respectiva ação”.

Conclusões sobre a jurisprudência de restituição de tributos

Algumas conclusões podem ser extraídas a partir da análise desse importante julgado:

a)a Corte rejeitou a aplicação imediata de um novo posicionamento jurisprudencial para alcançar pretensões já deduzidas em Juízo, estabelecendo que a nova orientação atinja tão somente os casos futuros;

b)os fundamentos desse posicionamento são os princípios da segurança jurídica, boa-fé, lealdade e da confiança legítima, deduzidos a partir do Estado Democrático de Direito;

c)como a antiga tese jurisprudencial do prazo decenal para a repetição dos tributos sujeitos ao lançamento por homologação caiu por terra com a edição da Lei Complementar nº 118/2005, que começou a viger em 09 de junho de 2005, aos processos ajuizados após 04 de junho de 2007, data da publicação do acórdão do ERESP nº 435.835, aplicar-se-á o prazo do art. 168, I do CTN.

d) em face do reconhecimento pelo STF de que a mencionada alteração jurisprudencial não pode atingir os processos em curso, os contribuintes que tiveram os seus pedidos julgados improcedentes, com base na aplicação da prescrição, desconsiderando-se, assim, a data da declaração de inconstitucionalidade como termo inicial para o ajuizamento da ação de repetição de indébito- poderão desconstituir tais pronunciamentos, por meio da utilização da ação rescisória (CPC, art. 966, V).

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NOTAS

1 Restituição dos Tributos, Rio de Janeiro, Forense, 1983, p.169.

2 Defendem esse posicionamento, dentre outros, Alberto Xavier (Do lançamento: Teoria Geral do Ato, do Procedimento e do Processo Tributário, 2ªed, Rio de Janeiro, Forense, 1997, p.97), Marco Aurélio Greco (Repetição do Indébito: contribuição ao INSS sobre pagamentos a administradores, autônomos e avulsos, Revista Dialética de Direito Tributário, nº52, São Paulo, Abril de 2000, p.93) e Hugo de Brito Machado (Temas de Direito Tributário II,São Paulo, RT, 1994,  p.190).

3 Cf. nosso Efeitos da Decisão de Inconstitucionalidade em Direito Tributário, São Paulo, Dialética, 2002, p.168-169.

4 STJ, ERESP nº 43.502, 1ª Seção, Rel. Min. César Asfor Rocha, DJ 29/05/1995.

Naquela época, prevalecia no âmbito do STJ o posicionamento de que nos tributos submetidos ao lançamento por homologação, o prazo seria decenal.

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