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FINANCEIRO E ECONÔMICO
TRIBUTÁRIO
Um raio-X do projeto do orçamento federal para 2020
Marcus Abraham
09/09/2019
A virada do mês de agosto para setembro de cada ano é sempre um momento de expectativa para aqueles que acompanham as finanças públicas.
Isso porque, em regra, o dia 31 de agosto é o marco temporal limite para o encaminhamento do projeto de lei orçamentária anual (PLOA) elaborado pelo Poder Executivo ao Poder Legislativo, a fim de que este possa apreciá-lo, votá-lo e aprová-lo, devendo transformá-lo em lei ordinária até o final do ano, para execução no exercício fiscal seguinte, tudo com base no planejamento estabelecido na Lei do Plano Plurianual (PPA) e nas prioridades estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
Após o recebimento do projeto de lei pelo Congresso Nacional, os Deputados Federais e Senadores, na Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização – CMO, examinam, discutem, ajustam, votam e aprovam a proposta orçamentária. O relatório da CMO é apreciado pelo plenário do Congresso Nacional. Os Deputados e Senadores podem, conforme condições constitucionalmente estabelecidas, propor alterações (emendas parlamentares) à proposta orçamentária. O projeto poderá ser vetado no todo ou em parte ou sancionado pelo Presidente da República. Em caso de vetos, caberá ao Congresso Nacional apreciá-los, podendo rejeitá-los ou não. Após sancionado pelo Presidente da República, este se transforma na Lei Orçamentária Anual (LOA).
Com a publicação do Orçamento, o Poder Executivo tem até 30 dias para editar o Decreto de Programação Orçamentária e Financeira. Bimestralmente, a arrecadação das receitas é devidamente acompanhada para adequar, por novos decretos (eventualmente), os valores da LOA à realidade de cada ano, assegurando, assim, o equilíbrio entre receitas e despesas previsto na LDO (meta de resultado primário). Assim, quando o Decreto estipula uma limitação de despesas, ocorre o contingenciamento, feito com base no artigo 9º da Lei de Responsabilidade Fiscal (limitação de empenho). Isso porque os valores aprovados na Lei Orçamentária podem ser insuficientes. Da mesma forma, podem ocorrer necessidades de realização de despesas não computadas ou insuficientemente dotadas, e assim a LOA poderá ser alterada no decorrer de sua execução por meio de créditos adicionais.
Portanto, e de maneira resumida, pode-se dizer que o Orçamento Público é o instrumento de planejamento governamental que estima as receitas que se espera arrecadar ao longo do ano e que, com base nas estimativas (tecnicamente calculadas), fixa os gastos a serem realizados. Sem a lei que autorize a realização da despesa pública (no caso, a LOA), o gestor não poderá gastar. Não à toa diz-se que o orçamento público espelha o governo.
Diante disso, anualmente, o nosso país produz 5.570 leis orçamentárias municipais, 27 estaduais (incluindo o DF) e 1 federal.
Para que o cidadão possa conhecer os projetos, programas e ações que serão realizados pelos governantes em seu favor em cada ano – de maneira direta e indireta –, devido ao nosso modelo federativo, deverá acompanhar, ao menos, três orçamentos distintos: o do seu município, o do seu estado e o federal.
Hoje faremos uma breve análise do projeto de lei orçamentária federal recentemente encaminhado ao Parlamento, por se tratar da primeira peça orçamentária do atual governo, o que nos revelará suas prioridades e objetivos, ainda que vinculados ao PPA vigente, elaborado pelo governo anterior.
Na proposta orçamentária federal para o ano de 2020, a autorização de gastos chega à monta de 3,8 trilhões de reais, assim distribuídos: R$ 2,44 trilhões para o orçamento fiscal, que incluem as despesas dos Poderes Legislativo (Congresso Nacional e Tribunal de Contas da União), Executivo (Presidência, Ministérios e outros órgãos) e Judiciário (Fóruns e Tribunais), do Ministério Público da União e da Defensoria Pública da União, além dos gastos com pagamento e rolagem da dívida pública federal; R$ 1,25 trilhão para o orçamento da seguridade social, que contém as despesas com previdência, saúde e assistência social, ou seja, aposentadorias, pensões e benefícios, assim como os gastos com hospitais, medicamentos e Bolsa-Família; R$ 122 bilhões destinados ao orçamento de Investimento das Empresas Estatais, que engloba os investimentos das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto e que não necessitam de recursos fiscais para manter ou ampliar suas atividades, tais como: Petrobras, Eletrobras, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal.
Na elaboração desse projeto, considerou-se que, para o ano de 2020, a inflação será de 3,9% (variação do IPCA), com um crescimento do PIB de 2,2%, tendo uma taxa média de câmbio de R$ 3,79 (reais/dólar), fixando-se o valor do salário mínimo em R$ 1.039,00.
É importante lembrar que, no projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2020, o Governo Federal considerou uma meta fiscal deficitária de R$ 124,1 bilhões para o conjunto dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social, e de R$ 3,8 bilhões para as Estatais Federais.
Dentro deste contexto, o Governo Federal estimou como receita primária (proveniente de tributos e rendimentos patrimoniais) o valor de R$ 1.644,5 bilhões, acrescido de R$ 2.042,7 bilhões a título de receita financeira (empréstimos públicos), totalizando o montante de R$ 3.687,2 bilhões.
Neste ponto, percebe-se, pelo volume financeiro, que estamos dependendo mais do empréstimo público do que das receitas tributárias e patrimoniais. Deixamos de ser o que se denominou de “Estado Tributário” para tornarmo-nos um “Estado Creditório”.
Por sua vez, a título de despesa primária, ou seja, os gastos ordinários com a máquina estatal, bem como com saúde, educação, segurança etc., foi fixado o montante de R$ 1.768,6 bilhões, acrescido do pagamento de R$ 1.927,7 bilhões de despesas financeiras (pagamento de dívidas), totalizando R$ 3.693,3 bilhões. E, dessas despesas primárias, foi estabelecido o valor de R$ 1.679,3 bilhões para atender aos gastos obrigatórios como o pagamento de pessoal, encargos sociais e previdência, e R$ 89,3 bilhões para gastos discricionários, como custeio e a realização de investimentos em infraestrutura.
Ainda dentro das despesas primárias, encontramos o valor de R$ 682,7 bilhões para pagamento de benefícios da previdência social, R$ 337,9 bilhões para pagamento de pessoal e encargos, R$ 89,3 bilhões para as despesas discricionárias, R$ 281,7 bilhões para as transferências intergovernamentais (constitucionalmente previstas), e outras no valor de R$ 377,1 bilhões. Já dentro das despesas financeiras, temos R$ 1.004,6 bilhões para o refinanciamento da dívida pública (rolagem da dívida), R$ 649,8 bilhões para o pagamento de juros e amortização, e outras no valor de R$ 273,3 bilhões.
Dos gastos com pessoal (despesa primária obrigatória), incluindo inativos e pensionistas da União e de outras despesas relacionadas a pessoal, além de R$ 26,2 bilhões referentes à contribuição patronal ao regime próprio dos servidores (que se trata de despesa financeira), os gastos dos Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo representam, respectivamente, 3,0%, 10,5% e 84,9%, os do Ministério Público da União – MPU, 1,6%, e da Defensoria Pública da União, 0,1%.
Dos gastos discricionários, teremos R$ 69,8 bilhões para custeio, que englobam despesas de energia elétrica, água, materiais administrativos etc., e apenas R$ 19,3 bilhões para investimentos em infraestrutura ou compra de equipamentos. Bastante pouco para as nossas necessidades.
Até aqui, podemos chegar a outra conclusão: a de que as despesas discricionárias representam menos de 2,5% do total de gastos a serem realizados, caracterizando um severo engessamento do orçamento. Caso assim continuemos, o Estado brasileiro passará a existir para atender a si próprio e não mais para atender ao cidadão.
Dentre várias áreas, merecem destaque as seguintes dotações orçamentárias: R$ 25,9 bilhões para agricultura; R$ 92,4 bilhões para assistência social; R$ 7,0 bilhões para ciência e tecnologia; R$ 1,7 bilhões para cultura; R$ 74,1 bilhões para defesa nacional; R$ 424,1 milhões para desporto e lazer; R$ 1,1 bilhões para direitos da cidadania; R$ 108,6 bilhões para educação; R$ 116,0 bilhões para saúde; R$ 1,4 bilhões para energia; R$ 3,8 bilhões para gestão ambiental; R$ 16,0 milhões para habitação; R$ 11,1 bilhões para segurança pública; R$ 423,3 bilhões para saneamento básico; e R$ 1,6 bilhões para urbanismo.
Se somarmos os gastos com saúde, educação e segurança, chegaremos ao valor de R$ 235,7 bilhões, ou seja, menos de 10% do orçamento total, o que é extremamente sintomático e preocupante.
Também destacamos alguns dados relevantes diante das circunstâncias, os quais vêm sendo noticiados, tais como: a redução de 34% na verba para combater incêndios em 2020, sendo o orçamento do Ministério do Meio Ambiente 10% menor que o do ano anterior; o orçamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) teve uma redução de 50% na verba para concessão de bolsas de pós-graduação; foram concedidos R$ 2,5 bilhões para o fundo eleitoral (e posteriormente reduzidos, devido a erro, para R$ 1,87 bilhão); desde a implantação do regime do teto de gastos, a despesa obrigatória do governo aumentou R$ 200 bilhões, sendo que a despesa primária foi reduzida neste período de 19,9% do PIB (2016) para 19,4% do PIB (2020), ou seja, uma queda de apenas 0,5% nestes anos todos, patamar muito inferior ao esperado.
Sem realizar qualquer juízo de valor sobre a gestão orçamentária do Governo Federal, principalmente por estar ciente de que este herdou uma situação fiscal deteriorada, e é obrigado a trabalhar com a realidade financeira de que dispõe – e de que milagres fiscais não existem –, de todos os números que vimos, fica demonstrado que teremos mais um ano deficitário, convivendo com uma dívida pública brutal, com um orçamento público engessado e sem margem para investimentos, e com uma dotação orçamentária extremamente reduzida para despesas tidas como essenciais para qualquer sociedade, quais sejam, educação, saúde e segurança.
Diante disso, em um futuro próximo o governo terá que, necessariamente, reduzir drasticamente as despesas obrigatórias ou aumentar a carga tributária. É isso ou a conta não fechará e o regime do teto de gastos será violado.
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