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Indicação da Classificação Aduaneira devida no auto de Infração: necessidade de superação da Súmula CARF Nº 161
14/01/2022
Desde sua tipificação pelo art. 84, I, da Medida Provisória nº 2.158-35/2001, a multa por classificação aduaneira indevida – também conhecida na prática forense como multa por erro de classificação fiscal – vem tendo os seus contornos jurídicos progressivamente delineados pela jurisprudência. Um dos aspectos controvertidos é a necessidade de indicação da classificação devida no auto de infração. Durante algum tempo, o Conselho Administrativo Fiscal (Carf) entendia que, para fundamentar a penalização do declarante, a autoridade aduaneira deveria especificar o enquadramento classificatório adequado da mercadoria.
Dessa maneira, quando o Auditor-Fiscal indicava uma classificação igualmente indevida, a multa era cancelada por deficiência na fundamentação:
“ASSUNTO: CLASSIFICAÇÃO DE MERCADORIAS
Período de apuração: 01/01/2007 a 30/09/2007
CLASSIFICAÇÃO FISCAL. FUNDAMENTAÇÃO DO LANÇAMENTO. TERCEIRA HIPÓTESE DE CLASSIFICAÇÃO FISCAL. IMPROCEDÊNCIA. Verificado que a classificação fiscal das mercadorias, objeto da lide, diz respeito a um código NCM diverso, tanto daquele utilizado pela impugnante, bem como daquele que a fiscalização entendeu ser o correto, o lançamento deverá ser julgado improcedente por erro na sua fundamentação”[1].
“ASSUNTO: CLASSIFICAÇÃO DE MERCADORIAS
Período de apuração: 01/01/2009 a 31/12/2011
CLASSIFICAÇÃO FISCAL. FUNDAMENTAÇÃO DO LANÇAMENTO. TERCEIRA HIPÓTESE DE CLASSIFICAÇÃO FISCAL. IMPROCEDÊNCIA.
Verificado que a classificação fiscal das mercadorias, objeto da lide, diz respeito a um código NCM diverso, tanto daquele utilizado pela empresa, bem como daquele que a fiscalização entendeu ser a correta, o lançamento deverá ser julgado improcedente por erro na sua fundamentação.
Sendo improcedente a classificação do Fisco, igualmente serão improcedentes as respectivas multas”[2].
Revisão da multa por classificação aduaneira indevida
Contudo, em decisões mais recentes, a Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) revisou essa interpretação:
“ASSUNTO: CLASSIFICAÇÃO DE MERCADORIAS
Data do fato gerador: 19/04/1999, 12/11/1999, 02/12/1999, 22/08/2000, 16/05/2000, 24/01/2001, 20/06/2001, 12/07/2002, 28/08/2003, 04/11/2003, 13/07/2004
LANÇAMENTO POR ERRO DE CLASSIFICAÇÃO. CONTENCIOSO. DECISÃO ADMINISTRATIVA. ENQUADRAMENTO EM CÓDIGO NOVO. IMPORTADOR. INFRAÇÃO POR CLASSIFICAÇÃO INDEVIDA. IMPUTAÇÃO. POSSIBILIDADE.
Inexiste previsão legal para exclusão ou relevação da pena de multa de 1% (um por cento) do valor aduaneiro da mercadoria nos casos em que a contribuinte classifica incorretamente o produto, mesmo que o enquadramento determinado pela Fiscalização Federal no auto de infração revele-se igualmente indevido.
Se a autuação expõe os fundamentos para rejeição da classificação escolhida pelo importador e a ele foi concedido direito a ampla defesa, também não há que se falar em vício na formalização da exigência”[3].
Súmula CARF nº 161
Posteriormente, foi editada a Súmula Carf nº 161, no seguinte sentido:
Súmula nº 161. “O erro de indicação, na Declaração de Importação (DI), da classificação da mercadoria na Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), por si só, enseja a aplicação da multa de 1%, prevista no art. 84, I, da MP 2.158-35/2001, ainda que órgão julgador conclua que a classificação indicada no lançamento de ofício seria igualmente incorreta”.
Essa interpretação é criticável por diversos motivos. Em primeiro lugar, porque as súmulas são instrumentos de veiculação de interpretações pacificadas no órgão julgador. Resultam de um amadurecimento e de uma consolidação progressiva da jurisprudência. Não é esse o caso da Súmula Carf nº 161, que foi editada prematuramente com base em apenas três decisões isoladas e controversas da 3ª Turma da CSRF, todas resultantes de voto de qualidade[4]. Em segundo lugar, porque a demonstração do erro do declarante pressupõe a indicação da classificação aduaneira devida por parte do Fisco. Isso foi ressaltado com absoluta propriedade pelo Conselheiro Charles Mayer de Castro Souza, em Declaração de Voto no Acórdão nº 9303-006.331:
[…] para apontar um erro de classificação fiscal, o Fisco deve indicar as regras de classificação não observadas e a classificação fiscal correta. E assim é porque, não fosse pelo caráter norteador das Regras de Interpretação do Sistema Harmonizado – as quais se direcionam a apontar como chegar à correta classificação fiscal do produto importado, não à errada! –, a Administração Tributária deve informar ao administrado (no caso, o importador) não apenas o erro que cometera, mas, também, como deveria ter agido, a fim de que o erro não venha a se repetir, com todas as consequências daí advindas (o art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 9.784, de 1999, impõe que, nos processos administrativos, a atuação da Administração Pública se dê segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé). Não se pode afirmar errada uma classificação, senão indicando a correta e apontando as regras que autorizam esta nova classificação.”[5]
Destarte, a configuração da infração sempre requer a demonstração da ilicitude da conduta do declarante, o que pressupõe o contraste com o comportamento devido prescrito pela ordem jurídica. Por isso, a indicação da classificação aduaneira adequada é inerente ao dever de motivação dos atos administrativos[6]. Quando o julgador constata que ambas as classificações são equivocadas, mas, ainda assim, mantém a validade da penalização, o que se tem é um aperfeiçoamento indevido da motivação do auto de infração.
Após a incorporação do Acordo sobre a Facilitação do Comércio (AFC) ao direito interno brasileiro[7], a Súmula Carf nº 161 deve ser revista pelo Carf. Nenhum dos precedentes que a embasaram são relativos a eventos ocorridos após o início da vigência do AFC. Por isso, o acordo não foi considerado nas decisões da Câmara Superior do Carf.
A necessidade de revisão decorre do Artigo 6 do AFC. Esse dispositivo estabelece que as penalidades aduaneiras devem ser acompanhadas de uma explicação por escrito, contendo a especificação da natureza da infração e a lei, regulamento ou ato normativo procedimental aplicável:
“ARTIGO 6: DISCIPLINAS SOBRE TAXAS E ENCARGOS INCIDENTES SOBRE A IMPORTAÇÃO OU EXPORTAÇÃO, OU EM CONEXÃO A ESTAS, E SOBRE PENALIDADES
[…]
3.5. Cada Membro assegurará que, quando uma penalidade for imposta por violação de suas leis, regulamentos ou atos normativos procedimentais de caráter aduaneiro, seja dada às pessoas penalizadas uma explicação por escrito que especifica que a natureza da infração e a lei, regulamento ou ato normativo procedimental aplicável segundo o qual a quantidade ou o alcance da penalidade pela violação tenham sido estabelecidos.”
Considerações sobre a necessidade de superação da Súmula CARF Nº 161
A exigência de explicação por escrito foi estabelecida dentro de uma nova concepção de controle aduaneiro consagrada no AFC: a lógica de uma aduana moderna que já não se limita ao aspecto correicional, mas que também atua na criação de um ambiente de segurança jurídica favorável ao comércio internacional. Daí a valorização dos esforços de conformidade (compliance) e de autorregularização dos intervenientes (Artigo 6, 3.3[8], 3.4[9] e 3.6[10]). Da mesma forma, a exigência de transparência na disponibilização de informações regulatórias, inclusive relacionadas à classificação de mercadorias (Artigo 1, 1.1.d[11]).
Nada disso é atendido se o Carf continuar entendendo que a autoridade aduaneira, ao penalizar o declarante, está dispensada de demonstrar qual é a classificação devida. Um auto de infração constituído nesses termos não contém a especificação da natureza da infração e a legislação aplicável, enfim, é carente de uma fundamentação válida.
Os autos de infração e lançamento também constituem um relevante parâmetro de conformidade para as empresas que atuam nesse segmento. A notícia da autuação influencia o comportamento de terceiros, que, em despachos de seu interesse, para evitar penalização equivalente, adotam a NCM exigida de outros declarantes pela Receita Federal. Ademais, em muitos casos, os declarantes optam por não questionar a penalização, passando a adotar a classificação indicada pelo Auditor-Fiscal em despachos aduaneiros futuros. Por isso, é essencial que o auto de infração indique a classificação apropriada. Do contrário, ao invés de um ambiente de segurança jurídica favorável ao desenvolvimento do comércio exterior, haverá uma perigosa generalização da percepção de que, em seu relacionamento com o Poder Público, as empresas já não podem mais orientar as suas condutas e suas decisões negociais confiando na validade das interpretações de servidores público no exercício de suas funções. Espera-se, assim, a revisão da Súmula nº 161.
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NOTAS
[1] Carf. 3ª S. 3ª C. 2ª T.O. Ac. 3302-005.696. S. 26/07/2018. No mesmo sentido: Ac. 3301-003.646 e 3301-003.147.
[2] Carf. 3ª S. 3ª C. 1ª T.O. Ac. 3301-003.646. S. 24/03/2017.
[3] Carf. CSRF. 3ª T. Ac. 9303-006.474. S. de 14/03/2018. No mesmo sentido: CSRF. 3ª T. Ac. 9303-006.331. S. de 21/02/2018; CSRF. 3ª T. Ac. 9303-008.194. S. de 21/02/2019.
[4] Um dos precedentes invocados para fundamentar a súmula sequer tratavam da matéria. O Acórdão nº 3201-000.007 é muito claro ao ressaltar que: “Entendeu, portanto, a DRJ SPO II que tanto do código tarifário empregado pelo importador (2910.90.90), quanto daquele indicado pelo Fisco (3824.90.89) estavam incorretos. Não sendo a matéria alvo de recurso de oficio, não cabe manifestação deste Colegiado acerca de tal decisão” (fls. 05).
[5] Carf. CSRF. 3ª T. Ac. 9303-006.331. S. de 21/02/2018.
[6] Por isso, como ensina o Professor Bruno Macedo Curi: “[…] nos casos em que a autoridade administrativa se equivoque ao indicar o código NCM de certa mercadoria, e tal seja percebido no curso do processo revisional do auto de infração, a consequência imediata é a caracterização de nulidade do lançamento por vício material”. (CURI, Bruno M. M. Da inviabilidade de retificação do lançamento em virtude de erro na classificação fiscal de mercadorias. In: PEREIRA, Cláudio Augusto Gonçalves; REIS, Raquel Segala (org.). Ensaios de direito aduaneiro. São Paulo: Intelecto, 2015, p. 56).
[7] Decreto Legislativo nº 01/2016; Decreto nº 9.326/2018.
[8] “3.3. A penalidade imposta dependerá dos fatos e circunstâncias do caso e serão compatíveis com o grau e gravidade da infração.”
[9] “3.4. Cada Membro assegurará a manutenção de medidas para evitar:
(a) conflitos de interesse na determinação e cobrança de penalidades e tributos; e
(b) a criação de incentivos para a determinação ou cobrança de uma penalidade incompatível com o parágrafo 3.3.”
[10] “3.6. Quando uma pessoa espontaneamente revelar à administração aduaneira de um Membro as circunstâncias de uma violação de suas leis, regulamentos ou atos normativos procedimentais de caráter aduaneiro antes da descoberta dessa violação pela administração aduaneira, o Membro é incentivado a considerar, quando for o caso, este fato como potencial circunstância atenuante ao estabelecer uma penalidade para essa pessoa.”
[11] “ARTIGO 1: PUBLICAÇÃO E DISPONIBILIDADE DA INFORMAÇÃO
- Publicação
1.1. Cada Membro publicará imediatamente as seguintes informações, de maneira não discriminatória e facilmente acessível, a fim de permitir que governos, comerciantes e outros interessados possam conhecê-las:
(a) os procedimentos para a importação, exportação e trânsito (inclusive procedimentos em portos, aeroportos e outros ponto de entrada) e os formulários e documentos exigidos;
(b) as alíquotas aplicadas de direitos e tributos de qualquer gênero incidentes sobre importações ou exportações, ou em conexão a estas;
(c) as taxas e os encargos cobrados por ou para órgãos governamentais incidentes sobre importações, exportações ou trânsito, ou em conexão a estes;
(d) as regras para a classificação ou a valoração de bens para fins aduaneiros;
(e) as leis, regulamentos e decisões administrativas de aplicação geral relativos a regras de origem;
(f) as restrições ou proibições à importação, exportação ou trânsito;
(g) as disposições sobre penalidades em caso de descumprimento de formalidades para importação, exportação ou trânsito;
(h) os procedimentos de recurso ou de revisão;
(i) os acordos ou partes de acordos com qualquer país ou países em matéria de importação, exportação ou trânsito; e
(j) os procedimentos relativos à administração de quotas tarifárias.
1.2. Nada nestas disposições será interpretado de modo a exigir a publicação ou a prestação de informações em idioma distinto do idioma do Membro, exceto conforme previsto no parágrafo 2.2.”