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Marcus Abraham: A Reforma Tributária não é inimiga da autonomia de estados e municípios

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Marcus Abraham

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26/10/2023

É a efetiva arrecadação e o direito de definir a destinação dos recursos que marcam a autonomia exigida pela atual Constituição – Por Marcus Abraham.

As discussões políticas e jurídicas sobre a atual proposta de Reforma Tributária sobre o consumo têm suscitado intenso debate quanto à compatibilidade do novo modelo de arrecadação a ser implantado com o princípio federativo, devido a três fatores: i) uma suposta perda do “poder de arrecadar” dos entes federados subnacionais; ii) uma possível centralização excessiva em função da criação do novo Conselho Federativo do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e; iii) a incerteza nos percentuais das alíquotas a serem futuramente definidas e uma possível queda na arrecadação.

Nos termos da Proposta de Emenda à Constituição aprovada na Câmara dos Deputados, ora em debate no Senado Federal, consta a previsão de que os estados, o Distrito Federal e os municípios exercerão de forma integrada, exclusivamente por meio do Conselho Federativo do IBS, as seguintes competências administrativas relativas ao novo imposto unificado: editar normas infralegais sobre temas relacionados ao imposto, de observância obrigatória por todos os entes que o integram; uniformizar a interpretação e a aplicação da legislação do imposto, que serão vinculantes para todos os entes que o integram; arrecadar o imposto, efetuar as compensações e distribuir o produto da arrecadação entre os estados, o Distrito Federal e os municípios; dirimir as questões suscitadas no âmbito do contencioso administrativo tributário entre o sujeito passivo e a administração tributária.

O Conselho Federativo do IBS também terá a atribuição de, no âmbito da sistemática de não cumulatividade plena do tributo, reter o montante equivalente ao saldo acumulado de créditos do imposto não compensados pelos contribuintes ou não ressarcidos ao final de cada período de apuração e distribuir o montante excedente ao ente federativo de destino das operações que não tenham gerado creditamento.

Contudo, a previsão de criação do Conselho Federativo e o amplo rol de competências a ele atribuídas colocam na ordem do dia a suposta violação da autonomia financeira de estados e municípios pela PEC n. 45/2018. Afinal, a nova entidade central terá competências muito abrangentes, que envolvem desde a edição de normas infralegais e a uniformização da interpretação e aplicação do IBS de observância obrigatória, até a efetiva apuração dos créditos e das compensações no regime não cumulativo do imposto.

Alguns governadores e prefeitos inclusive têm vocalizado em alto e bom som suas dúvidas sobre a possibilidade de coadunar a nova reforma com a autonomia constitucional de estados e municípios. Já se chegou a dizer que o novo modelo poderá gerar uma anedótica situação em que os entes subnacionais dependerão de uma “mesada” a receber do Conselho Federativo, pelo poder desta nova instituição em gerir os recursos arrecadados com os novos impostos a serem implementados.

Entretanto, é necessário nesse ponto revisitar certas premissas de direito constitucional e financeiro.

De acordo com o entendimento clássico, a adoção do modelo federalista de organização do Estado implica a concessão, pelo Constituinte Originário, de três dimensões da autonomia aos entes federativos: (a) auto-organização, compreendida como o poder de editar sua própria constituição e legislação, de modo a exercer as competências atribuídas pela Constituição; (b) autogoverno, enquanto capacidade de os entes federativos escolherem seus próprios governantes sem subordinação ao ente central; e (c) autoadministração, que corresponde ao livre exercício das competências administrativas, tributárias e legislativas conferidas pela Constituição aos entes da federação, estando implícito no exercício da competência tributária a obtenção de recursos mínimos que garantam a autonomia do ente federado.

Especificamente na seara da autonomia financeira, observa Manoel Gonçalves Ferreira Filho que a divisão de receitas entre os integrantes do pacto federativo “é a medida da autonomia real dos Estados-Membros. Na verdade, essa partilha pode reduzir a nada a autonomia, pondo os Estados a mendigar auxílios da União, sujeitando-os a verdadeiro suborno. Como a experiência americana revela, pelo concurso financeiro, a União pode invadir as competências estaduais, impondo sua intromissão em troca desse auxílio” (“Curso de Direito Constitucional”, 2002, p. 60).

Para garantir a plena e efetiva realização destas funções distribuídas a cada um dos entes federativos, a Carta Constitucional lhes assegura fontes próprias de recursos financeiros, que advêm, essencialmente, da partilha patrimonial (de bens públicos e de recursos naturais), da competência tributária para a instituição e cobrança de seus próprios tributos e das transferências financeiras intergovernamentais obrigatórias e voluntárias, a partir de um sistema de partilha e repasse de receitas.

Eis que nos deparamos com a tormentosa questão: até que ponto haveria uma efetiva violação na autonomia financeira dos estados e municípios pela nova sistemática do IBS com seu respectivo Conselho Federativo?

Entendemos que tal previsão não é inconstitucional, desde que cumpridos três requisitos mínimos: a) garantia aos entes federados de representatividade efetiva no Conselho Federativo do IBS; b) que a “fatia do bolo” de recursos a serem distribuídos a partir da arrecadação tributária não diminua para os estados e municípios; c) seja conservado o direito de os entes federados alocarem como entenderem devido tais recursos (o mais importante requisito para a real autonomia), por certo sem descuidar das obrigações constitucional ou legalmente impostas nessa alocação.

É que a forma de exercício da competência tributária, por si só, é mero instrumento para carrear recursos ao erário. O que de fato garante a autonomia financeira do ente é o recolhimento real e efetivo de recursos aos tesouros municipais e estaduais, seguido da possibilidade de que o gestor local da despesa detenha liberdade alocativa, por meio do orçamento público. Caso isto seja assegurado, e a representatividade no órgão centralizado do Conselho Federativo seja obedecida, não vislumbramos que o modelo abstratamente considerado viole o pacto federativo e a autonomia dos entes subnacionais.

Não é tanto o como arrecadar, mas sim a efetiva arrecadação e o direito de definir a destinação dos recursos que marcam a autonomia exigida pela atual Constituição Federal. E, nesse sentido, esperamos que o novo Conselho Federativo possa ser exatamente isso: um mecanismo ou instrumento (portanto, um meio, e não um fim em si mesmo) para enfrentar e harmonizar as tensões decorrentes de uma estrutura heterogênea, decorrente de uma multiplicidade de interesses e das diferenças regionais, na busca da implementação de um modelo federal cooperativo que permita aos entes federados realizar um objetivo comum para toda a nação.    

*Marcus Abraham é desembargador federal no Tribunal Regional Federal da 2ª Região, pós-doutor em Direito (UFRJ e Universidade de Lisboa), doutor em Direito Público (UERJ), professor titular de Direito Financeiro e Tributário da UERJ e autor de diversos livros nas áreas de Direito Financeiro e Tributário.

FONTE: OGLOBO | https://oglobo.globo.com/blogs/fumus-boni-iuris/post/2023/10/marcus-abraham-a-reforma-tributaria-nao-e-inimiga-da-autonomia-de-estados-e-municipios.ghtml

O plenário do Senado Federal — Foto: Cristiano Mariz

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