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É preciso debater (mais) a PEC do teto de gastos

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PEC 241

Tathiane Piscitelli

Tathiane Piscitelli

14/04/2017

A PEC 241 [transformado na Emenda Constitucional 95/2016] foi apresentada pelo governo como fundamental no processo de retomada do crescimento. A medida estabelece limitações severas aos gastos públicos, com foco específico na saúde e educação. O ponto central estaria na desvinculação desses gastos da arrecadação tributária: segundo a Constituição, União, Estados, Distrito Federal e municípios têm o dever de destinar um percentual mínimo, aplicado sobre suas receitas de impostos, nessas duas áreas. Com a PEC, o gasto estaria vinculado à despesa do ano anterior, corrigida pela inflação. A meta inicial seria de crescimento zero dos gastos, com possibilidade de revisão a partir do 10º ano de vigência da nova regra.

Uma das questões que coloca em dúvida a viabilidade jurídica da PEC está relacionada com a potencial ofensa a direitos e garantias individuais. Uma vez que a Constituição estabelece um percentual mínimo de gasto com saúde e educação, atrelar a despesa apenas à inflação representaria uma diminuição de investimentos no setor, possibilitando, inclusive, que as receitas que antes seriam destinadas a essas áreas sejam predadas por outras necessidades públicas. De outro lado, sem uma medida efetiva de controle e limitação de gastos públicos, não seria possível cogitar-se de um ajuste fiscal eficaz.

Há pouco ou nenhum controle dos governos quanto aos efeitos das medidas de desoneração tributária

A solução para o impasse requer uma reflexão mais ampla sobre os efeitos concretos que a vinculação entre gasto e arrecadação gera. Se o montante da despesa obrigatória com determinada área está condicionado ao total da arrecadação, em momentos de bonança arrecadatória a despesa será elevada e, como resultado potencial, teremos investimentos e melhorias (qualitativas ou quantitativas) atreladas ao serviço público. Na mesma medida, com eventuais quedas na arrecadação, frequentes em momentos de crise como o atual, a disponibilidade de recursos diminui, mas não sua necessidade. Isso porque o investimento anterior deve continuar sendo custeado, levando ou ao endividamento do ente, ou ao abandono das melhorias anteriormente implementadas.

Esse ciclo de elevação das despesas em função do aumento da receita se verifica na saúde e educação e, também, nas áreas financiadas por receitas de contribuições, como a Seguridade Social: quanto maior a arrecadação, maior o gasto, porque vinculado, e, assim, maior a necessidade de despesa futura. Para as contribuições, a DRU (desvinculação das receitas da União) apresenta-se como um mecanismo para mitigar essa equação, já que desvincula uma parcela das receitas daqueles gastos específicos. A PEC 241 seria, nesse sentido, uma alternativa para a contenção da escalada dos gastos na saúde e educação.

O impacto orçamentário seria relevante, na medida em que, segundo o Tesouro Nacional, saúde, educação e previdência representam aproximadamente 63% das despesas não financeiras da União. Assegurar, portanto, crescimento zero desses gastos seria uma maneira eficaz de conter o crescimento das despesas e um caminho possível para vislumbrarmos, no futuro, a superação do déficit. O argumento daqueles que se posicionam contrariamente à medida situa-se na possível redução de recursos destinados a essas áreas, com o comprometimento, inclusive, de políticas já implementadas.

Contudo, se considerarmos que a regra atual vincula o gasto à arrecadação, sendo o cenário de baixo crescimento econômico e, assim, baixa receita, a vinculação à inflação não necessariamente representará uma queda dos valores investidos. Até o momento, naturalmente, em que se verifique o crescimento da receita para além da inflação. Daí a necessidade de uma regra de transição clara, que assegure que, no futuro, a (re) vinculação da despesa com a receita de impostos, em um cenário mais favorável.

Por fim, não seria demasiado lembrar que o ajuste fiscal que precisamos enfrentar passa, naturalmente, pelas despesas, mas envolve, também, as receitas. Nesse ponto, há muito espaço para reflexão sobre a necessária reestruturação do sistema tributário e o papel que ele joga na redução das desigualdades. Mais de 40% da nossa carga tributária é concentrada no consumo, onerando proporcionalmente mais aqueles que detêm menor capacidade econômica. De outro lado, a tributação da renda e da propriedade são relativamente baixas, havendo muita margem para crescimento. A revogação da isenção dos dividendos e uma revisão do imposto sobre herança são apenas exemplos que podem, a um só tempo, aumentar a arrecadação e atuar mais diretamente no combate à desigualdade.

Nessa mesma linha, há pouco ou nenhum controle dos governos quanto aos efeitos concretos das medidas de desoneração tributária. Nos últimos anos, bilhões deixaram de ser arrecadados por conta de incentivos fiscais que não necessariamente se reverteram em crescimento econômico expressivo. Um controle maior dessas medidas e a incorporação do gasto tributário no debate seria primordial para um ajuste mais eficaz e compreensivo possível.

A Constituição e a Lei de Responsabilidade Fiscal estabelecem que a lei de diretrizes orçamentárias deve conter um demonstrativo da estimativa da renúncia de receita para o exercício seguinte. Hoje, tal documento é elaborado pela Receita Federal, mas não prescinde de aprimoramentos, especificamente no controle quanto ao retorno e impacto efetivo desses gastos.

Em resumo, a necessidade do ajuste se concretizar é evidente. O fato de o governo ter propostas concretas sobre a contenção de despesas já é um grande passo. A desvinculação da despesa à receita arrecadada pode representar, a um só tempo, uma solução de curto prazo para o déficit e a garantia dos investimentos na educação e saúde, considerando as previsões futuras de baixo crescimento.

Contudo, para que não se corra o risco de haver uma perda efetiva de receita para essas áreas, é bastante relevante que sejam estabelecidas regras claras de retomada do regime anterior, uma vez que haja a normalização do cenário. Além disso, outros gargalos das contas públicas precisam ser enfrentados e a reavaliação do gasto tributário deve ser o primeiro deles.

*Nota do editor: Artigo publicado originalmente no jornal Valor econômico em 07/10/2016.


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