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Denúncia Espontânea e Infrações Formais no Direito Aduaneiro
06/07/2021
As infrações aduaneiras podem ser divididas em formais e materiais. Nas infrações formais, a conduta típica é a não-prestação de um dever jurídico. Já nas infrações materiais, a tipicidade está no descumprimento de uma obrigação.
Os deveres jurídicos, ao contrário das obrigações, são prestações sem expressão econômica instituídas no interesse do controle aduaneiro. É o caso, por exemplo, do registro da declaração de importação, exigível de todos que promovem o ingresso de produto procedente do exterior no território aduaneiro, inclusive quando não sujeito ao pagamento de tributos (Decreto-Lei nº 37/1966, art. 44[1]). Outro, entre muitos que também poderiam ser elencados, é o dever jurídico de manutenção – em boa guarda e ordem – dos documentos relativos às operações de comércio exterior até o esgotamento do prazo decadencial para a constituição do crédito tributário (Lei nº 10.833/2003, art. 70[2]).
Essa diferenciação é relevante para a compreensão do alcance da Súmula nº 126, do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que tem o seguinte conteúdo:
Súmula Carf nº 126: “A denúncia espontânea não alcança as penalidades infligidas pelo descumprimento dos deveres instrumentais decorrentes da inobservância dos prazos fixados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil para prestação de informações à administração aduaneira, mesmo após o advento da nova redação do art. 102 do Decreto-Lei nº 37, de 1966, dada pelo art. 40 da Lei nº 12.350, de 2010”.
Essa súmula foi editada após a alteração do art. 102 do Decreto-Lei nº 37/1966 (RA, art. 683, § 2º) pela Lei nº 12.350/2010 (art. 40). Essa resultou da conversão da Medida Provisória nº 497/2010, que, de acordo com a sua exposição de motivos, teve por objetivo tornar clara a aplicabilidade a denúncia espontânea a todas as penalidades pecuniárias, inclusive multas pelo descumprimento de “obrigação acessória”:
“[…]
45. No caso específico, o que se tem verificado é que, durante o processo de auditoria, as empresas têm constatado reiterados erros em declarações de importação registradas e desembaraçadas no canal verde de conferência e, como forma de sanear a irregularidade para cumprimento do programa, apresentado a relação desses erros na unidade de jurisdição e adotado as respectivas providências para a retificação das declarações aduaneiras.
46. Todavia, ao adotar essa providência, mesmo que a empresa não tenha que recolher quaisquer tributos, ela pode estar sujeita à imposição da referida multa de um por cento sobre o valor aduaneiro da mercadoria (multa isolada), disciplinada no art. 711 do Regulamento Aduaneiro, ainda que espontaneamente tenha apurado tais erros e adotado as providências para a sua regularização, o que onera por demais o processo de adesão à Linha Azul.
47. A proposta de alteração objetiva deixar claro que o instituto da denúncia espontânea alcança todas as penalidades pecuniárias, aí incluídas as chamadas multas isoladas, pois nos parece incoerente haver a possibilidade de se aplicar o instituto da denúncia espontânea para penalidades vinculadas ao não-pagamento de tributo, que é a obrigação principal, e não haver essa possibilidade para multas isoladas, vinculadas ao descumprimento de obrigação acessória”[3].
Não obstante, a Jurisprudência do Carf firmou-se pela incompatibilidade da denúncia espontânea com as infrações formais decorrentes do descumprimento de prazos pelo sujeito passivo. Trata-se de interpretação acertada, já que, nesses casos, a configuração da infração ocorre com a conduta omissiva do agente vinculado ao dever de agir. Logo, quando descumprido o prazo definido pela legislação aduaneira, o ilícito já está definitivamente consumado, sendo impossível a reversão do curso causal.
Um exemplo é o dever de prestar informações relativas às cargas transportadas, na forma e no prazo definidos pela Receita Federal, previsto no art. 37 do Decreto-Lei nº 37/1966, na redação da Lei nº 10.833/2003[4]. Após o esgotamento do prazo, o ilícito é caracterizado, não sendo eficaz a denúncia espontânea.
Em situações dessa natureza, o máximo que se poderia ter previsto é uma redução da penalidade. Isso, inclusive, iria ao encontro da previsão do Artigo 6 do Acordo sobre a Facilitação do Comércio (Decreto Legislativo nº 01/2016; Decreto nº 9.326/2018), que incentiva os Membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) a considerarem esse fato em suas legislações como uma possível circunstância atenuante:
“3.6. Quando uma pessoa espontaneamente revelar à administração aduaneira de um Membro as circunstâncias de uma violação de suas leis, regulamentos ou atos normativos procedimentais de caráter aduaneiro antes da descoberta dessa violação pela administração aduaneira, o Membro é incentivado a considerar, quando for o caso, este fato como potencial circunstância atenuante ao estabelecer uma penalidade para essa pessoa.”
Outro aspecto relevante – nem sempre notado – é que a Súmula Carf nº 126 só alcança as infrações decorrentes da não observância de prazos. Se o dever instrumental tiver outro conteúdo, é perfeitamente possível a denúncia espontânea. É o caso, v.g., do dever de promover a classificação aduaneira da mercadoria na declaração de importação. Se o sujeito passivo retificar a declaração antes de qualquer providência fiscalizatória, ficará afastada a multa isolada de 1% prevista no art. 84, I, da Medida Provisória nº 2.158-35/2001[5].
Em qualquer caso, porém, devem ser observados os demais requisitos previstos no art. 102 do Decreto-Lei nº 37/1966:
“Art. 102 – A denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do imposto e dos acréscimos, excluirá a imposição da correspondente penalidade. (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 2.472, de 01/09/1988)
1º – Não se considera espontânea a denúncia apresentada: (Incluído pelo Decreto-Lei nº 2.472, de 01/09/1988)
a) no curso do despacho aduaneiro, até o desembaraço da mercadoria; (Incluído pelo Decreto-Lei nº 2.472, de 01/09/1988)
b) após o início de qualquer outro procedimento fiscal, mediante ato de ofício, escrito, praticado por servidor competente, tendente a apurar a infração. (Incluído pelo Decreto-Lei nº 2.472, de 01/09/1988)
2º A denúncia espontânea exclui a aplicação de penalidades de natureza tributária ou administrativa, com exceção das penalidades aplicáveis na hipótese de mercadoria sujeita a pena de perdimento. (Redação dada pela Lei nº 12.350, de 2010)”.
Quer saber mais sobre as infrações e a denúncia espontânea no direito aduaneiro? Essas questões são analisadas com profundidade nos Capítulo V do Curso de Direito Aduaneiro. Fica o convite para a leitura.
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[1] “Art. 44 – Toda mercadoria procedente do exterior por qualquer via, destinada a consumo ou a outro regime, sujeita ou não ao pagamento do imposto, deverá ser submetida a despacho aduaneiro, que será processado com base em declaração apresentada à repartição aduaneira no prazo e na forma prescritos em regulamento. (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 2.472, de 01/09/1988)”.
[2] “Art. 70. O descumprimento pelo importador, exportador ou adquirente de mercadoria importada por sua conta e ordem, da obrigação de manter, em boa guarda e ordem, os documentos relativos às transações que realizarem, pelo prazo decadencial estabelecido na legislação tributária a que estão submetidos, ou da obrigação de os apresentar à fiscalização aduaneira quando exigidos, implicará:
[…]
1º Os documentos de que trata o caput compreendem os documentos de instrução das declarações aduaneiras, a correspondência comercial, incluídos os documentos de negociação e cotação de preços, os instrumentos de contrato comercial, financeiro e cambial, de transporte e seguro das mercadorias, os registros contábeis e os correspondentes documentos fiscais, bem como outros que a Secretaria da Receita Federal venha a exigir em ato normativo.”
[3] EMI nº 111/MF/MP/ME/MCT/MDIC/MT.
[4] “Art. 37. O transportador deve prestar à Secretaria da Receita Federal, na forma e no prazo por ela estabelecidos, as informações sobre as cargas transportadas, bem como sobre a chegada de veículo procedente do exterior ou a ele destinado.”
[5] “Art. 84. Aplica-se a multa de um por cento sobre o valor aduaneiro da mercadoria:
I – classificada incorretamente na Nomenclatura Comum do Mercosul, nas nomenclaturas complementares ou em outros detalhamentos instituídos para a identificação da mercadoria; ou”