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Tributário

REFORMA TRIBUTÁRIA

TRIBUTÁRIO

As contribuições de intervenção no domínio econômico na proposta da reforma tributária

REFORMA TRIBUTÁRIA

Paulo Roberto Lyrio Pimenta

Paulo Roberto Lyrio Pimenta

29/11/2023

A Proposta de Emenda Constituição n° 45-A, ora em tramitação na Câmara dos Deputados, tem por objetivo principal promover modificações na tributação do consumo, por meio da criação de dois novos tributos (IBS e CBS), em substituição a três impostos (IPI, ICMS e ISS) e duas contribuições especiais (PIS/COFINS).

O texto sugere, ainda, outras modificações no perfil de outros impostos, como, por exemplo, o IPVA e o ITCMD.

Nesse contexto, as contribuições de intervenção no domínio econômico também foram alcançadas com algumas propostas de alteração, as quais não modificam o seu perfil constitucional, em seus aspectos fundamentais.

O presente trabalho busca investigar tais modificações.

Fundamento constitucional das contribuições interventivas

As contribuições de intervenção no domínio econômico são reguladas pelo art. 149 da Constituição Federal:

“Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.”

Analisando-se este dispositivo, verifica-se que a figura em pauta é uma espécie de contribuição especial.2 Por conseguinte, apresenta os seguintes traços que caracterizam o gênero ao qual pertencem: a) existência de uma finalidade qualificada no texto constitucional; b)vinculação do destino da arrecadação; c) existência de um grupo ou setor alcançado pela exigência. Esclareçamos.

As contribuições em estudo são tributos finalisticamente qualificados em sede constitucional. Vale dizer, enquanto em relação aos impostos, às taxas e à contribuição de melhoria, a Carta não prevê a finalidade destas figuras (Art. 145, I e II, 153, 155 e 156), o objetivo das contribuições especiais é indicado expressamente. Isso gera grande repercussões, como, por exemplo, a existência de critérios diversos de controle de validade desta figura.

Outro traço essencial das contribuições epigrafadas é a vinculação da receita arrecadada com a cobrança deste tributo à finalidade que justificou a sua criação. Vale dizer, as receitas das contribuições especiais são direcionadas necessariamente aos fins que autorizam a instituição deste tributo.

Por fim, as contribuições são tributos setoriais, porque alcançam um grupo ou um setor econômico.3

Após a promulgação da Carta de 1988, a Emenda Constitucional n° 33/2001 inseriu o art. 177, §4° no texto constitucional, prevendo a criação de um tipo específico de contribuição interventiva:

“4º A lei que instituir contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível deverá atender aos seguintes requisitos:”  

Essa contribuição apresenta os mesmos traços característicos das demais contribuições interventivas, representando um outro fundamento constitucional específico da figura em exame.

Finalidades possíveis das contribuições interventivas

Quais são as finalidades constitucionais que justificam a instituição de uma contribuição interventiva?

Como defendido em trabalho anterior,4 tais exações podem perseguir duas finalidades possíveis. A primeira é servir como fonte de custeio da atividade interventiva realizada pela União em alguma área ou setor, pressuposto de criação da CIDE. Em outras palavras, em tais situações a contribuição tem um objetivo financeiro específico: custear as despesas realizadas na atividade interventiva desenvolvida pela União, diretamente ou por meio de sua autarquias ou agência reguladoras. Esta hipótese é por nós denominada de “CIDE-Custeio”.

Uma outra situação poderá ocorrer: a contribuição em tela servir como o próprio instrumento interventivo, isto é, o tributo funcionar como instrumento de intervenção indireta da União no domínio econômico, nos termos autorizados pelo art.174 da Constituição Federal. Nesse caso, aparecerá a figura da “CIDE-instrumento da intervenção”.

A Contribuições de intervenção na proposta de reforma tributária

As contribuições de intervenção foram objeto de três modificações no Relatório aprovado pelo Senado Federal.

O primeiro ponto foi a modificação da repartição das receitas da CIDE-Combustíveis, prevista pelo art.177, §4° da CF.

As receitas das contribuições especiais não são partilhadas pela União com os demais entes tributantes, ao contrário do que ocorre com os impostos federais (CF, art.159).

A Emenda Constitucional n° 42/2003 previu a destinação da receita da contribuição interventiva regulada pelo art. 177,§4° da Carta Magna para os Estados e o Distrito Federal, no percentual de 25% (vinte e cinco por cento), por força do disposto no art. 159, III. Posteriormente, este percentual foi ampliado para 29% (vinte e nove por cento) pela Emenda Constitucional n°44, de 30 de junho de 2004, que deu a seguinte redação a este dispositivo constitucional:

III – do produto da arrecadação da contribuição de intervenção no domínio econômico prevista no art. 177, § 4º, 29% (vinte e nove por cento) para os Estados e o Distrito Federal, distribuídos na forma da lei, observada a destinação a que se refere o inciso II, , do referido parágrafo.            

A versão da PEC n° 45 aprovada pelo Senado Federal modifica esta redação, direcionando parte das receitas para o destino previsto no art.159, I, “b”, ou seja, 22,05% (vinte e dois vírgula cinto por cento) para o Fundo de Participação dos Municípios, além do destino descrito na letra “c”, já constante na redação atual.

A segunda modificação relevante aprovada pelo Senado Federal foi a inclusão da letra “d” no inciso II no art. 177, § 4°, para destinar as receitas da CIDE combustíveis “ao pagamento de subsídios e tarifas de transporte público coletivo de passageiros”. Criou-se, assim, mais uma finalidade possível para esta exação.

Por fim, a proposta em epígrafe autoriza a instituição de uma nova “contribuição de intervenção no domínio econômico sobre importação, produção ou comercialização de bens que tenham industrialização incentivada na Zona Franca de Manaus, garantindo tratamento favorecido às operações na referida área” (art.92-B).

Analisando-se esta norma de competência tributária, observa-se que o constituinte derivado autorizou a criação de uma contribuição interventiva para atingir os produtos importados, produzidos ou comercializados, que tenham similares com os industrializados na Zona Franca de Manaus. Assim, busca-se criar um ônus financeiro para incentivar os produtos elaborados nesta área. Exemplo: se um televisor tiver um similar industrializado na mencionada área, será objeto da incidência da mencionada CIDE, que implicará em um aumento do seu preço final, favorecendo, com isso, a comercialização do televisor oriundo da Zona epigrafada.

Como é do conhecimento de todos, a Zona Franca de Manaus desfruta de uma série de incentivos fiscais, relacionados aos atuais impostos. No plano federal, é objeto de reduções de alíquotas e isenções de PIS/Cofins e IPI. No plano estadual, tem tratamento diferencial do ICMS.

Como um dos objetivos da criação do IBS – Imposto sobre Bens e Serviços é a extinção de qualquer benefício fiscal, para que a Zona Franca não seja impactada com isso, resolveu-se, por meio da criação da CIDE em pauta, estabelecer um ônus financeiro para os produtos com similares nesta área, favorecendo-os. É uma forma oblíqua de incentivo fiscal. Um modo de contornar a proibição de concessão de incentivos.

Esta contribuição será cobrada a partir de 2027 (art.128, I, “c”da PEC).

As receitas decorrentes da cobrança deste tributo serão destinadas ao Fundo de Sustentabilidade e Diversificação Econômica do Estado do Amazonas, previsto no parágrafo 2° do art. 92-B da PEC.

Analisando-se a mencionada sugestão, verifica-se que a proposta de Emenda à Constituição autorizou a criação de uma CIDE que funciona como o próprio instrumento de intervenção, a exemplo do que ocorre com a CIDE-combustíveis. Vale dizer, não se trata de uma exação para custear as despesas decorrentes da atividade interventiva do Estado.

Durante muitos anos a doutrina majoritária posicionou-se contra esta possibilidade de cobrança de contribuição interventiva, no entanto, com o advento da Emenda Constitucional n° 33, de 11/12/2001, esta discussão restou superada, em face da previsão de criação de uma CIDE que tem, em outros objetivos, a regulação do preço dos combustíveis derivados de petróleo.

Neste particular, a proposta em tela não apresenta nenhum vício de inconstitucionalidade, eis que compatível com o texto atual da Carta Magna.

Na versão aprovada inicialmente pela Câmara dos Deputados, o objetivo visado com a criação da CIDE em pauta seria atingido com a instituição do Imposto Seletivo. O Senado Federal resolveu modificar o instrumento tributário, prevendo a criação de uma contribuição interventiva.

Como se trata de uma modificação da proposta original, oriunda da Câmara, deverá ser objeto de deliberação por esta Casa para, caso seja aprovada, ser objeto de promulgação e posterior vigência.

Regra matriz de incidência possível da nova CIDE

A exemplo do que ocorre com a técnica utilizada pelo art. 149 da Constituição Federal, em relação às contribuições especiais, a Proposta de Emenda à Constituição também previu a finalidade possível da contribuição cuja instituição busca autorizar.

A norma constitucional a ser inserida na Carta Magna, caso seja aprovada pela Câmara dos Deputados, não instituirá tributo algum. E nem poderia ser diferente, porque em nosso ordenamento jurídico a Constituição Federal não cria tributos, e sim confere competência para os entes tributantes fazê-lo.

A lei ordinária será o veículo normativo apto a instituir futuramente a mencionada CIDE, posto que não há previsão na proposta em pauta de utilização da lei complementar, como ocorreu em relação ao IBS e à CBS.

O destino da receita também foi previsto na mencionada proposta: Fundo de Sustentabilidade e Diversificação Econômica do Estado do Amazonas.

Com base na norma de outorga de competência que se deseja inserir no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, evidencia-se que a nova exação terá por materialidade a produção, importação ou comercialização de produto similar ao elaborado na Zona Franca de Manaus. Será onerado, assim, o consumo, para incentivar os produtos idênticos, produzidos na mencionada Zona.

Sendo assim, os sujeitos passivos possíveis acabam sendo identificados: o produtor, importador ou o comerciante de produtos similares ao da Zona Franca. Obviamente que o ônus financeiro repercutirá no consumidor.

A base de cálculo possível será uma medida da materialidade já prevista. Quanto à alíquota, nada dispõe o texto aprovado. Por conseguinte, em se tratando de uma contribuição interventiva, deverá seguir o regime específico estabelecido pelo art. 149, §2°, III da Constituição Federal. Considerando a materialidade possível admitida, a alíquota “ad valorem” deverá ser escolhida pelo legislador ordinário, quando vier a instituir o tributo.

Conclusões

a)A Proposta de Emenda à Constituição (PEC n°45-A) ora em tramitação na Câmara dos Deputados sugere três modificações em relação às contribuições interventivas;

b) Promove-se uma pequena alteração no destino da receita da CIDE-combustíveis, modificando-se o art. 159, III do texto atual;

c) Para financiar os subsídios e as tarifas do transporte coletivo municipal, destina-se uma parcela da receita da CIDE-combustíveis, inserindo-se para isso um novo dispositivo no art. 177, §4°, II do Texto Magno;

d)Por fim, a Proposta em pauta autoriza a instituição de uma nova contribuição de intervenção, que irá funcionar como um ônus financeiro incidente sobre a importação, produção e comercialização de produtos similares aos elaborados na Zona Franca de Manaus, buscando-se com isso incentivar estes, como uma compensação pelo desaparecimento dos incentivos fiscais que se aplicam a esta área atualmente.

Salvador, novembro de 2023.

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NOTAS

1 Professor Titular de Direito Tributário da UFBA. Doutor em Direito pela PUC-SP. Estágio Pós-Doutoral na Universidade de Munique, Alemanha. Juiz Federal na Bahia. Professor da UCSAL.

2 A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal qualifica tais contribuições como “contribuições sociais”.

3 Neste particular, as contribuições especiais previstas em nosso ordenamento apresentam um traço de semelhança com a figura da Sonderabgabe, admitida no direito alemão, por força da jurisprudência do Bundesverfassungsgericht.

4Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico, São Paulo, Dialética, 2002, p.48 e ss.

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