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Substitutivo da Reforma Trabalhista: Retrocesso social e afronta aos direitos dos trabalhadores

ACORDO COLETIVO

ART. 611-A DA CLT

CLT

CONVENÇÃO COLETIVA

DIREITO DO TRABALHO

DIREITOS DOS TRABALHADORES

REFORMA TRABALHISTA

RETROCESSO SOCIAL

Gustavo Filipe Barbosa Garcia
Gustavo Filipe Barbosa Garcia

18/04/2017

O Substitutivo ao Projeto de Lei 6.787/2016, sobre a reforma trabalhista, apresentado, em 12 de abril de 2017, pelo Relator da Comissão Especial do Congresso Nacional, é uma das mais impressionantes afrontas aos direitos sociais dos trabalhadores já vistas na história do mundo civilizado.

Observa-se a completa subversão das normas fundantes do Direito do Trabalho, com destaque aos princípios da proteção, da norma mais favorável e da condição mais benéfica, assegurados nos planos constitucional e internacional.

Pretende-se instituir drástica redução do patamar de proteção aos empregados, estabelecendo previsões que favorecem apenas o lado mais forte da relação envolvida.

De modo exemplificativo, o art. 620 da CLT, na redação proposta, passa a dispor que as “condições estabelecidas em acordo coletivo de trabalho sempre prevalecerão sobre as estipuladas em convenção coletiva de trabalho” (destaquei).

Trata-se de manifesta contrariedade à exigência constitucional de melhoria das condições sociais, a qual impõe a necessidade de ser observada, em princípio, a norma mais favorável ao trabalhador (art. 7º, caput, da Constituição da República)[1].

O art. 611-A da CLT, na redação proposta pelo Substitutivo, estabelece que a “convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei” quando dispuserem sobre um amplo e não taxativo rol de matérias, que foi ampliado e passou a ter dezesseis incisos.

A impressão é que se pretende eliminar das relações trabalhistas o princípio da legalidade (art. 5º, inciso II, da Constituição da República), ao autorizar, por meio de previsão meramente infraconstitucional, que a convenção e o acordo coletivo prevaleçam sobre a lei, ainda que em prejuízo aos empregados e para piorar as condições de trabalho.

Até mesmo questões como o “enquadramento do grau de insalubridade” (art. 611-A, inciso XIII, da CLT), nessa linha, passam a ser objeto de livre negociação coletiva, podendo dispor de modo contrário à determinação legal, em completa subversão à estrutura hierárquica do ordenamento jurídico e manifesta desconsideração da natureza cogente de suas normas de ordem pública.

O Substitutivo ao Projeto de Lei 6.787/2016, em nítida obstinação de instituir um sistema voltado a favorecer apenas o empregador, de modo contraditório, embora já arrole as hipóteses em que a negociação coletiva possa prevalecer sobre a lei (supondo-se, assim, que fora desses casos não haveria espaço para dispor de modo prejudicial ao empregado), estabelece também um rol, aqui taxativo, de direitos que não podem ser suprimidos ou reduzidos.

Nesse sentido, o art. 611-B da CLT passa a dispor que “constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução” dos direitos ali indicados.

De forma ainda mais estarrecedora, o art. 444, parágrafo único, da CLT, acrescentado pelo Substitutivo, estabelece que a livre estipulação das relações contratuais de trabalho pelas partes interessadas, referida no caput desse dispositivo, aplica-se às hipóteses previstas no art. 611-A da Consolidação, com a mesma eficácia legal, no caso de empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.

Com isso, pretende-se impor o retorno da plena e ilimitada autonomia individual da vontade, em moldes já ultrapassados até mesmo no Direito Civil mais tradicional, quanto a empregados que tenham formação intelectual e maior patamar remuneratório, autorizando que a negociação individual com o empregador, nas hipóteses exemplificativamente arroladas no art. 611-A da CLT, prevaleça sobre a lei, mesmo que a avença seja prejudicial ao trabalhador e contrarie a legislação.

Desconsidera-se que o empregado, por natureza, presta serviços de forma subordinada ao empregador, o qual exerce o poder de direção independentemente do valor da remuneração recebida pelo empregado, e este, ainda que receba salário mais elevado, não é titular dos meios de produção e precisa trabalhar para manter a sua subsistência.

Assim, a autonomia da vontade no âmbito trabalhista, notadamente no plano individual, não pode ser exercida sem limites, em prejuízo aos direitos fundamentais e às determinações legais de ordem pública, a serem aplicadas a todos os tipos de empregados, sob pena de inaceitável afronta ao princípio da igualdade (art. 5º, caput, da Constituição da República).

Além disso, grande parte das previsões do Substitutivo ao Projeto de Lei 6.787/2016 contraria frontalmente diversas teses firmadas pela jurisprudência trabalhista ao longo dos anos, mais parecendo uma tentativa de revanche contra decisões já consolidadas pelos tribunais do trabalho.

Isso fica nítido no art. 8º, § 2º, da CLT, ao passar a prever que “Súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho não poderão restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei” (destaquei).

Desconsidera-se não só o poder normativo da Justiça do Trabalho, no âmbito dos dissídios coletivos (art. 114, § 2º, da Constituição da República), mas principalmente que o Direito não é sinônimo de lei, a ela não se reduzindo, por englobar as vertentes normativa, social e axiológica.

Como se não bastasse, a jurisprudência interpreta e aplica o sistema jurídico, o qual, mesmo no aspecto normativo, é formado de regras e princípios, presentes nas esferas constitucional e infraconstitucional, internacional e interna, não se restringindo às leis.

É impressionante a ausência de equilíbrio e de isenção na formulação das disposições pelo Substitutivo ao Projeto de Lei 6.787/2016, ao estabelecer a orientação sempre mais benéfica ao empregador, com o cuidado de não deixar margem para qualquer interpretação que possa ser protetiva ao empregado.

Esquece-se que o empregador, por natureza, é o polo mais forte da relação jurídica em questão e, portanto, não haveria justificativa para ser protegido pelo legislador, em prejuízo do empregado.

Exemplificativamente, o art. 2º, § 2º, da CLT, na redação proposta, impõe exigências minuciosas, que chegam a ser repetitivas, tornando a configuração do grupo de empresas na esfera trabalhista extremamente difícil[2]. Com isso, até no Direito Empresarial será mais plausível a caracterização de grupo econômico do que no Direito do Trabalho.

Além do rigor apontado, propõe-se o acréscimo dos §§ 3º e 4º ao art. 2º da CLT, com o claro intuito de impedir interpretações jurisprudenciais mais brandas ao analisar a existência do grupo de empresas[3].

O art. 3º, § 2º, da CLT, com o evidente intuito de tutelar apenas o lado empresarial, e certamente tendo como lembrança condenações judiciais em casos envolvendo trabalho em condições análogas à de escravo, chega a prever que o “negócio jurídico entre empregadores da mesma cadeia produtiva, ainda que em regime de exclusividade, não caracteriza o vínculo empregatício dos empregados da pessoa física ou jurídica contratada com a pessoa física ou jurídica contratante nem a responsabilidade solidária ou subsidiária de débitos e multas trabalhistas entre eles” (destaquei).

O Substitutivo ao Projeto de Lei 6.787/2016 também opera a completa e aberta eliminação de direitos dos trabalhadores, conquistados e consolidados com lutas, sem se importar com a redução do nível de proteção social daqueles que vivem de sua força de trabalho.

Nesse sentido, o art. 58, § 2º, da CLT, ao excluir o direito à remuneração das horas in itinere, atualmente assegurado nos planos legislativo e jurisprudencial, passa a estabelecer que o “tempo despendido pelo empregado até a efetiva ocupação do posto de trabalho e para o seu retorno, caminhando ou por qualquer meio de transporte, inclusive o fornecido pelo empregador, não será computado na jornada de trabalho, por não ser tempo à disposição do empregador” (destaquei).

Os “empregados em regime de teletrabalho”, segundo o Substitutivo ao Projeto de Lei 6.787/2016, são simplesmente excluídos das disposições sobre duração do trabalho (art. 62, inciso III, da CLT).

Isso significa a eliminação de direitos trabalhistas elementares quanto aos referidos empregados, como horas extras, adicional pelo labor noturno e intervalos, o que pode levá-los à exaustão física e psíquica.

Institui-se ainda profunda precarização dos contratos de trabalho, com a previsão do contrato de trabalho intermitente (art. 452-A da CLT), o qual favorece apenas o empregador, ao transferir os riscos do empreendimento empresarial à parte mais vulnerável da relação de emprego.

A dispensa coletiva passa a ser tratada pelo referido Substitutivo da mesma forma que a despedida individual (art. 477-A da CLT), sem considerar os seus impactos diferenciados e os seus reflexos sociais mais amplos, em evidente afronta à isonomia material e sem qualquer paralelo com a legislação de países civilizados[4].

Além disso, acrescenta-se ao rol das hipóteses de justa causa do empregado evento que não necessariamente tem relação com a sua conduta disciplinar no trabalho. Nesse enfoque, o art. 482 da CLT, alínea m, incluído pelo Substitutivo ao Projeto de Lei 6.787/2016, passa a prever que constitui justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador a “perda da habilitação ou dos requisitos estabelecidos em lei para o exercício da profissão”.

A contribuição sindical deixa de ser obrigatória, tornando-se opcional tanto a trabalhadores como a empregadores, conforme redação dada ao art. 579 da CLT[5].

Apesar de ser aparentemente positiva a alteração proposta, a manutenção de restrições ligadas à unicidade sindical, base territorial mínima municipal, sistema sindical confederativo e fundado no critério de categoria, bem como a ausência de incentivos à filiação, geram o evidente enfraquecimento do movimento sindical.

A ampla terceirização das atividades das empresas reforça a pulverização dos sindicatos, o que resulta no lamentável cenário em que se pretende fazer a negociação coletiva prevalecer em face da legislação trabalhista, a qual, de todo modo, deixa de considerar o objetivo elementar de justiça social.

Propõe-se a modificação até mesmo da recente previsão legal sobre terceirização, passando a autorizá-la, de modo explícito, para quaisquer atividades, atendendo ao anseio de certos setores empresariais.

Com isso, o art. 4º-A da Lei 6.019/1974 passa a dispor que se considera “prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à empresa prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução” (destaquei).

O Substitutivo ao Projeto de Lei 6.787/2016 versa também sobre matéria processual, mantendo a mesma fúria contra entendimentos jurisprudenciais trabalhistas consolidados.

Ainda de modo exemplificativo, o art. 11-A da CLT passa a estabelecer a incidência de prescrição intercorrente, a ser pronunciada de ofício, mesmo no processo do trabalho[6], em prejuízo à satisfação do crédito trabalhista.

O Art. 790-B da CLT, na redação do Substitutivo, chega ao ponto de prever que a “responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais é da parte sucumbente na pretensão objeto da perícia, ainda que beneficiária da justiça gratuita” (destaquei).

Na mesma linha de desconsiderar que o beneficiário da justiça gratuita, como seria evidente, não tem condições de arcar com despesas processuais, o art. 844, § 2º, da CLT, na redação do Substitutivo, passa a prever que na hipótese de ausência do reclamante à audiência, “este será condenado ao pagamento das custas calculadas na forma do art. 789 desta Consolidação, ainda que beneficiário da justiça gratuita, salvo se comprovar, no prazo de oito dias, que a ausência ocorreu por motivo legalmente justificável”.

Como se pode notar, praticamente nada se salva no tendencioso Substituto ao Projeto de Lei 6.787/2016, tornando explícito certo rancor pelas instituições ligadas ao Direito do Trabalho.

A atividade legislativa, em verdade, deve se pautar pela promoção do bem comum, previsto como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil (art. 3º, inciso IV, da Constituição de 1988), e não para atender casuísmos ou interesses econômicos individuais.

Espera-se, assim, que a sociedade se posicione com firmeza e indignação ao injusto e profundo retrocesso que se anuncia, exigindo a completa e imediata rejeição dessa afronta aos direitos fundamentais dos trabalhadores.


[1] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 94-98.
[2] “§ 2º Sempre que uma ou mais empresas, tendo cada uma personalidade jurídica própria, possuírem direção, controle e administração centralizada em uma delas, exercendo o efetivo controle sobre as demais, em típica relação hierárquica, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal, que detém o efetivo controle das demais, e cada uma das outras empresas subordinadas” (destaquei).
[3] “§ 3º Não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, ainda que administradores ou detentores da maioria do capital social, se não comprovado o efetivo controle de uma empresa sobre as demais. § 4º Não se aplica ao empregador urbano o disposto no § 2º do art. 3º da Lei nº 5.889, de 29 de junho de 1973”.
[4] “Art. 477-A. As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação”.
[5] “Art. 579. O desconto da contribuição sindical está condicionado à autorização prévia e expressa dos que participarem de uma determinada categoria econômica ou profissional, ou de uma profissão liberal, em favor do sindicato representativo da mesma categoria ou profissão ou, inexistindo este, na conformidade do disposto no art. 591 desta Consolidação”.
[6] “Art. 11-A. Ocorre a prescrição intercorrente no processo do trabalho no prazo de dois anos. § 1º A fluência do prazo prescricional intercorrente inicia-se quando o exequente deixa de cumprir determinação judicial no curso da execução. § 2º A declaração da prescrição intercorrente pode ser requerida ou declarada de ofício em qualquer grau de jurisdição”.

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