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Notas Sobre a Inconstitucionalidade do Contrato Intermitente

CLT

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LEI 13.467/2017

OIT

REFORMA TRABALHISTA

SEGURIDADE SOCIAL

Marco Aurélio Serau Junior

Marco Aurélio Serau Junior

07/02/2019

Parte da doutrina e da jurisprudência vêm apontando diversas inconstitucionalidades ínsitas ao contrato intermitente, modalidade de contrato de trabalho trazida pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017).

As críticas gravitam, em geral, nos aspectos de inexistência de jornada de trabalho (violando o art. 7º, inciso XIII, da Constituição Federal); violação da garantia de salário mínimo, inclusive nas formas de remuneração variável (violação ao art. 7º, inciso VII, do Texto Constitucional) e cabimento apenas para as ocasiões em que a própria atividade econômica desenvolvida pelo empregador é intermitente (violação ao artigo 170, caput e incisos III, VII e VIII, dispositivos constitucionais relacionados à ordem econômica).

Somadas essas vertentes, estaria configurada, em síntese, inegável hipótese de retrocesso social, o que é vedado pelo ordenamento jurídico brasileiro, seja pela Constituição Federal de 1988, seja considerando o bloco de constitucionalidade (respaldo de constitucionalidade nos Tratados e Convenções de Direito Internacional).

Todavia, também é possível aduzir a inconstitucionalidade do contrato intermitente pelos aspectos previdenciários embutidos nessa modalidade contratual.

Esse novo formato contratual difere da relação de emprego típica particularmente pela inexistência de jornada de trabalho pré estipulada. Não há, como no contrato de trabalho standard, a jornada laboral de 8 horas diárias e 44 horas semanais; tem-se no trabalho intermitente apenas atividades episódicas, falando-se aqui em períodos e não mais em jornada de trabalho.

Veja-se a redação do art. 443, § 3:, da CLT:

  • 3o Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria.

A contratação de trabalho intermitente, ao abandonar o conceito clássico de jornada de trabalho, obviamente causa impacto remuneratório aos empregados, vez que estes só serão remunerados se e quando convocados ao trabalho.

Conforme já identificado pela doutrina do Direito do Trabalho e pelas primeiras pesquisas empíricas sobre essa forma de contratação, há sub-ocupação e padrão remuneratório muitas vezes abaixo do salário mínimo. Diante destas condições é que se propõe a inconstitucionalidade do contrato intermitente também a partir dos aspectos constitucionais previdenciários.

Em primeiro lugar pode-se apontar a violação ao artigo 7º, inciso II, da Constituição Federal, que traz a garantia do “seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário”. Ora, o contrato intermitente é uma relação de emprego pura e simplesmente formal, sem efetiva ocupação e remuneração àquele que é, apenas jurídica e nominalmente, considerado como empregado (nos moldes do art. 3º da CLT).

Assim, frustra-se o direito ao percebimento do seguro-desemprego, importante benefício previsto pela Seguridade Social, pois só formalmente se pode considerar tais pessoas como pertencentes em uma relação de emprego.

O segundo aspecto, mais grave, consiste na violação ao direito à Previdência Social.

A Seguridade Social no Brasil, seja diante do Texto Constitucional, seja diante do bloco de constitucionalidade (especialmente a Convenção 102 da OIT), é considerada direito fundamental[1], não podendo ser suprimida de modo aleatório ou inadequado.

O Regime Geral de Previdência Social, conforme os termos do artigo 201, da Constituição Federal de 1988, é contributivo e de filiação compulsória, ou seja, demanda contribuição previdenciária para a configuração da qualidade de segurado e, ademais, a filiação é obrigatória conforme a modalidade de trabalho exercida pelo trabalhador (urbana, rural, emprego doméstico, etc).

O contrato intermitente é uma modalidade de trabalho que acaba por excluir esse tipo de trabalhador do direito à Previdência Social.

Não só porque será muito improvável que os trabalhadores intermitentes alcancem os requisitos necessários à aposentadoria, essencialmente 30 ou 35 anos de contribuição previdenciária, exigidos respectivamente das mulheres e homens: trabalhando apenas em poucos períodos alternados, será praticamente impossível que se atinja essa marca tão elevada de contribuições previdenciárias.

Esse montante contributivo já é proibitivo para os segurados que se encontram em relação de emprego típica, conforme se observa da prática e jurisprudência previdenciárias. Será um problema agravado para aqueles que passem meses sem receber remuneração ou esta seja abaixo do salário mínimo e não perfaça um mês de carência (nos termos da legislação previdenciária).

De outra parte, quando os segurados que trabalham na modalidade intermitente recolhem contribuições previdenciárias em valor inferior ao salário mínimo ocorre uma situação dúplice: deles são exigidas as contribuições previdenciárias, visto que o artigo 201 do Texto Constitucional estabelece um modelo previdenciário de filiação compulsória; porém, não lhes será assegurada nenhuma contrapartida em termos de cobertura previdenciária, visto que o requisito do recolhimento das contribuições previdenciárias não se encontra devidamente preenchido.

Quanto a isso, pelo aspecto eminentemente contributivo da Previdência Social (que inegavelmente há que prever alguma forma de contraprestação em termos de benefícios previdenciários), verifica-se clara inconstitucionalidade do modelo de contrato intermitente, visto que as contribuições previdenciárias, nesse arranjo laboral, funcionarão apenas como efeito confiscatório-arrecadatório, o que é vedado pelos seguintes dispositivos constitucionais: art. 150, inciso IV (proibição de tributo com efeito de confisco); art. 194, inciso V (equidade na forma de participação no custeio), e, finalmente, art. 195, caput (princípio da solidariedade).

Essa linha de argumentação sobre os reflexos necessários das contribuições previdenciárias desenvolvi em meu livro DESAPOSENTAÇÃO – NOVOS ASPECTOS TEÓRICOS E PRÁTICOS. Independentemente da tese da desaposentação não ter sido acolhida pelo STF trata-se de fundamentação relativa ao próprio sistema previdenciário e que deve ser retomada por aqueles que estudam e militam no Direito Previdenciário.

Em conclusão, deve-se alertar que esse tipo de discussão, obviamente, merece aprofundamento que não cabe nesse breve artigo, mas, certamente, há que se refletir sobre a pertinência do contrato intermitente dentro do quadro geral das normas constitucionais de Previdência Social.


[1] SERAU JR., Marco Aurélio. Seguridade Social como direito fundamental material, 2ª ed., Curitiba: Juruá, 2011.

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