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Direito do Trabalho em Tempos de Crise Econômica
Gustavo Filipe Barbosa Garcia
08/07/2015
Flexibilização e Programa de Proteção ao Emprego
Tendo em vista o atual cenário de crescente crise econômica, alcançando diversos setores e atividades não só no Brasil, como em outros países, discute-se a respeito de medidas de preservação dos vínculos de emprego, com o objetivo de evitar a dispensa de trabalhadores em razão de dificuldades financeiras das empresas.
A questão está inserida no âmbito da chamada flexibilização das condições de trabalho,[1] merecendo destaque a possibilidade de redução da jornada de trabalho, com a correspondente redução do salário, por meio de negociação coletiva.
Nesse enfoque, a Medida Provisória 680, de 06.07.2015, com início de vigência na data de sua publicação, ocorrida no DOU de 07.07.2015, institui o Programa de Proteção ao Emprego (PPE).
O referido Programa tem os seguintes objetivos: possibilitar a preservação dos empregos em momentos de retração da atividade econômica; favorecer a recuperação econômico-financeira das empresas; sustentar a demanda agregada durante momentos de adversidade, para facilitar a recuperação da economia; estimular a produtividade do trabalho por meio do aumento da duração do vínculo empregatício; fomentar a negociação coletiva e aperfeiçoar as relações de emprego (art. 1.º da Medida Provisória 680/2015).
O PPE, na verdade, consiste em ação para auxiliar os trabalhadores na preservação do emprego, nos termos do art. 2.º, inciso II, da Lei 7.998/1990, ao prever que o programa do seguro-desemprego tem por finalidade auxiliar os trabalhadores na busca ou preservação do emprego, promovendo, para tanto, ações integradas de orientação, recolocação e qualificação profissional.
Podem aderir ao PPE as empresas que se encontrarem em situação de dificuldade econômico-financeira, nas condições e forma estabelecidas em ato do Poder Executivo federal (art. 2.º da Medida Provisória 680/2015).
A adesão ao PPE é temporária, ou seja, tem duração de, no máximo, 12 meses e pode ser feita até 31 de dezembro de 2015. A perspectiva, assim, é que até o final do ano de 2016 os efeitos da atual crise financeira tenham passado ou, ao menos, se amenizado.
As possibilidades de suspensão e de interrupção da adesão ao PPE, bem como as condições de permanência nele e as demais regras para o seu funcionamento, devem ser previstas em ato do Poder Executivo federal.
A esse respeito, o Decreto 8.479, de 06.07.2015, publicado no DOU de 07.07.2015, cria o Comitê do Programa de Proteção ao Emprego (CPPE), cujo objetivo é estabelecer as regras e os procedimentos para a adesão e o funcionamento desse Programa, sendo composto pelos seguintes Ministros de Estado: do Trabalho e Emprego, que o coordenará; do Planejamento, Orçamento e Gestão; da Fazenda; do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; Chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República (art. 2.º).
Para aderir ao PPE, a empresa deve comprovar, além de outras condições definidas pelo CPPE: registro no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) há, pelo menos, dois anos; regularidade fiscal, previdenciária e relativa ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS); sua situação de dificuldade econômico-financeira, a partir de informações definidas pelo CPPE; existência de acordo coletivo de trabalho específico, registrado no Ministério do Trabalho e Emprego, nos termos do art. 614 da CLT (art. 6.º do Decreto 8.479/2015). Esclareça-se que, em caso de solicitação de adesão por filial de empresa, pode ser considerado o tempo de registro no CNPJ da matriz.
Para que não haja desvirtuamento da medida de natureza emergencial em estudo, no período de adesão ao PPE, a empresa não pode contratar empregados para executar, total ou parcialmente, as mesmas atividades exercidas pelos trabalhadores abrangidos pelo Programa, exceto nos casos de: reposição; ou aproveitamento de concluinte de curso de aprendizagem na empresa, nos termos do art. 429 da CLT, desde que o novo empregado também seja abrangido pela adesão (art. 7.º do Decreto 8.479/2015).
As empresas que aderirem ao PPE podem reduzir, temporariamente, em até 30%, a jornada de trabalho de seus empregados, com a redução proporcional do salário (art. 3.º da Medida Provisória 680/2015).
Cabe ressaltar que o art. 7.º, inciso VI, da Constituição da República prevê que são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social, a “irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo”.
A flexibilização in pejus das condições de trabalho, portanto, além de ser medida excepcional, que deve ter como objetivo a preservação do emprego, exige a negociação coletiva de trabalho, com a presença do sindicato da categoria profissional (arts. 7.º, inciso XXVI, e 8.º, inciso VI, da Constituição Federal de 1988).
Sendo assim, a mencionada redução está condicionada à celebração de acordo coletivo de trabalho específico com o sindicato de trabalhadores representativo da categoria da atividade econômica preponderante, conforme disposto em ato do Poder Executivo.
Para que se preserve o princípio da isonomia, a redução temporária da jornada de trabalho deve abranger todos os empregados da empresa ou, no mínimo, os empregados de um setor específico.
A redução temporária da jornada de trabalho pode ter duração de até seis meses e pode ser prorrogada, desde que o período total não ultrapasse 12 meses.
O acordo coletivo de trabalho específico em estudo deve ser celebrado entre a empresa solicitante da adesão ao PPE e o sindicato de trabalhadores representativo da categoria de sua atividade econômica preponderante, e deve conter, no mínimo: o período pretendido de adesão ao PPE; os percentuais de redução da jornada de trabalho e de redução da remuneração; os estabelecimentos ou os setores da empresa a serem abrangidos pelo PPE; a relação dos trabalhadores envolvidos, identificados por nome, números de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) e no Programa de Integração Social (PIS); a previsão de constituição de comissão paritária composta por representantes do empregador e dos empregados compreendidos pelo PPE para acompanhamento e fiscalização do Programa e do acordo (art. 8.º do Decreto 8.479/2015).
O acordo coletivo de trabalho específico deve ser aprovado em assembleia dos trabalhadores alcançados pelo Programa de Proteção ao Emprego.
Para a pactuação do acordo coletivo de trabalho específico, a empresa deve demonstrar ao sindicato que foram esgotados os períodos de férias, inclusive coletivas, e os bancos de horas. Por isso, a empresa deve fornecer previamente ao sindicato as informações econômico-financeiras a serem apresentadas para adesão ao PPE.
As alterações no acordo coletivo de trabalho específico devem ser submetidas à Secretaria-Executiva do CPPE.
No caso de empregados que integrem categoria profissional diferenciada (art. 511, § 3.º, da CLT), embora a norma em exame não disponha expressamente sobre a questão, pode-se defender que o acordo coletivo de trabalho específico deve ser pactuado com o respectivo sindicato, ou seja, que represente a categoria profissional diferenciada na área territorial abrangida.
Os empregados que tiverem seu salário reduzido, na forma supraindicada, fazem jus a uma compensação pecuniária equivalente a 50% do valor da redução salarial e limitada a 65% do valor máximo da parcela do seguro-desemprego, enquanto perdurar o período de redução temporária da jornada de trabalho (art. 4.º da Medida Provisória 680/2015).
Frise-se que essa compensação pecuniária é custeada pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e a forma do seu pagamento é prevista em ato do Poder Executivo federal. Mais especificamente, conforme prevê o Decreto 8.479/2015, compete ao Ministério do Trabalho e Emprego dispor sobre a forma de pagamento da mencionada compensação pecuniária.
Nesse modelo, portanto, o poder público também participa, em termos financeiros, da medida emergencial e temporária de flexibilização trabalhista, justificada por crise econômica, havendo, assim, certa divisão de responsabilidades.
De todo modo, o salário a ser pago com recursos próprios do empregador, após a mencionada redução salarial, não pode ser inferior ao valor do salário mínimo.
A contribuição previdenciária a cargo da empresa, de 20% sobre a remuneração, incide também sobre o valor da compensação pecuniária a ser paga no âmbito do PPE, conforme o art. 22, inciso I, da Lei 8.213/1991, com redação dada pela Medida Provisória 680/2015, o que pode gerar controvérsia quanto à constitucionalidade. No tocante à contribuição previdenciária devida pelos segurados, da mesma forma, o valor da compensação pecuniária a ser paga no âmbito do PPE integra o salário de contribuição (art. 28, § 8.º, d, da Lei 8.213/1991).
Os depósitos do FGTS devidos pelo empregador, de 8% sobre a remuneração, também incidem sobre o valor da compensação pecuniária a ser paga no âmbito do PPE, conforme art. 15 da Lei 8.036/1990.
As empresas que aderirem ao PPE ficam proibidas de dispensar arbitrariamente ou sem justa causa os empregados que tiverem sua jornada de trabalho temporariamente reduzida enquanto vigorar a adesão ao PPE e, após o seu término, durante o prazo equivalente a um terço do período de adesão (art. 5.º da Medida Provisória 680/2015). Garante-se, com isso, a manutenção do emprego, de forma provisória, dos trabalhadores abrangidos pelo mencionado Programa.
Deve ser excluída do PPE e fica impedida de aderir novamente a empresa que: descumprir os termos do acordo coletivo de trabalho específico relativo à redução temporária da jornada de trabalho ou qualquer outro dispositivo da Medida Provisória 680/2015 ou de sua regulamentação; ou cometer fraude no âmbito do PPE (art. 6.º da Medida Provisória 680/2015).
Em caso de fraude no âmbito do PPE, a empresa fica obrigada a restituir ao FAT os recursos recebidos, devidamente corrigidos, e a pagar multa administrativa correspondente a 100% desse valor, a ser aplicada conforme o Título VII da Consolidação das Leis do Trabalho (arts. 626 e seguintes) e revertida ao FAT.
Concluindo, observa-se que a preservação dos vínculos de emprego é um dos objetivos prioritários das políticas públicas a serem realizadas pelo Estado Democrático de Direito, mesmo em períodos de crises econômicas decorrentes de fatores diversos, como retração dos mercados interno e internacional. Trata-se de dever social das empresas, cabendo ao Estado adotar medidas necessárias e efetivas para assegurar o direito ao trabalho em condições adequadas.
Nesse contexto se insere o atual PPE, o qual, de todo modo, somente deve ser utilizado em casos extremos, uma vez que possibilita a redução da jornada de trabalho, mas com a redução proporcional do salário, conforme previsão em acordo coletivo de trabalho específico.
[1] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 107.
Veja também:
- Mediação e Pacificação Social
- Vigia e vigilante: Diferenças
- Regulamentação dos direitos dos empregados domésticos
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