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Ricardo Antonio Bittar Hajel Filho

Ricardo Antonio Bittar Hajel Filho

30/05/2018

Ante à paralisação do trabalho por parte dos caminhoneiros, nos últimos dias, veio à baila a expressão “locaute” (palavra derivada da língua inglesa lockout, cujo sentido é bloqueio).

Aludido vocábulo ganhou repercussão nacional quando da manifestação do Ministro da Segurança Pública, Raul Jungman, na noite do dia 24 de maio, o qual asseverou que o governo apura se houve prática de locaute pelas empresas de transporte, durante o movimento dos caminhoneiros, pela redução do preço do diesel. De acordo com as palavras do Ministro,

Eu diria que nós temos indícios de que existe uma, digamos assim, uma aliança, um acordo entre os caminhoneiros autônomos e as distribuidoras e transportadoras. Isso é grave porque isso apresenta indícios de locaute. Evidentemente nós estamos verificando isso porque loucate é ilegal e não é permitido pela lei.[1]

Como anteriormente dito, em simples tradução, locaute significa bloqueio, mais precisamente a paralisação transitória da atividade empresarial, comandada e efetivada pelo(s) próprio(s) empresário(s), com intuito de constranger, intimidar trabalhadores, durante negociação coletiva, para que não logrem sucesso em seus pleitos.

Consoante preclaras palavras do Ministro do TST, Maurício Godinho Delgado[2] “trata-se, como se vê, de fechamento provisório, pelo empregador, da empresa, estabelecimento ou simplesmente de alguns setores, efetivado com objetivo de provocar pressão arrefecedora de reivindicações operárias”.

Nota-se, portanto, tratar-se de conduta premeditada por parte do empregador, a fim de paralisar, total ou parcialmente, as suas atividades empresariais, com o fito de pressionar os trabalhadores, coletivamente considerados, a desistirem da negociação coletiva e, por conseguinte, a abdicarem de suas solicitações.

Dessa feita, precipuamente, o locaute se caracteriza por ser um instrumento de coação por parte do empresariado em relação aos trabalhadores.

No entanto, o referido instrumento de paralisação patronal pode transcender a esfera trabalhista, ou seja, o empresariado pode utilizá-lo como artifício para alcançar seus objetivos, pressionando outros segmentos da sociedade.

A razão de ser dessa paralisação, sua causa e objetivo antissociais, permitem, por interpretação extensiva, enquadrar-se na figura do locaute certo tipo de paralisação empresarial voltada a produzir uma pressão social ou política ainda mais ampla […]. Desse modo, o locaute político (ou por razões políticas) recebe o mesmo tratamento conferido à figura padrão regulada pela ordem constitucional e justrabalhista.[3]

Nesse contexto sócio-político é que o locaute foi mencionado pelo Ministro Raul Jungman, que, por meio de sua manifestação, suscita a possível interferência dos proprietários das distribuidoras e transportadoras na paralisação dos motoristas/caminhoneiros, que se iniciou no dia 20 de maio último, com o intuito de obterem a redução do preço do diesel.

A prática do locaute é vedada expressamente em nosso ordenamento jurídico, consoante o art. 17 da Lei 7.783/89 (Lei de Greve), bem como chega a ser tipificada como crime, conforme se depreende da leitura dos artigos 197[4] e 200[5] do Código Penal brasileiro.

Acaso o lockout fosse juridicamente permitido, o empresariado possuiria um mecanismo extremamente poderoso para controlar não só as reivindicações dos trabalhadores, mas, igualmente, as relações envolvendo a ordem econômica e, quiçá, as relações políticas.

Nos dizeres do Ministro Maurício Godinho Delgado, “este mecanismo de autotuela empresarial é considerado uma maximização do poder, um instrumento desmesurado, desproporcional a uma razoável defesa dos interesses empresariais, não se justificando seu uso”[6].

Logo, o locaute não pode ser justificado com fulcro no exercício da livre iniciativa e da propriedade privada, em que pese serem princípios amparados pela nossa Constituição Federal, posto que aludido mecanismo ultraja, cabalmente,  outros princípios constitucionais, como a dignidade humana e o valor social do trabalho (estes estampados em nossa Constituição como fundamentos da República do Brasil, conforme art. 1º, III e IV).

Enquanto poder incontrastável, conspira, também contra os objetivos fundamentais da república, de construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização, promover o bem de todos, sem discriminações (art. 3º, I, II, III e IV, CF/88.[7]

Observamos igualmente que o locaute, uma vez posto em prática, ofende o princípio constitucional da função social da propriedade, posto que  a empresa não pode deixar de prestar seus serviços ou deixar de atender à população.

Caracterizado o locaute, o contrato de emprego restará interrompido, ou seja, não haverá prestação de serviços por parte do empregado (uma vez que se encontra impedido de trabalhar), mas todas as parcelas salariais lhe serão devidas, conforme preconiza o art. 17 da Lei 7.783/89.

Ademais, o(s) empregados(s) poderá(ão), inclusive, vir a postular pela rescisão indireta do contrato de emprego, acaso os atos praticados pelo empregador sejam tipificados como faltosos, vez não restar dúvida de que, durante o locaute, o empregador possa vir a violar os preceitos contratuais (rescisão indireta do contrato de emprego – art. 483, CLT). Registre-se que tais efeitos ocorrem, porque há um prejuízo ao trabalhador, razão pela qual ele terá direito a receber os salários do período respectivo.

Por último, e não menos importante, cabe esclarecer que locaute não pode ser denominado como “greve do empregador”, conforme alguns meios de comunicação vêm mencionando em seus dizeres. A greve é um direito constitucionalmente assegurado ao trabalhador, o qual suspende – e não interrompe – o contrato de trabalho e que não tem por objetivo questões antissociais; mas, sim, o objetivo de buscar melhores condições econômicas e sociais para um conjunto de trabalhadores.


[1] G1. O que é locaute? Entenda o termo usado pelo ministro da Segurança, Raul Jungmann. Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/o-que-e-locaute-entenda-o-termo-usado-pelo-ministro-da-seguranca-raul-jungmann.ghtml>. Acesso em: 28 maio 2018.
[2] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 15.ed. São Paulo: Ltr, 2016, p. 1.552.
[3]Ibidem, p. 1.553.
[4] Atentado contra a liberdade de trabalho – Art. 197 – Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça:
I – a exercer ou não exercer arte, ofício, profissão ou indústria, ou a trabalhar ou não trabalhar durante certo período ou em determinados dias:
Pena – detenção, de um mês a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência;
II – a abrir ou fechar o seu estabelecimento de trabalho, ou a participar de parede ou paralisação de atividade econômica:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.
[5] Paralisação de Trabalho, Seguida de Violência ou Perturbação da Ordem – Art. 200, do Código Penal
Participar de suspensão ou abandono coletivo de trabalho, praticando violência contra pessoa ou contra coisa:
Pena: detenção de um mês a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.
Parágrafo único – Para que se considere coletivo o abandono de trabalho é indispensável o concurso de, pelo menos, três empregados.
[6]Op. cit., p. 1.555.
[7] DELGADO, Maurício Godinho, op. cit., p. 1.556.
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