32
Ínicio
>
Artigos
>
Processo Civil
ARTIGOS
PROCESSO CIVIL
Execuções no Novo CPC – Parte II: Obrigações de Quantia Certa
Humberto Theodoro Júnior
01/12/2014
Com intuito de analisarmos temas pertinentes às diversas formas de execução forçada, no que toca diretamente aos reflexos das inovações propostas sobre a jurisprudência atual relacionada, sobretudo, com problemas societários e empresariais, propomos esta série de artigos. Nela, cuidaremos das inovações mais relevantes propostas para ambas as modalidades executivas, títulos judiciais e títulos extrajudiciais.
1 – Introdução
Tramita pelo Congresso Federal o Substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei do Senado 166, de 2010, aprovado sob o número 8.046, de 2010, da Câmara, e que se refere à instituição de um novo Código de Processo Civil. É com base neste substitutivo que faremos os comentários que se seguem.
2 – Regras constantes das disposições gerais, mas que se aplicam preponderantemente às execuções relativas às obrigações de quantia certa
I – Iniciativa do procedimento executivo
O § 1º do art. 527 prevê que o cumprimento da sentença relativa ao dever de pagar quantia certa será feito “a requerimento do exequente”, o que, obviamente, exclui o poder do juiz de ordenar, de ofício, a intimação do devedor a realizar o pagamento devido, sob pena de multa e de sujeição à penhora.
Já o § 2º do mesmo art. 527 dispõe que o devedor, sem qualquer diferenciação entre as prestações devidas, “será intimado para cumprir a sentença”. Poder-se-ia apressadamente concluir que, fora do caso das dívidas de dinheiro, o cumprimento forçado da sentença não dependeria de requerimento do credor; a intimação do devedor, assim, seria ordenada pelo juiz, de ofício.
Por duas razões, essa interpretação não haverá de prevalecer: (i) em primeiro lugar, porque, no plano obrigacional, os direitos do credor são por natureza disponíveis, de modo que apenas ao titular cabe decidir sobre sua cobrança; coerentemente com isto, a lei processual projetada (tal como a vigente) destaca que “o exequente tem o direito de desistir de toda a execução ou de apenas alguma medida executiva” (Projeto, art. 791). Prevalece, de tal sorte, o princípio da livre disponibilidade da execução pelo credor; (ii) a par disso, o procedimento específico do cumprimento das sentenças relativas às obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa prevê o direito do devedor de se defender (art. 550, § 5º), por meio de impugnação, nos moldes do art. 539. Esse último dispositivo é justamente aquele que, na execução de sentença relativa a débito de dinheiro, prevê a impugnação do executado nos quinze dias subsequentes ao esgotamento do prazo previsto no art. 537 para cumprimento voluntário da prestação devida. Por sua vez, o art. 537, ao estipular dito prazo de cumprimento da condenação, determina sua fluência em função da intimação do devedor ordenada em consequência de cumprimento da sentença iniciado “a requerimento do exequente”.
Logo, há na conexão legal estabelecida entre os arts. 550, § 5º, 539 e 537, numa sistematização do cumprimento de sentença que exclui a execução ex officio, sujeitando-o, ao contrário, sempre à iniciativa do credor, qualquer que seja a modalidade de obrigação prevista no título executivo judicial.
II – Execução provisória
As “disposições gerais” do cumprimento de sentença só fazem menção expressa à execução provisória em relação às obrigações de quantia certa (art. 527, § 1º).
Ao regular, no Capítulo II do “Cumprimento da Sentença”, o novo Código cuida, como a própria epígrafe anuncia, do “cumprimento provisório da sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa” (arts. 534 a 536).
Isto, porém, não quer dizer que somente haja possibilidade de execução provisória em relação às obrigações de quantia certa. O § 5º do art. 534 esclarece que ao cumprimento provisório de sentença que reconheça obrigação de fazer, não fazer ou dar coisa aplica-se, no que couber, o disposto acerca da dívida de quantia certa.
III – Protesto da sentença
O art. 531 do novo Código admite seja levada a protesto a decisão judicial transitada em julgado, depois de transcorrido o prazo para pagamento voluntário previsto no art. 537. Trata-se de expediente que, por sua natureza, só se pode referir a títulos representativos de dívida de dinheiro, porque somente estas são passíveis de cumprimento perante o Tabelião de Protesto, como se acha estipulado no art. 19 da Lei nº 9.492/1997[1]. Esse pagamento haverá de ser feito em moeda corrente no país, devendo ser nela convertida a obrigação quando estipulada em moeda estrangeira (Lei 9.492, art. 10, § 2º). É lícito, porém, o uso de cheque, como se acha previsto no § 3º do art. 19 da lei citada, e é admitido pela jurisprudência[2].
Havia resistência na jurisprudência sobre a protestabilidade do título judicial, mas o Superior Tribunal de Justiça já se posicionara favoravelmente, diante dos termos amplos com que a Lei nº 9.492/1997 define o protesto. Com efeito, para a referida lei, “protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida” (art. 1º). Não havia razão, portanto, para se recusar o protesto da sentença judicial, já que, transitada em julgado, é, sem dúvida, documento capaz de atestar a existência de dívida, como qualquer outro. Daí o acerto do entendimento do STJ:
“Sentença condenatória transitada em julgado é título representativo de dívida – tanto quanto qualquer título de crédito. É possível o protesto da sentença condenatória, transitada em julgado, que represente obrigação pecuniária líquida, certa e exigível. Quem não cumpre espontaneamente a decisão judicial não pode reclamar porque a respectiva sentença foi levada a protesto”[3].
O protesto da sentença, expressamente permitido pelo Projeto, é, sem dúvida, expediente capaz de agilizar a cobrança da dívida revestida da certeza e liquidez próprias da coisa julgada. A repercussão do protesto no meio comercial e bancário é um forte instrumento de indução do devedor ao adimplemento da dívida tornada indiscutível após o definitivo acertamento judicial. Corresponde, nessa ordem de ideias, a remédio afinado com os atuais objetivos de efetividade e economia perseguidos pelo processo justo e eficiente. Funciona, portanto, como medida de apoio à execução forçada, tal como se passa com as astreintes.
Para processamento do protesto em questão, o Projeto estatui, no art. 531, os seguintes requisitos:
a) O exequente deverá obter certidão do teor da sentença, que o escrivão terá de fornecer no prazo de três dias (§§ 1º e 2º do art. 531);
b) A certidão deverá ser requerida no bojo do procedimento de cumprimento da sentença, e indicará: (i) o nome e qualificação do exequente e do executado; (ii) o número do processo; (iii) o valor da dívida; e (iv) a data de escoamento do prazo para pagamento voluntário previsto no art. 537.
Além dos dados relacionados no art. 537, a certidão deverá reproduzir o demonstrativo do crédito exequendo, previsto no art. 538, no qual se demonstram quais os acessórios já calculados e que haverão de ser atualizados, caso o devedor pretenda elidir o protesto mediante pagamento no Tabelionato competente (Lei nº 9.492/97, art. 19).
Dessa forma, para levar a sentença a protesto, não basta ter ela transitado em julgado. É necessário que tenha sido liquidada, se a condenação for genérica; que o devedor tenha sido intimado a cumpri-la voluntariamente; que tenha escoado in albis o prazo de pagamento, que é de quinze dias. Só depois dessas providências processuais preparatórias da execução é que o protesto da sentença se viabilizará.
O valor da dívida, pelo qual a sentença é levada a protesto é aquele pelo qual se instaurou o procedimento executivo[4] e para cujo pagamento foi intimado, nos termos do art. 537. Compreenderá, naturalmente, a atualização dos acessórios e custas, até o momento da efetiva satisfação, que poderá ocorrer em juízo ou no tabelionato de protestos (Lei nº 9.492/97, art. 19).
O pagamento, onde quer que se dê, provocará a extinção do processo executivo, fato que, porém, dependerá de decisão judicial.
2.1 – Registro da execução em cadastros de proteção ao crédito
No Livro II da Parte Especial do Código projetado, há uma outra medida de apoio, aplicável em reforço da satisfação da obrigação exequenda. Trata-se da inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes, que pode se referir tanto à execução de título extrajudicial como ao cumprimento de sentença (art. 798, § 3º). No caso, porém, de título judicial, a permissão restringe-se à execução definitiva, isto é, ao cumprimento de sentença, transitada em julgado. Não poderá, portanto, ser determinado o registro de execução provisória de sentença, nem da execução de título extrajudicial, quando se achar sujeita a embargos com efeito suspensivo (art. 798, §§ 3º e 4º).
A inclusão do executado nos cadastros em questão se processará por determinação do juiz da execução, mediante requerimento do exequente (art. 798, § 3º, 1ª parte), e só poderá se referir aos processos em que faltar penhora ou outra garantia idônea admitida em lei.
Deverá ser cancelada a inscrição imediatamente quando ocorrer (§ 4º):
- pagamento da dívida;
- prestação de garantia à execução;
- extinção da execução por qualquer motivo.
Convém lembrar que as restrições criadas pelo novo Código de Processo Civil referem-se a inscrições por iniciativa do exequente. Não impedem que os próprios cadastros de proteção ao crédito apurem junto aos cartórios a existência de ações ajuizadas contra devedor inadimplente, e as anotem em seus assentos, pois correspondem a fatos constantes de assentos oficiais de acesso público.
A meu ver, as ressalvas do Código projetado não afetarão a jurisprudência atual do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual:
“(…) AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INCLUSÃO DO NOME DE CONSUMIDOR EM CADASTRO DE INADIMPLENTE. DISCUSSÃO JUDICIAL DO DÉBITO. POSSIBILIDADE (…).6. Sendo verdadeiros e objetivos, os dados públicos, decorrentes de processos judiciais relativos a débitos dos consumidores, não podem ser omitidos dos cadastros mantidos pelos órgãos de proteção ao crédito, porquanto essa supressão equivaleria à eliminação da notícia da distribuição dos referidos processos, no distribuidor forense, algo que não pode ser admitido, sob pena de se afastar a própria verdade e objetividade dos bancos de dados.” 7. A simples discussão judicial da dívida não é suficiente para obstaculizar ou remover a negativação do devedor nos bancos de dados (…)”[5]. “CONSUMIDOR. (…) INSCRIÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. INFORMAÇÃO ORIUNDA DE FONTE DOTADA DE CARÁTER PÚBLICO. NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. DESNECESSIDADE. REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. NÃO CABIMENTO. PRECEDENTES.1. É firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que a ausência de prévia comunicação ao consumidor da inscrição de seu nome em cadastros de proteção ao crédito, prevista no art. 43, § 2º, do CDC, não dá ensejo à reparação de danos morais quando oriunda de informações contidas em assentamentos provenientes de serviços notariais e de registros, bem como de distribuição de processos judiciais, por serem de domínio público”[6].
3 – Conclusão
Com destaque para o interesse dos empresários podemos ressaltar:
a) possibilidade de protesto da sentença condenatória relativa à obrigação por quantia certa (art. 531);
b) previsão de registro de ação nos cadastros de proteção ao crédito das sentenças condenatórias insatisfeitas (art. 788, § 3º);