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Precatórios e suas novas funções para além da quitação de dívida estatal

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TRIBUTÁRIO

Precatórios e suas novas funções

ADI 4425

PRECATÓRIOS

Marcus Abraham

Marcus Abraham

04/10/2022

O texto original da Constituição Federal de 1988, que traz o regramento dos precatórios no seu artigo 100, continha poucos parágrafos e redação simples e direta.

Entretanto, restando menos de um mês para completar seus 34 anos de vigência, o tema já sofreu sete emendas constitucionais (ECs 20/1998, 30/2000, 37/2002, 62/2009, 94/2016, 113/2021 e 114/2021), possuindo o referido artigo 100 atualmente 22 parágrafos, além de inúmeros outros dispositivos acerca da matéria incluídos no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, o que demonstra tratar-se de assunto de grande relevância para as contas públicas, tornando-se também bastante complexa a sua sistemática.

A propósito, a simplicidade do instituto já era retratada antes da Carta de 1988, na redação do artigo 67 da Lei 4.320/1964, ainda em vigor, a prescrever que os pagamentos devidos pela Fazenda Pública, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão na ordem de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, sendo proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para esse fim.

Para sintetizar o instituto, podemos dizer que o precatório é a requisição formal de pagamento que a Fazenda Pública é condenada judicialmente a realizar.

Razão de ser dos precatórios

A sua razão de ser é a necessidade de inclusão prévia desses pagamentos no projeto de lei orçamentária para que haja disponibilidade financeira e autorização legal (pelo orçamento público) para o seu desembolso, pois, se fossem pagos imediatamente após o encerramento do processo judicial, haveria um desequilíbrio orçamentário, já que o seu valor e o momento do seu pagamento são incertos e imprevisíveis. Ademais, se não possuírem regras claras e criteriosas que estabeleçam uma ordem equitativa para o seu adimplemento, poderá haver violação da isonomia entre credores.

Portanto, diversamente do particular que, quando condenado, é obrigado a realizar o pagamento imediatamente em dinheiro ao vencedor da demanda judicial, a Fazenda Pública condenada em uma ação realiza o respectivo pagamento apenas no exercício financeiro seguinte, após a inclusão de tal despesa no seu orçamento, desde que apresentada até 2 de abril do ano anterior (data limite que até recentemente era 1º de julho).

O termo “precatório” provém do latim “precatorius”, significando “rogar ou solicitar algo”, ou “documento ou carta pelos quais se roga ou solicita algo”. A origem jurídica em nosso ordenamento advém da expressão “precatória de vênia”, instituto criado no final do século 19 pela legislação processual civil brasileira (Decreto nº 3.084/1898) para requisitar ao Tesouro recursos para o pagamento nas condenações da Fazenda Pública, diante da impenhorabilidade dos bens públicos. Em sede constitucional, o sistema de pagamentos por precatórios foi previsto pela primeira vez na Carta de 1934, mas limitava-se aos pagamentos de decisões condenatórias da Fazenda federal. Somente na Constituição de 1946 é que o sistema passou a se aplicar às Fazendas estaduais e municipais.

Precatórios no CPC 2015

Código de Processo Civil de 2015, nos seus artigos 535 e 910, expressamente reconhece o procedimento de pagamento por precatório no cumprimento de sentença que impuser à Fazenda Pública o dever de pagar quantia certa, ao prever que será expedido, por intermédio do presidente do tribunal competente, precatório ou requisição de pequeno valor em favor do exequente, observando-se o disposto na Constituição Federal.

A sequência de pagamento das condenações judiciais da Fazenda Pública, contudo, não é a mesma. A própria Constituição estabelece sistemáticas diferentes, levando em consideração critérios da natureza do crédito a ser pago, características especiais do beneficiário ou mesmo o valor da condenação. Assim, os créditos de precatórios de natureza alimentar são pagos antes (com preferência) dos créditos de precatórios comuns (desprovidos de natureza alimentar).

Já dentro da classe de precatórios alimentares, os créditos alimentares cujos titulares tenham 60 anos de idade, ou sejam portadores de doença grave, ou ainda pessoas com deficiência, até um determinado limite de valor, são pagos antes dos demais precatórios alimentares. Por sua vez, os créditos de pequeno valor – chamados de requisição de pequeno valor (RPV) – são pagos mais celeremente, fora do sistema de pagamento de precatórios.

Pois bem, de um mero instrumento formal para realizar o pagamento de dívida do Estado originária de condenação judicial transitada em julgado, o precatório hoje tem funcionalidades que vão além do mecanismo de quitação de dívida estatal, sobretudo se analisarmos as alterações trazidas pela Emenda Constitucional nº 113/2021.

Funções dos precatórios

A primeira das funcionalidades (que não é propriamente nova) refere-se a uma espécie de “compensação” ou “encontro de contas” entre o credor do precatório e a Fazenda Pública, caso em seu nome haja débitos inscritos em dívida ativa (tema que foi objeto de julgamento na ADI 4425, cuja mecânica, então introduzida pela EC 62/2009, era diferente da atual).

Assim, a nova redação do § 9º do artigo 100 da Constituição estabelece: “Sem que haja interrupção no pagamento de precatórios e mediante comunicação da Fazenda Pública ao Tribunal, o valor correspondente aos eventuais débitos inscritos em dívida ativa contra o credor do requisitório e seus substituídos deverá ser depositado à conta do juízo responsável pela ação de cobrança, que decidirá pelo seu destino definitivo”. Tal procedimento é complementado pelo § 10, prevendo que, antes da expedição dos precatórios, o tribunal solicitará à Fazenda Pública devedora, para resposta em até 30 dias, sob pena de perda do direito de abatimento, informação sobre os débitos que preencham as condições estabelecidas no § 9º, para os fins nele previstos.

Outras funcionalidades decorrem do texto do § 11, que prevê a possibilidade, a critério do credor, do uso de precatórios para quitação de débitos inscritos em dívida ativa, comprar imóveis públicos, pagar outorgas de delegações ou concessões, dentre outros. Assim, o titular de um precatório, conforme estabelecido em lei do ente federativo devedor, poderá utilizá-lo para: I – quitação de débitos parcelados ou débitos inscritos em dívida ativa do ente federativo devedor, inclusive em transação resolutiva de litígio, e, subsidiariamente, débitos com a administração autárquica e fundacional do mesmo ente; II – compra de imóveis públicos de propriedade do mesmo ente disponibilizados para venda; III – pagamento de outorga de delegações de serviços públicos e demais espécies de concessão negocial promovidas pelo mesmo ente; IV – aquisição, inclusive minoritária, de participação societária, disponibilizada para venda, do respectivo ente federativo; ou V – compra de direitos, disponibilizados para cessão, do respectivo ente federativo, inclusive, no caso da União, da antecipação de valores a serem recebidos a título do excedente em óleo em contratos de partilha de petróleo.

Há, também, a possibilidade de cessão, tal como prescrita no § 13, em que o credor de um precatório poderá ceder, total ou parcialmente, seus créditos em precatórios a terceiros.

Ainda, os próprios entes federativos poderão utilizá-los para quitar dívidas entre si. Assim é que o § 21 autoriza a União e os demais entes federativos, nos montantes que lhes são próprios, desde que aceito por ambas as partes, a utilizar valores objeto de sentenças transitadas em julgado devidos a pessoa jurídica de direito público para amortizar dívidas, vencidas ou vincendas: I – nos contratos de refinanciamento cujos créditos sejam detidos pelo ente federativo que figure como devedor na sentença (do precatório); II – nos contratos em que houve prestação de garantia a outro ente federativo; III – nos parcelamentos de tributos ou de contribuições sociais; e IV – nas obrigações decorrentes do descumprimento de prestação de contas ou de desvio de recursos.

Parece-nos que o instituto do precatório, além de ser um instrumento de organização financeira para garantir o equilíbrio fiscal nas contas públicas ao incluir tais obrigações previamente em lei orçamentária, passa a ganhar funcionalidades que garantem maior praticidade na utilização de tais créditos. A inteligente incorporação de técnicas como essas é um imperativo para uma Administração Pública que deseje aprimorar a sua eficiência.

Fonte: Jota

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